11 DE JANEIRO DE 1963 1809
Termino, juntando os meus anseios aos do mui ilustre Deputado Nunes Barata, certo de que do aproveitamento da bacia do Mondego hão-de resultar melhores dias para as suas populações e valioso contributo para a riqueza nacional.
Tenho dito.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Engrácia Carrilho: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: segundo M. Philippe Lamour, um dos maiores defensores do planeamento regional em França, planeamento regional é a reorganização racional e completa de uma região pelo equipamento e modernização das suas diversas actividades económicas e sua coordenação com as condições demográficas, sociais, humanas e culturais, com o objectivo da elevação geral do nível de vida dos seus habitantes.
A reorganização racional e completa de uma região não pode, naturalmente, ser empreendida pela exclusiva iniciativa dos seus habitantes, que não dispõem de meios financeiros e técnicos a que obrigam empreendimentos dessa natureza. Dai a intervenção do Estado, não só para que o planeamento regional se integre harmonicamente no planeamento nacional, mas também para que, por meio de empréstimos e subvenções e pela cedência dos meios técnicos necessários, a obra possa ser levada a bom termo.
O papel do Governo no planeamento é, modernamente, organizar os programas numa base nacional e, de acordo com uma política geral bem concebida, pôr à disposição das comunidades ou organizações privadas a ajuda material básica e os serviços técnicos indispensáveis para a sua reorganização.
Sendo possível reconhecer num país regiões perfeitamente distintas, não só pela localização geográfica como pelas condições agro-climáticas, densidade populacional, vias de comunicação, recursos energéticos, costumes, tradições, etc., também se depreende que a reorganização dessas regiões deverá ter as suas características próprias e a ela ser condicionada.
O planeamento, no que tem de desenvolvimento das actividades produtivas de uma região, é, podemos dizer, a infra-estrutura do bem-estar rural. Ora a bacia do Mondego oferece sem dúvida condições indispensáveis a uma obra de planeamento, e eis porque acolhemos com a maior simpatia e a mais fundada esperança o aviso prévio que o nosso ilustre colega Nunes Barata anunciou em nome dos Deputados pelo círculo de Coimbra. Presto as minhas homenagens a todos os ilustres colegas do círculo de Coimbra pela iniciativa que inteligentemente tomaram em favor do bem-estar de todos os povos que formam a bacia do Mondego, contribuindo assim para agitar problemas do mais alto interesse económico-social para a região das Beiras, e que urge resolver com a possível urgência.
Desde o instante em que o homem lançou à terra a primeira semente, com o objectivo de, associando à natureza o seu trabalho, produzir conscientemente tudo quanto necessita, não mais a cultura do solo deixou de estar na base da subsistência da humanidade.
Parte muito apreciável do agrupamento humano faz mesmo dessa actividade a. sua ocupação predominante; a extensão da superfície cultivada alastra e assume aspectos muito variados, consoante as condições do meio físico o grau de desenvolvimento técnico da população interessada. A agricultura é ainda hoje, e há-de provavelmente lê-lo por longos anos, o principal esteio da economia portuguesa.
Por isso, a valorização da nossa agricultura e das populações rurais continua e continuará a ser o problema económico de primeira grandeza.
Com efeito, nunca será de mais insistir para:
Que se procure elevar o rendimento originado no sector agrícola e se defina uma política económico-agrária racional e justa, onde desníveis de garantias deixem de ter lugar;
Que se promova uma melhor distribuição de rendimentos no sector;
Que se melhore o nível técnico da produção agrícola e se habilitem devidamente para o exercício da sua missão os trabalhadores agrícolas portugueses.
Todos sabemos que muitas das nossas populações rurais ainda vivem privadas de muita coisa necessária à vida, de muitas facilidades que a outras se prodigalizam.
Não vamos certamente pretender que aos meios rurais se proporcionem todos os progressos exigidos pelos meios citadinos. Não. Mas é de inteira justiça que se lhes prodigalizem ao menos aqueles melhoramentos que afectam profundamente a saúde e a vida.
Abastecimento de águas, saneamento, serviços assistenciais, estradas e caminhos deverão ter prioridade sobre tantas iniciativas de menor urgência, porque estes melhoramentos contribuem poderosamente para a saúde e vida dos povos.
O êxodo rural continua a processar-se assustadoramente, sem que se criem as necessárias condições, não somente em valores relativos, mas também em valores absolutos, orientando-os de preferência no sentido de actividades económicas criadoras dos bens materiais mais desejáveis.
O fenómeno do êxodo rural é, no fundo, um problema duplamente material e psicológico; psicológico na medida em que os centros populacionais, pelas belezas que mais facilmente se gravam nos olhos ávidos dos rurais, pelas distracções e comodidades que lhes oferecem, pelo género de vida que os surpreende primeiro e os conquista depois, estão aptos a exercer todo o seu poder de sedução.
A migração das populações rurais é particularmente intensa na região do Norte do País e faz-se em grande parte dos concelhos que marginam os grandes rios, por cujos vales passam em geral os caminhos de ferro e as grandes estradas nacionais. Por eles correm não só as águas límpidas das regiões serranas, que se mancham ao contacto das aluviões de planície, mas também os caudais humanos, que saem ingénuos e são das aldeias mais remotas e vão sujeitar-se nos bairros infectos das cidades que lhes ficam na foz.
São as camadas mais jovens da sociedade camponesa, e por conseguinte as mais válidas, aptas e com maior capacidade de trabalho e de maior iniciativa, que o mundo rural vê partir e de que o sector agrícola terá de se privar.
Há, portanto, que contrariar o êxodo tal qual hoje se vem processando no País, criando nos meios rurais melhores condições de vida humana, pois só assim se fixarão à terra as populações rurais.
Sr. Presidente: o aproveitamento integral das potencialidades económicas do rio Mondego poderá ser um grande passo no sentido da intensificação da vida dos povos das Beiras, não apenas pelo suplemento da energia eléctrica de que poderá dispor, mas pelas facilidades de natureza diversa que lhes poderão ser asseguradas.
Deputado da Noção eleito por um distrito do qual nove dos seus concelhos serão largamente beneficiados pelo aproveitamento integral do rio Mondego, aqui estou nesta tribuna a prestai: a minha modesta, mas sincera e calorosa, contribuição em benefício dos povos que tanto prezo, estimo e admiro.