O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

11 DE JANEIRO DE 1963 1803

Além daqueles que já citei, empreendidos pelo saudoso engenheiro silvicultor Mendes Frazão, estão sendo levados a cabo, com verbas e técnicos das Direcções-Gerais dos Serviços Florestais e Aquícolas e dos Serviços Hidráulicos, importantes trabalhos de correcção torrencial nas bacias hidrográficas dos rios Alva e Ceira, do rio do Pranto, e em numerosas linhas de água da região de Montemor-o-Velho.

Nos cursos de água que fazem parte destas bacias hidrográficas acham-se já erguidas mais de 500 pequenas barragens de alvenaria e lajes, cuja altura total ultrapassa 1100 m, e tanto nestes trabalhos como noutros indispensáveis para o eficaz combate à erosão já se despenderam cerca de 5000 contos.

É essencial não parar agora no caminho trilhado e ter confiadamente esperança em que se mantenham as condições que permitiram o arranque de 1941. Assim será possível continuar com os trabalhos empreendidos e iniciar outros ainda em algumas linhas de água da bacia hidrográfica do Mondego onde é necessário que actue a correcção torrencial.

Se as disponibilidades financeiras o continuarem a permitir, creio bem que, à semelhança do Lis, dentro em breve será também completamente dominado o problema de erosão concentrada na bacia do rio Mondego e que largas áreas de terrenos dos vales seroo completamente recuperadas para a agricultura, não mais sofrendo a invasão das areias estéreis arrastadas pelas enxurradas.

Urgente é enfrentar também o gravíssimo problema da erosão laminar na bacia do Mondego, e será, sem dúvida, o revestimento florestal o meio mais seguro, mais eficaz e mais económico para n combater.

Verificámos já que foi a destruição do revestimento vegetal, principalmente do florestal, que provocou o aparecimento do fenómeno erosivo sobre a terra, e desnecessário será, portanto, procurar demonstrar que é a floresta que devemos ir pedir a protecção e reconstituição dos solos degradados. É mesmo fácil verificar nas nossas serranias a diferença que existe entre uma região onde frondosa floresta viceja e a aspereza de uma terra descarnada e nua onde, no dizer do Prof. Vieira Natividade, "sentimos dolorosamente que a vida se apaga e a paisagem mineral ressurge, morta, fria, estática e sinistra como um panorama lunar ...".

É que a floresta regulariza também o clima, diminuindo as temperaturas extremas, tanto no dia como no ano; facilita a condensação do vapor de água e a formação de chuvas, tornando-as mais frequentes, menos abundantes e mais regulares; protege o terreno impedindo, com n folhagem e com a manta morta, a acção directa da chuva sobre o solo; aumenta a infiltração de água na terra e, assim, regulariza os caudais dos ribeiros e rios, permitindo o seu melhor aproveitamento durante todas as estações do ano; exerce uma benéfica influência sobre as regiões vizinhas, moderando a acção dos ventos violentos e muito secos e melhora a sua salubridade; reúne, enfim, todas as condições óptimas para a protecção e defesa do solo e da vida.

A acção benéfica da floresta não se limita, contudo, só ao que acabo de expor, pois além de proteger o solo também o restaura e enriquece.

Ao contrário das culturas agrícolas, que esgotam o terreno, e para a existência dás quais se torna necessário fornecer ao solo os elementos fertilizantes essenciais ao seu desenvolvimento vegetativo, a cultura florestal dispensa qualquer beneficiação anterior ou posterior da terra, desenvolvendo-se mesmo até em terrenos já gastos por outras culturas, em solos pobríssimos, e, findo o seu ciclo vegetativo, verifica-se mesmo considerável melhoria na constituição da camada arável.

Uma grande parte dos elementos nutritivos que a árvore extrai, tanto das camadas profundas do solo como da atmosfera, são depositados na superfície do terreno, por intermédio da manta morta. Os detritos que a constituem renovam-se constantemente, fragmentam-se, apodrecem e transformam-se em húmus, que a análise mostrou conter elementos minerais diversos: carbono, hidrogénio e ma1 terias azotadas.

Sob a acção das bactérias de que o solo florestal favorece consideravelmente a existência, e devido à presença de vários reagentes, o húmus torna-se um dos principais elementos de fertilidade dos terrenos, tendo além disso a .faculdade de tornar mais compactas as terras ligeiras e mais soltos os solos consistentes, melhorando consequentemente as suas propriedades físicas.

A impregnação do solo mineral pelo húmus dá origem à formação de nova terra vegetal. As raízes das árvores introduzem-se pelas mais ligeiras fendas do solo, atacam--no por intermédio dos sucos ácidos que segregam e fragmentam-no mecanicamente por acção do crescimento, favorecendo, portanto, também a formação de novos solos.

É assim que a floresta intervém no melhoramento dos terrenos, tanto em qualidade como em quantidade, não devendo pois restar qualquer dúvida quanto à sua eficácia pura protecção e recuperação de tantos milhares de hectares de solos onde livremente campeia o fenómeno erosivo.

E também a floresta é fonte permanente de rendimento directo, mas não nos devemos esquecer de que ela não se forma, não se cria, de um momento para outro, e de que muitos anos são por vezes necessários para fazer brotar a vida onde só há desolação e morte. Os florestais portugueses continuam, como até aqui, prontos a acorrer ao chamamento, e a dar todo o seu melhor esforço para modificar a feição do delapidado solo português, mas é necessário não lhes regatear os indispensáveis meios de trabalho, facultar-lhes pessoal e material e não lhes exigir num só dia o que só é possível, realizar em longos prazos de tempo.

Sr. Presidente: a bacia hidrográfica' do rio Mondego desenvolve-se por 660 000 ha, dos quais pouco mais de 270 000 ha se encontram arborizados, havendo mais de 100 000 ha de terras incultas e cerca de 80 000 ha de olivais, restando, consequentemente, 210 000 ha ocupados pela área social, terrenos agrícolas e outros. Impressiona o valor da área de incultos, sabe-se que a grande maioria da área de olival se desenvolve por terrenos alcantilados, e que a cultura agrícola se estende em grande parte por terras declivosas impróprias para a suportarem.

Tudo isto, aliado ao facto de cerca de uma terça parte da bacia hidrográfica do rio Mondego atingir pendores superiores a 25 por cento, explica a intensidade do fenómeno erosivo de acção laminar e as suas consequências, que se traduzem pelo volumoso depósito de carrejos que se verifica onde o rio apresenta mais fraco declive.

Ainda é de citar que, como em muitos outros rios, também na bacia do Mondego o agricultor ignorante e ambicioso reduz muitas vezes a secção de esgoto das linhas de água a valores insignificantes e, quantas vezes a custa de penosos fadigas, estabelece dispendiosos campos de cultura agrícola nas margens dos ribeiros e regatos.

Julga ter criado riqueza para si e para os seus, pode mesmo durante algum tempo, anos talvez, viver na doce ilusão de que o seu ribeiro ou seu regato bem comporta as águas pluviais, mas um dia surge violenta trovoada e, numa só enxurrada, num só momento, vê desaparecer o fruto do seu trabalho, a ilusória fortuna que julgava ter alcançado.