11 DE JANEIRO DE 1963 1801
rizar dos terrenos e sem se lembrar de que assim os deixa livremente entregues à força erosiva das águas.
Sr. Presidente: o solo do globo terrestre era outrora quase inteiramente coberto por densa vegetação, na qual as florestas se encontravam largamente representadas. As águas corriam límpidas para os mares e as cheias não se faziam sentir com violência, podendo mesmo talvez afirmar-se que não existia erosão apreciável.
O homem primitivo vivia nas florestas, alimentava-se dos frutos silvestres e da caça, e só muito mais tarde, talvez com os ensinamentos da natureza e com os necessidades impostas pelo aumento populacional, começou a exercer a cultura agrícola.
Desbravou primeiro os terrenos ribeirinhos que se situavam nas proximidades dos locais onde se fixara, foi-os pouco a pouco alargando e, quando, em resultado de lutas com outros homens, teve de procurar refúgio nas montanhas, viu-se obrigado a derrubar também ali o arvoredo e a criar novos terrenos agrícolas para satisfação das suas necessidades alimentares.
A população humana do globo terrestre aumentou em ritmo acelerado, mais numas regiões do que noutras, normalmente mais onde a vida era mais fácil e simples, e por ai muitas mais florestas foram derrubadas, novos campos de cultura agrícola surgiram.
As relações entre povos permitiram troca de conhecimentos e melhores condições de vida, mas também maiores necessidades surgiram, e já o corte de florestas não teve só o fim de alargar a área da cultura agrícola, mas também o do aproveitamento mais intensivo de lenhas e de madeiras. Muitas e muitas florestas foram assim derrubadas, e também muitas delas tinham já desaparecido em consequência da vida pastoril; imensas áreas arborizadas foram também destruídas pelo fogo, lançado e ateado muitas vezes pelo homem para obtenção de maiores espaços livres para cultura agrícola, ou para afastar para longe os animais selvagens, ou ainda pelo simples prazer de destruir.
Foram assim, no decorrer dos tempos, arrasados grandes massas de arvoredo, imprevidentemente ou premeditadamente, mas quase sempre sem que o homem desse qualquer passo para reconstituir a riqueza florestal perdida e sem se lembrar de que pouco a pouco ia destruindo a afinidade existente entre clima, solo e seres vivos, que tinha levado séculos a constituir-se.
Os rios deixaram de correr límpidos para os mares e iniciou-se um período de intensa erosão, que deu origem a enormes áreas de terrenos de aluvião.
O uso e o abuso da exploração da terra rompeu, contudo, o equilíbrio inicialmente mantido pela vegetação, e daí resultaram prejuízos consideráveis.
Diminuíram os reservas de água armazenada no solo e a possibilidade de se reconstituírem, o que originou uma' maior concentração dos caudais de esgoto; e se o homem desde que ocupou a superfície da terra sempre mais ou menos se teve de preocupar com as secas e com as cheias, com a sede e com a abundância de água, mais viu agravadas as suas preocupações à medida que ia destruindo as florestas.
Não só a água lhe faltava nas ocasiões em que mais dela necessitava e era em excesso quando a não desejava, mas também os bons terrenos de cultura agrícola começavam a ser assoreados ou lavados pelas águas das cheias, quando não eram arrastados, tornando-se estéreis e tendo de ser abandonados ou reconstituídos à custa de muitos e penosos esforços.
Os efeitos desastrosos da destruição de grandes superfícies arborizadas, apesar de lentos, foram-se fazendo sentir tanto mais rapidamente quanto mais velozmente se fazia a colonização, e, se a princípio o homem com eles
não muito teria de se preocupar, porque não faltava nova terra para ocupar, chegou mais tarde a ocasião em que, com o aumento populacional, se viu obrigado a procurar remediar a situação criada, porque lhe estava faltando o solo que o sustentava.
Nas regiões de densa população, em que a intensiva exploração da terra, além de se tornar necessidade imperiosa, era de algum modo remuneradora, o homem construiu socalcos com que impediu que o solo agrícola fosse arrastado pelas águas, mas nas regiões de cultura extensiva viu-se obrigado, muitas vezes, a abandonar muitos dos campos que com tanto trabalho e suor tinha arroteado.
Assim sucedeu em todas as regiões do globo onde a população humana se desenvolveu, onde ela tão imprevidentemente abateu a floresta que com o seu manto protector cobria o solo.
Sr. Presidente: não posso deixar de citar aqui, e faço-o com a devida vénia, uma pequena passagem de uma notável conferência proferida em Junho de 1961 pelo Prof. Joaquim Vieira Natividade, em Mirandela. No seu estilo pessoal, tão puro e tão característico, falou 'assim o Prof. Vieira Natividade sobre a erosão, que tanto ò impressionou na terra quente transmontana:
O desmoronar da floresta desencadeia fenómenos regressivos contra os quais a cobertura vegetal protegia a montanha. Destruído o manto arbóreo e arbustivo, o solo nu e superficialmente desagregado pelo pisoteio dos rebanhos torna-se fácil presa da erosão, que pouco a pouco arrasta a fecunda camada vegetal que cobria o esqueleto rochoso e consentia o vicejar dos grandes arvoredos.
Por sua vez, sob a pressão do pastoreio, a vegetação degrada-se e só a flora proletária, sóbria e rústica, é capaz de enfrentar a ardência das estiagens e as ásperas e cruéis invernias. O bosque dá lugar ao matorral que as grandes queimadas periodicamente percorrem; e fica, por fim, a charneca de mato rasteiro e áspero, entre o qual a rocha a cada passo aflora, essa paisagem monótoma, pobre, desolada e triste, tão típica das serranias mediterrâneas.
Não ficou, todavia, por aqui a espantosa obra destrutiva. Em tempos mais modernos, e por imposição do crescimento demográfico, a relha do orado começou a desbravar os imensos montes maninhos, aço* meteu as ondulações dos planaltos, afoitou-se às ásperas vertentes e surge a seara de centeio o revestir muitas serranias desnudes. Já o verde mimoso do cereal cobre os montes na Primavera. E uma paisagem nova, embebida da presença humana, e que vem quebrar a rudeza bárbara das imensas solidões.
Tarefa trágica foi esta, no entanto. A árdua conquista do pão mais veio descarnar as encostas. A montanha é entregue sem defesa à agressividade dos factores naturais, e desencadeiam-se trágicos fenómenos erosivos.
No seu curso tumultuário as enxurradas rasgam o solo declivoso; reduz-se cada vez mais a espessura da camada arável, até que surge a rocha, agressivo e estéril. Mas o homem continuou empenhado nesta sombria tarefa, sem talvez dar fé de que cada pedaço desse pão negro arrancado à montanha, amassado com o suor de mil fadigas, numa luta heróica pela sobrevivência, deixa mais pobre a terra transmontana e agrava, sem remédio, a sua própria pobreza . . .
E ainda:
... E compreendo então o sentimento de melancolia que invade o naturalista enamorado da natu-