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DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 68 1802

reza em face da impressionante nudez destas vastidões desoladas, quando o sol abrasador da canícula calcina os magros restolhos de centeio e, de longe em longe, pelos vales mais fundos, débeis regatos coleantes, perdidos em leitos cascalhentos, como que procuram furtar-se às carícias brutais do Sol. E onde os fraguedos irrompem e se acastelam tem-se a sensação angustiosa de presenciar a agonia de um mundo; sentimos dolorosamente que a vida se apaga e a paisagem mineral ressurge, morta, fria, estática, sinistra como um panorama lunar ...

As palavras do Prof. Vieira Natividade têm inteira e completa aplicação a vastas áreas da bacia hidrográfica do rio Mondego, onde se assiste a um uso no aproveitamento dos solos que pode comprometer gravemente todas as grandes iniciativas de melhoramento das condições de vida das populações, se severas medidas restritivas de abusos cometidos na exploração da terra não forem rápida e rigidamente adoptadas.

Referi que a erosão do solo se apresenta principalmente sob dois aspectos distintos: erosão laminar e erosão concentrada.

Direi que na bacia hidrográfica do rio Mondego estas duas formas de erosão se acham bem representadas, a primeira, a laminar, espalhada sobre toda a vasta área desta bacia hidrográfica, mas mais intensamente verificada no alto e médio Mondego, a segunda, a erosão concentrada, mais se localizando no baixo Mondego, mas apresentando também certa importância em algumas das linhas de água afluentes do Mondego médio.

Sr. Presidente: já de há muito que os serviços florestais portugueses vêm combatendo a erosão concentrada por meio de trabalhos especiais e a erosão laminar por intermédio da arborização de vastas áreas onde ela se vem produzindo.

Os primeiros trabalhos de correcção de torrentes pelos métodos florestais datam em Portugal de 1904, realizaram-se na bacia, hidrográfica do rio Lis e traduziram-se quase imediatamente pelo desaparecimento das cheias que periodicamente invadiam a cidade de Leiria, e que tão avultados prejuízos ocasionavam nas pessoas e nos haveres dos seus habitantes.

Foi nos alvores do nosso século que uma onda de renovação técnica e administrativa varreu o nosso país e, dos seus principais impulsionadores, os governantes de então, não posso deixar de destacar os nomes prestigiosos dos conselheiros Hintze Ribeiro, Presidente do Conselho de Ministros, Manuel Francisco Vargas, Ministro das Obras Públicas, Comércio e Indústria, e ainda de Alfredo Lê Cocq, director-geral da Agricultura.

A estes homens se ficaram devendo as reformas agrárias então decretadas, que com tão larga repercussão se haviam de projectar em tempos vindouros.

Contam-se por dezenas os regulamentos e diplomas de organização ou reforma dos serviços públicos que se promulgaram no findar do ano de 1901 e tantos deles tão perfeitos se mostraram que ainda hoje, mais de 60 anos volvidos, são de total aplicação, são quase tão actuais como naqueles já tão distantes tempos em que el-rei D. Carlos I reinava em Portugal.

Data precisamente de 24 de Dezembro de 1901 um dos decretos que mais profundamente refundiu os serviços florestais portugueses e lhes facultou os meios de expansão e de actuação que até ali lhes estavam vedados, tendo uma das suas mais eficazes inovações consistido na criação dos serviços de hidráulica florestal, que ficaram a formar um dos grandes grupos em que assentava a reforma orgânica dos mesmos serviços.

Bem hajam os homens dos governos de então, que tantos e tão relevantes préstimos de ordem técnica e administrativa dispensaram ao nosso país e que ainda maiores e melhores frutos poderiam ter produzido se a sua administração se não tem seguido um período conturbado da nossa história, uma época que os portugueses tão mal souberam aproveitar, uma quadra de perturbações e discórdias em que os nossos maiores valores espirituais se diluíram ou mesmo se perderam completamente.

Foi mesmo só já praticamente em nossos dias que se pôde assistir à mais intensa e cabal aplicação dos diplomas promulgados em 1901, foi só agora que se começaram a colher os seus benefícios, que mais e melhor se visiona o que virá a ser no futuro da terra portuguesa o lugar da floresta e das técnicas florestais.

Até 1940 foram escassas as dotações orçamentais dos serviços florestais e, por consequência, não puderam ser atribuídas verbas vultosas para trabalhos de correcção torrencial; mas, mesmo assim, procedeu-se na bacia hidrográfica do rio Lis à execução de trabalhos de correcção torrencial em 33 cursos de água, onde se construíram 316 barragens de alvenaria, cuja altura total ascendeu a cerca de 470 m.

Na bacia hidrográfica do rio Mondego, na região da Lousa e outras, também importantes trabalhos de correcção torrencial se empreenderam a partir do ano de 1926. Foi autor dos projectos e dirigiu esses trabalhos o engenheiro silvicultor Filipe Jorge Mendes Frazão, que foi saudoso director-geral dos Serviços Florestais e Aquícolas; a sua competência .e ao seu saber se ficou devendo o completo desaparecimento do fenómeno erosivo em 11 linhas de água, onde se construíram 160 barragens de alvenaria com a altura total de 355 m.

O melhoramento das condições económicas do País, a era de paz e progresso que atravessámos, permitiram, a partir de 1941, dar novo e grande impulso aos trabalhos de correcção torrencial.

Destaco, e com inteira justiça, que, para o efeito, muito poderosamente tem contribuído o clima de entendimento e de mútua compreensão em que têm vivido os serviços especializados das Direcções-Gerais dos Serviços Hidráulicos e dos Serviços Florestais e Aquícolas.

Tem produzido os melhores frutos a colaboração estabelecida neste campo entre técnicos das duas Direcções--Gerais, sendo-me grato render aqui justa homenagem aos feitores de tão útil e profícua cooperação, a SS. Ex.u o Ministro'Arantes e Oliveira e o nosso ilustre colega desta Assembleia Prof. Vitória Pires, que, quando Subsecretário de Estado da Agricultura, subscreveu em 1955 um despacho em que os Ministérios das Obras Públicas e da Economia oficializaram a criação do Gabinete de Estudos e Obras de Correcção Torrencial, organismo que ficou directamente subordinado íi Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas e a quem compete a realização de trabalhos de correcção torrencial, tanto no continente como nas ilhas adjacentes.

Tem este Gabinete trabalhado, o continuará a trabalhar, em íntima e profícua colaboração com a Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos, no seguimento das normas superiormente estabelecidas, e desta Direcção-Geral e dos seus técnicos tem continuado a receber o maior apoio, o que também muito me apraz aqui registar.

Está, portanto, em vias de completa resolução o problema da erosão concentrada, tanto no nosso território continental como insular, e muito resumidamente darei conta do que já tem sido a acção dos trabalhos de correcção torrencial na bacia hidrográfica do rio Mondego.