1932 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 76
mais interrogo a história do documento vivo e da verdade, mais ela me responde que piso a terra segura.
Acompanhei, com toda a Nação, os últimos debates da O. N. U. sobre o nosso ultramar em geral e sobre Angola e Moçambique em particular. Mas segui-os com a alma posta lá, sobretudo naquela maravilhosa cidade de Lourenço Marques, fascinante de belezas e pletórica de selvas criadoras. E que ressonância eles encontram em nós, quando os ouvimos dentro desse horizonte de grandeza incomparável. Escutando as afrontas ou guardando connosco as raras palavras de justiça, experimentamos uma revolta ainda mais veemente e toca-nos uma alegria bem mais intensa.
E este sentimento não é só de privilegiados ou de sonhadores que os factos ultrapassassem. Envolve-nos, por igual, a todos quantos, dentro da cidade ou através do interior imenso, na escola, na repartição, na oficina, na fábrica, na machamba, conhecidos ou anónimos, prolongamos Portugal, no tempo e no espaço.
Um facto novo, em que há meia dúzia de meses poucos acreditariam, nos trouxe a Assembleia Geral das Nações Unidas este ano. Andávamos habituados a contar ao nosso lado apenas a cavalheiresca Espanha e a África do Sul, companheira indomável de caminhos africanos.
Os aliados mais velhos, e os que pareciam mais firmes, não raro a saborear junto de nós as agruras das mesmas injustiças, condenavam-nos também; desinteressavam-se da nossa tragédia, abstendo-se ou voltando-nos as costas.
Pela, primeira vez, a compreensão do Ocidente, no que ele conta qualitativamente em prestígio, em inteligência, em cultura, até mesmo em hegemonia política, esteve connosco.
Como oportunamente sublinhou o nosso ilustre Ministro dos Negócios Estrangeiros, se aos votos positivos somarmos a maioria das abstenções, pesando bem o verdadeiro alcance da sua intencionalidade, então havemos de reconhecer, lisamente, que a nossa vitória foi, de facto, estupenda.
Como homem do ultramar, apodera-se de mim (como, aliás, de todos quantos lá mourejam, no suor generoso da sua fronte) um júbilo indizível, ao reconhecer que não foi vã a nossa teimosia em continuarmos, ante a deserção e a covardia de uma Europa traída, e que o sangue vertido pelos nossos heróicos soldados, para que Angola continue portuguesa, começa a falar mais alto do que o batuque demoníaco da mentira de todos os traidores contra nós lançados por Moscovo. Quem pode reler, sem uma onda de revolta, os profectas internos da covardia que nos aconselhavam o abandono ou a contemporização, que era o caminho aberto e irremissível da capitulação inevitável?
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Acusavam o Governo de cega teimosia, atacavam a nossa diplomacia de imobilismo, censuravam a nossa quebra de prestígio internacional. Mas aí nos chega esta eloquente vitória das Nações Unidas a evidenciar de que lado falava a sabedoria; se dos responsáveis pela vida da Nação, que nos mandavam aguentar na terra firme dos séculos, ou dos que só pensavam em fugir, covardamente, com vidas o haveres.
A nossa história diplomática há-de registar um dia este acontecimento como um dos seus triunfos mais expressivos. Por isso, não posso deixar de prestar aqui o testemunho muito sentido da mais viva gratidão aos dois estadistas que reputo os maiores obreiros deste altíssimo feito: o Sr. Presidente do Conselho e o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Estou certo de que esta Câmara e Portugal inteiro, particularmente o nosso querido ultramar, vivem comigo, ardorosamente, este mesmo sentimento de gratidão e de justificado regozijo. Mas importa ir mais longe, tirando deste grande facto as ilações que se me afiguram essenciais e decisivas na conjuntura nacional que estamos vivendo. Se pudemos salvar Angola, se abandonados suportámos o ataque frontal do mundo comunista e afro-asiático, se a opinião das grandes potências ocidentais começa claramente a manifestar-se a nosso favor, tudo se deve à unidade admirável que a Nação manteve na hora adversa: firmeza ao leme do comando, sem olhar a críticas insensatas ou pessimistas; coesão das forças armadas e dos voluntários empenhados na luta homérica; compreensão estreme de todos os bons filhos da Pátria em calar desentendimentos acidentais, para salvarmos, num esforço conjunto, a grandeza espiritual e territorial que nos foi legada pelos nossos maiores.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Poucas vezes um povo terá respondido tilo unanimemente ao sacrifício total que se lhe pediu.
Não chegámos ainda ao fim da batalha. Teremos, certamente, de enfrentar árduos combates nos dias que nos esperam. E o pior inimigo não mora, contudo, longe; vive connosco, está, por vezes, dentro de nós próprios.
Quem não ouve por aí os super-homens de café a amofinar as intenções mais puras e a denegrir os factos mais irrefutáveis, pretendendo instilar o cepticismo mais corrosivo na alma generosa e boa da nossa juventude, tanto da que na metrópole trabalha e estuda, como até da que, abnegadamente, se bate sem um assomo de cobardia, levada pelo santo orgulho de verter o sangue por Portugal, através do nosso vasto império ultramarino?
Estejamos, pois, todos atentos a essas criminosas manobras das forças de subversão, acoitadas na sombra, c saibamos conjurá-las a tempo, onde for preciso.
O ultramar carece de reformas urgentes e profundas no campo administrativo, no apetrechamento económico e industrial, na educação, na cultura e na promoção social e económica das suas populações nativas. Passou, felizmente, a idade dos preconceitos da «costa de África», em que para lá se expedia o que aqui não servia, ou saía castigado, a cumprir penas. Compreendeu-se, felizmente, há muito, que urge mandar-nos o melhor e só os mais sérios e bem preparados. É a política da sabedoria e da redenção. Neste momento crucial em que a metrópole oferece aos nossos territórios de além-mar a flor maravilhosa da sua juventude para os defender de armas na mão, é imprescindível que em tudo a nossa África ocupe o primeiro lugar, em todos os outros campos do pensamento e da acção, se queremos de facto salvá-la e, com ela, salvar a própria Nação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não incidamos em erros que tão fundo cavaram a nossa desgraça; tenhamos a boa coragem de sanear o que ainda esteja corrompido, sem olhar a nomes, nem a situações, nem. a interesses criados. A Pátria pertence a todos, é certo; e, lá como aqui, só o bem comum de todos os portugueses dignos de tal nome nos deve mover.
Esta Câmara não tardará a debruçar-se, toda ela, e não já apenas os Deputados ultramarinos, sobre problemas vitais do nosso ultramar. Quanto lamento que a sugestão aqui levantada por mim na sessão legislativa do ano tran-