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1954 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 77

Trata-se de um documento de excepcional importância que honra não só os especialistas que o prepararam, mas também o Governo, que patrocinou a sua elaboração e se propõe dar-lhe execução.
Longe de constituir uma iniciativa isolada, esta proposta de lei enquadra-se no âmbito geral do Estatuto da Saúde e Assistência, há dias votado nesta Câmara, e segue-se à criação do Instituto de Assistência Psiquiátrica.
Sr. Presidente: o número crescente de doentes e de doenças mentais constitui, hoje em dia, um problema inquietante, não só para os médicos e higienistas, mas também para os sociólogos e os governantes de todos os países.
A grande preocupação é, por um lado, a do tratamento adequado dos casos caracterizados de alterações mentais e, sobretudo, por outro lado, a da prevenção e impedimento da génese de tais perturbações. A acção profiláctica assume, deste modo, cada dia que passa, maior importância em relação à acção pròpriamente terapêutica.
Se aos doentes internados nos hospitais psiquiátricos se juntarem os inúmeros casos de doentes mentais em liberdade - psicopatas, neurasténicos, débeis mentais, etc. -, chegar-se-á à conclusão de que, no conjunto, são mais do que todos os outros doentes reunidos.
O movimento que por toda a parte se levanta em prol da saúde mental tem plena justificação, porquanto é pela clareza e pelo equilíbrio do espírito que o homem se impõe como elemento da sociedade.
No fundo, a saúde mental é um dos problemas - talvez o mais importante - da higiene pública.
Ao contrário, porém, do que acontece com a saúde física das populações, cujos progressos nos últimos anos tanto se têm acentuado, as doenças mentais não têm diminuído, antes pelo contrário, cada dia parecem agravar-se mais.
Calcula-se que, de modo geral, o número de neuróticos atinge 10 a 12 por cento dos indivíduos e incomoda cerca de 30 por cento.
Os indivíduos assim classificados compreendem atrasados mentais, entre eles idiotas e imbecis, esquizofrénicos, maníaco-depressivos, etc.
A profilaxia das doenças chamadas epidémicas dispõe hoje de meios rápidos e eficazes na maioria dos casos. Com a saúde mental não só o tratamento é quase sempre difícil e demorado, mas, sobretudo, a profilaxia envolve acções que atingem no geral não apenas o indivíduo, mas toda a estrutura social.
No 1.º Congresso Nacional de Saúde Mental, realizado em Lisboa em 1960, foram largamente debatidos os diferentes aspectos do problema.
Merece ser posto em relevo, entre os estudos apresentados, o relatório dos Profs. Barsona Fernandes e Pedro Polónio, intitulado «Projecção Social da Saúde Mental».
Segundo estes ilustres professores, cerca de 1 milhão de portugueses necessita de cuidados psiquiátricos especializados, existindo outro milhão em que o auxílio psiquiátrico pode ser prestado por médicos de clínica geral.
Conforme acentuava, em 1959, noutro relatório - «O Problema da Saúde Mental» - o primeiro daqueles professores, mais de 1 por cento da população sofre de doenças mentais de certa gravidade, enquanto cerca de 10 por cento sofre das chamadas neuroses «nem sempre sofrimentos menores e, tantas vezes, motivo dos mais cruciantes conflitos».
A percentagem de crianças e adolescentes que necessitam de cuidados psiquiátricos ou de orientação psiquiátrica varia entre 5 e 10 por cento, número que é assombrosamente elevado.
Cerca de 5 por cento das crianças em idade escolar carecem de atenções psicológicas, afirma, com verdade, o Prof. Barsona Fernandes.
As estatísticas das chamadas «doenças sociais», tais como a criminalidade, o suicídio, o alcoolismo, fornecem igualmente elementos eloquentes pelo que respeita à saúde mental. Basta referir que o número de alcoólicos no nosso país atinge cerca de 300 000, dos quais 15 000 devem ser classificados como alcoólicos crónicos, com todas as consequências que advêm do seu comportamento e decadência social.
Em suma, o número de indivíduos com perturbações mentais existente no País atinge cifras assustadoras e evidencia de modo inequívoco a grandeza do problema e a urgência das medidas tendentes a combatê-lo.
Pode dizer-se, com razão, que a chave da prevenção das doenças e da promoção da saúde mental se encontra na infância. A higiene mental infantil está, por isso, na base de toda a acção destinada a atingir aquela finalidade.
Isto significa, como é fácil de concluir, que os mais importantes problemas da saúde mental são os que dizem respeito à infância e à juventude, à sua formação e preparação para a vida, a família e a sociedade. Assim o consideram também os autores da proposta de lei ao dizerem que «as providências dirigidas à saúde mental da infância devem ser consideradas com particular interesse».
É por de mais conhecido que as atitudes viciosas se revelam e se afirmam, no geral, desde a infância. É nesta idade que surgem, frequentemente, as primeiras alterações do carácter, as primeiras atitudes anti-sociais.
A falta de aproveitamento escolar é, no geral, uma das primeiras manifestações de desadaptação. Por isso se justifica que se dê a maior atenção a estas crianças, cujo número é, por toda a parte, bastante elevado.
Em França, por exemplo, de acordo com as estatísticas mais recentes, os atrasados escolares das classe primárias vão de 25 a 43 por cento.
Na maioria, as crianças nestas condições, quando tratadas a tempo, são susceptíveis de aproveitamento e de adaptação à vida social, comportando-se como indivíduos úteis e colaborantes. Abandonados a si próprios, ingressarão, primeiro, no grupo dos atrasados escolares e passarão, depois, a desadaptados sociais, vadios e criminosos.
A desadaptação pode ter, como se sabe, causas várias.
No número dos desadaptados figuram com frequência crianças intelectualmente bem dotadas e, por vezes, excepcionalmente bem dotadas. A anomalia de comportamento pode resultar apenas, conforme o ilustre Deputado Dr. Santos Bessa pôs há dias em relevo, de uma carência afectiva, do abandono a que a criança foi votada, da incompreensão com que é olhada na escola, etc.
Mas pode ser devida, e assim acontece na maioria dos casos, a deficiência mental.
As estatísticas mostram que a grande maioria dos desadaptados sociais foram primeiramente desadaptados escolares.
Um dos temas discutidos numa das últimas conferências internacionais de instrução pública, realizada em Genebra em 1960, foi precisamente o da organização do ensino especial para os débeis mentais. As discussões e as recomendações aprovadas mostram bem quanto este problema preocupa os responsáveis pela educação em todos os países c, de maneira especial, naqueles em que existe a obrigatoriedade escolar.
Efectivamente, constitui grande embaraço económico, social e cultural para um povo a existência no seu seio de um contingente de deficientes mentais não recupera-