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1952 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 77

de classes relativamente normais, equilibradas em número e qualidade.
Hoje, mesmo que a criança não esteja interessada ou não tenha aproveitamento, tem obrigação de ocupar os bancos das escolas dos 6 aos 14 anos, se necessário, perturbando o ambiente geral, agravando o seu próprio caso e pondo aos professores tremendas dificuldades que não foram previstas nem na sua preparação; nem na organização escolar.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

A Oradora: - Quererei significar que estamos pior do que há dez anos? De forma nenhuma, mas se a vitória obtida é motivo de justo orgulho, não poderá dar-se por terminada a campanha enquanto não possam encaminhar-se as crianças difíceis para ensino ou actividades adequadas à sua conveniente educação e recuperação. A faltar ainda por muito tempo este complemento da luta contra o analfabetismo, teremos agravadas as percentagens de perturbados mentais e delinquentes possivelmente recuperados. Prejudicar-se-á ainda o recrutamento e a formação das élites, diluídas por classes excessivamente heterogéneas em que as dificuldades mais prementes absorvem a atenção e as energias dos mestres.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

A Oradora: - Nesta cruzada creio também eu, como aqui se afirmou, que, uma vez actualizada a formação psicopedagógica dos professores nas escolas do magistério primário, grande papel caberia a estes no despiste de casos benignos. De facto, é geralmente a escola o primeiro meio a revelá-los no momento óptimo da sua recuperação, quando ainda ninguém pensaria em conduzir as crianças a serviços especializados.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

A Oradora: - À escola primária segue-se o ensino secundário ou médio. Porém, apenas cerca da quarta parte da população beneficia de um ou de outro.
Há oito anos tive ocasião de lembrar aqui a lacuna que existe, para os alunos de bom aproveitamento que não prosseguem os estudos, entre a despedida da escola e a entrada na profissão; dois, três, quatro anos de ociosidade, de rua, de actividades que em geral nada têm de educativas. Poderá dizer-se que o abandono destes adolescentes num dos períodos mais ingratos e decisivos da sua vida, quando a família não pode geralmente ocupar-se deles e ocupá-los por todo o dia, não terá repercussões na sua saúde mental? Faltará ainda muito tempo para que se prolongue a escola primária no ciclo comum, cujas bases estão estudadas, e no ensino pós-primário acessível à periferia? Deixo a interrogação e com ela o desejo veemente de uma resposta tão rápida e eficiente quanto possível.
Volto ao fio da meada. Segue-se o ensino secundário, dizia eu, muitas vezes o liceu se está perto ou a escola profissional se mais perto ainda. Vejamos o critério da escolha: aptidões manifestadas, condições económico-sociais das famílias, diploma em vista?
Devo lealmente confessar, pelo contacto que mantenho com famílias dos mais variados meios, que, se há escolha, em que influem mais ou menos inconscientemente aqueles factores, não é precedida de esclarecimento profundo e da consideração dos dados que justifiquem validamente um critério. Falta, na maioria dos casos, quer a visão do panorama escolar que se oferece ao estudante, quer das necessidades profissionais do País, por um lado; por outro, o exame sério das condições psicológicas da criança.
Em rigor, não há orientação escolar que apoie a boa vontade das famílias e o acolhimento das instituições públicas e particulares e dê a possível garantia de aproveitar os, recursos humanos de cada indivíduo. Se a criança corresponde, tudo vai bem; se começa a revelar complexos, desadaptações, sem que a família e a escola estejam preparadas para acompanhar o caso, e daí resulta, como é corrente, a sucessiva mudança de escola e de curso, a que se seguirá mais tarde a procura de emprego sem qualificação, eis-nos a caminho de um processo que poderia seguir outro curso, desde que previsto a tempo.
Não estamos em época de desperdiçar valores humanos, nem somos bastante ricos para suportar o peso de elementos inúteis ou perturbadores, que poderiam ser produtivos e seriam, sobretudo, mais felizes.
Ficaríamos a conversar durante longas horas sobre estes temas, que a todos VV. Ex.ªs são familiares e se ligam tão de perto com a proposta de lei que apreciamos. Se não me alongo mais é porque o assunto, estudado por especialistas, como constatamos ao abrir os relatos do Congresso de Saúde Mental a que já fiz referência, entre inúmeras publicações sobre o assunto, encontra resposta na efectivação da base XIV da presente proposta de lei, a que se dará certamente relevância na discussão na especialidade. Nem duvido que a reforma do ensino que os tempos reclamam adentro do espírito que atrás preconizei não tenha em conta, entre outras premissas, as que derivam da higiene mental.
Sr. Presidente: a criança e o adolescente não vivem porém apenas na escola e em casa. As famílias sobrecarregadas, vivendo em casas exíguas, muitas vezes desorientadas sobre aspirações dos filhos que não tiveram correspondência no seu meio de infância, deixam em muitos casos que a mocidade solucione por si a ocupação dos tempos livres. Atrai-os o cinema, a rua, a televisão, o convívio da sua idade, sem grandes limitações ou exigências que preservem o seu equilíbrio mental, ou respeitem pelo menos os princípios basilares da educação.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

A Oradora: - Dir-se-á que o problema não é de medidas legais, mas da responsabilidade das famílias. Voltamos atrás, sem dar conta. Fácil é de facto culpar estas, ainda que as condições lhes sejam adversas; como às famílias não é difícil nos momentos de desorientação clamar pela ajuda que lhes falta; mas o problema é sério de mais para uma espécie de jogo da bola em que a vítima é a criança ou o adolescente.
É justo que cada um colabore no sector que lhe cabe; e assim é lícito esperar o necessário esclarecimento de alguns dos serviços previstos na base XIV, e ainda uma melhor colaboração das actividades circum-escolares, cuja finalidade é exactamente a de completar a acção educativa das famílias.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

A Oradora: - Impõe-se ainda que o cinema, a literatura corrente, as organizações desportivas, etc., para além de outros legítimos objectivos, assumam as responsabilidades educativas que lhes competem, apoiadas por uma legislação que, ao mesmo tempo que as prestigia, não pode deixar de reprimir abusos onde quer que os haja e sempre que esteja em causa a protecção aos menores.