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2030 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 80

Numerosos são os congressos e reuniões internacionais em que o problema do trânsito se estuda em todas as suas causas e consequências, daí jorrando mais luz para a sua regulamentação e uniformização.
Autorizadíssimas vozes têm abordado os problemas derivados da circulação rodoviária. A Igreja cada vez mais se debruça quanto ao aspecto moral que o acidente de viação envolve, cabendo a SS. SS. os Papas Pio XII e João XXIII a demonstração de posições bem inequívocas.
Por todos os lados incentivam-se campanhas de segurança, sugerem-se medidas que os construtores de veículos aproveitam, divulgam-se as normas de trânsito, realizam-se obras de defesa, activa-se a propaganda e exemplificação nas escolas, enfim, entidades públicas e particulares procuram, em movimentos controlados, fazer diminuir a chamada carnificina das estradas e minorar as suas consequências.
Entre nós ...
Falar de acidentes de transito em Portugal é, antes de mais, o reconhecimento de uma realidade dolorosa e que nos envergonha, dado o seu elevadíssimo número, quer em relação ao parque nacional, quer já tendo em conta a extensão das nossas estradas.
Neste assunto ocupamos na Europa, infelizmente, lugar cimeiro. Mas a proporção vexa-nos sobremaneira, visto que a rede de estradas e o número de veículos é inferior, por margem muito larga, ao de muitas outras nações, que, em tal capítulo, ocupam lugares bem modestos.
Reportando-me a elementos colhidos no Anuário Estatístico da Direcção-Geral de Transportes Terrestres respeitante ao ano de 1961, circulavam na metrópole 205 149 mitos ligeiros, 25 903 autos pesados, 26 895 motociclos e 9765 tractores, o que perfaz um total de 267 176 veículos, que se distribuíam numa rede de estradas nacionais e municipais com a extensão de 27 909 km.
Ora naquele ano verificaram-se 20 756 acidentes de viação, compreendendo 14 736 de que resultaram ferimentos e 699 mortais, subindo a 738 o número dos que faleceram.
Os números crescem de ano para ano e forçoso é chamar a atenção sobre esta assustadora corrida para a morte. Em 1961 houve mais 2631 acidentes do que em 1958 e, consequentemente, tombaram nas estradas mais 164 pessoas.
E já que estou a usar números, procurarei torná-los menos áridos, tentando dar elevo, que a estatística permite, a certos aspectos talvez mais expressivos.
Assim, perpassando ao longo dos extensos algarismos fornecidos pela publicação a que me referi, posso concluir que, atingido o volume de 267 176 veículos pelo parque motorizado nacional precisamente no ano em que ocorreram 20 756 desastres, um em cada treze veículos contribuiu para acidentes de trânsito! Isto também quer dizer que poderia assinalar-se um desastre em cada 1344 m das nossas estradas. Ou, à semelhança do que se faz noutros países, o que seria macabro -mas talvez, por isso mesmo, mais susceptível de meditação -, uma cruz erguida de 37 km em 37 km, rememorando vidas perdidas, quantas vezes por criminosa negligência dos utentes da estrada. Relembro que estes números se referem apenas ao ano de 1961.
Razões várias concorrem para o elevadíssimo número dos acidentes entre nós verificados. Mas não se divorcia da realidade quem imputar à falta de educação cívica dos utentes da estrada a causa primeira dos desastres. Ignorância, desleixo, imprudência, falta de observância de deveres e de obrigações são pecados que afectam, em larga escala, condutores e peões.
Uns e outros necessitam da estrada, que foi construída para benefício de todos e para que todos se sirvam dela. Por isso, é indispensável que cada um se compenetre do seu dever, não esquecendo que das suas mãos depende a sua vida e a vida de muitos outros.
O veículo é hoje, mais do que nunca, instrumento de trabalho. Saber utilizá-lo convenientemente, conscientemente, para além de dever cívico, constitui imperativo moral, que não pode ser afastado ou diminuído sob pena de falta grave.
Para além da ausência de educação cívica que se verifica neste aspecto da vida nacional, há factores de outra natureza que contribuem activamente para a dificuldade do nosso trânsito.
Destaco, como principais, a incompleta aprendizagem dos condutores, a deficiente fiscalização, o traçado antiquado e mau estado do pavimento de certas estradas.
Entendo ser erro persistir nos exames de condução tal como se vêm realizando. Estes exames constam, quase só, da execução de algumas manobras, mais ou menos difíceis, e de curta prova de condução em cidade. Ora a prática demonstra que dominar um veículo em espaços pequenos também é necessário, mas é, só por si, muito pouco. Guiar um veículo em cidade é deveras diferente e mais simples do que conduzi-lo na estrada. Basta atentar que a marcha obrigatoriamente moderada pelo excesso de movimento, a maior disciplina de peões, uma quase inexistência de ciclistas fazem a condução em cidade mais condicionada a algumas regras elementares.
Penso que falta, nos exames de condução, uma larga prova em estradas de características várias ...

Vozes:- Muito bem, muito bem!

O Orador: - ... e se possível até a abranger a condução diurna durante as horas de movimento, bem como um teste nocturno, em que o examinador efectivamente possa observar as qualidades do condutor.

O Sr. Alberto Meireles: - E à velocidade que, normalmente, se anda nas estradas.

O Orador: - Inteiramente de acordo.
A obrigatoriedade de carta para ciclistas poderia vir melhorar, em certo grau, o baixo índice do nível de condução.
Tal não sucedeu. E não sucedeu porque concelhos conheço onde tais cartas se conseguem sem que os examinados precisem de sair de suas residências. Noutros casos, limitam-se a dar pequenos passeios, pedalando em volta dos jardins que circundam as câmaras municipais, sob os olhares complacentes de, quantas vezes, incompetentes examinadores.
Qual o resultado? Está bem à vista.
Após larga campanha da imprensa, paralela à de algumas entidades ligadas ao problema rodoviário - donde quero destacar o Automóvel Clube de Portugal, sempre oportuno nas suas sugestões impregnadas de esclarecida visão nacional -, o departamento competente iniciou rigorosa fiscalização sobre os ciclistas. Em dois meses do ano findo, Outubro e Novembro, foram levantados 19 791 autos de transgressão.
Urge que se continue incansavelmente neste rumo, tão tarde iniciado, para se educarem os ciclistas, que, através de seu normal descuido, constituem perigo iminente para a segurança na circulação.
Mas este rigor de fiscalização convém ser alargado a todos quantos utilizam as estradas.