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2032 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 80

mente. Ao agente cio Ministério Público ou à acusação deparam-se vultosas dificuldades para a caracterização dos factos e seu perfeito enquadramento.
O julgamento criminal de um acidente de viação é, entre nós, motivo de gravíssimas preocupações, pela dificuldade que reveste a boa decisão da causa.
O direito da estrada constitui hoje um ramo de direito próprio, quer através dos elementos caracteristicamente técnicos de que deve lançar mão, quer já pelo seu cunho de particularidade no campo de aplicação.
Há manifesta necessidade da sua entrega a tribunais especializados, auxiliados pela técnica e assentes na preparação cuidada dos julgadores e investigadores.
De modo algum a criação de tribunais especializados para casos da competência do Código da Estrada viria a constituir perda de atribuições dos tribunais comuns ou escândalo pelo facto de se afirmar ser necessária preparação mais específica aos julgadores.
Hoje cada vez com mais frequência se legisla a criação de tribunais especiais. Isto quer dizer que também os próprios tribunais comuns se especializam, na medida um que a matéria da sua competência tem sido reduzida pela saída do ramos de direito que dantes lhes estavam atribuídos.
Mas continuarmos, como até aqui, a ver julgar mal, atribuindo, por sistema, culpa ao mais pesado ou mais veloz, só por o serem, ou ver, por comodidade e compaixão, fixar culpas concorrentes ou graduando-as sem critério, é contribuir para o desprestígio da justiça, sancionar monstruosidades e fomentar número maior de acidentes pela esperança radicada nos transgressores de lhes ser dada razão.
No aviso prévio do ilustre Deputado Sr. Dr. Cancella de Abreu, a quem felicito pela sua oportunidade e pela tenaz perseverança com que luta, há uma matéria, a constante da alínea F), sobre a qual me quero deter para apreciação, embora sumária.
Sabido como é que o Código da Estrada adopta o princípio da responsabilidade civil objectiva, maior interesse e actualidade incidem no tão discutido problema da obrigatoriedade de transferência da responsabilidade civil para companhias seguradoras.
Há imensa literatura onde esta questão é apreciada com brilho e objectividade. Destaco, entre nós, um trabalho do distinto advogado Dr. Luís Veiga, publicado no Arquivo Financeiro e Segurador n.º 13, e que constitui um valioso elemento de estudo, quer pela análise da legislação estrangeira, quer pelas conclusões apresentadas.
O assunto é velho nesta Câmara. Foi longamente debatido em 1936, quando surgiu em projecto de lei do então Deputado Sr. Dr. Saudade e Silva e em contraprojecto do Sr. Prof. Doutor Mário de Figueiredo. Um e outro defendiam que a responsabilidade devia ser obrigatoriamente transferida. No entanto divergiam, pois o contraprojecto preconizava a transferência parcial (4/5), enquanto o projecto falava em transferência total.
Foram vivamente atacados o projecto e o contraprojecto.
Apareceram argumentos sérios atendendo ao condicionalismo da época. Sérios mas não decisivos, mesmo naquele tempo.
Bem pelo contrário, os defensores da tese do projecto e contraprojecto aduziram razões válidas e positivas, que, afinal, o tempo se encarregou de tornar ainda mais firmes. Nessa ocasião, na Europa, apenas vigorava seguro obrigatório na Inglaterra, tendo por essa altura sido legislado também na Checoslováquia e na Jugoslávia.
Temeu-se o que seria uma inovação em Portugal, e os impressionados espíritos da época deixaram naufragar uma modificação legislativa que poria cobro à situação imoral que se vem arrastando e que consiste na impossibilidade de cobrança do quantitativo fixado na sentença condenatória, sempre que o réu não possua bens e o veículo seja de ínfimo valor.
Hoje pode afirmar-se que toda a Europa aceitou e solucionou o problema através de medidas legislativas idênticas às que foram propostas em 1936 na Assembleia Nacional.
Ora da oposição levantada à tese da transferência obrigatória da responsabilidade civil creio que um só argumento conserva relativo valor: possibilidade de aumento do número de acidentes, visto que os condutores «descansam mais» por terem seguro, isto é, maior negligência dos condutores. Claro que o argumento não é decisivo, pois a conexão da responsabilidade criminal (e esta nunca pode ser transferida) com a responsabilidade civil é sempre o maior freio à negligência e inconsideração do condutor. Tanto é assim que bastará verificar-se este caso: um condutor sem recursos económicos conduzindo um veículo desprovido de seguro e que lhe não pertence.
Pode perguntar-se: em que é o condutor menos negligente se o veículo estiver seguro? O que ele teme é a responsabilidade criminal que lhe for imputada. Não tem bens que garantam a indemnização nem é proprietário do automóvel. Hipóteses como esta são demasiado concorrentes a partir do tempo em que os veículos passaram a ser instrumentos de trabalho. Conserva-se o valor, embora relativo, do argumento apenas nos casos em que o veículo sem seguro é conduzido pelo seu dono. E a única hipótese em que se encontra maior razão de alerta do condutor.
Todas as outras críticas formuladas à questão pode dizer-se que perderam o valor, mesmo secundário, que alguma vez tiveram.
Dificuldade para o turismo em Portugal, risco de insolvência das companhias seguradoras, excessivo recurso aos tribunais, saída de divisas para os países de origem dos seguradores, encarecimento nos transportes, possibilidade de monopólio na fixação dos prémios, foram tantos outros argumentos usados por ilustres oradores que intervieram no debate.
Subsistem hoje estas razões? Creio bem que não.
O turista em nada é afectado, pois os proprietários dos veículos procedem de países onde o seguro é obrigatório e, por isso, vêm prevenidos. Mesmo no caso de no país de origem não haver legislação nesse sentido, é extremamente improvável que alguém se aventure fora das suas fronteiras a conduzir uma viatura sem seguro. Mas, mesmo que isto acontecesse, há sempre o recurso cómodo de um contrato de seguro temporário, outorgado a cobrir o período provável da demora de viagem, elaborado no posto fronteiriço de entrada.
O risco de insolvência de companhias seguradoras é questão muito remota, mas, mesmo assim, essas empresas merecem mais crédito do que os próprios segurados.
Verifica-se, com frequência, o recurso aos tribunais, o que não quer dizer que não haja também compreensão e muitas vezes evidente boa vontade na fixação particular das indemnizações. Como profissional de advocacia posso afirmar que tenho resolvido tantos problemas de indemnizações no escritório como nos tribunais.
Não subsiste como argumento dizer-se que, sendo estrangeiras muitas companhias seguradoras, a obrigatoriedade de seguro faria carrilar para lá divisas necessárias ao País. Mas afirmava-se também que o seguro obrigatório acarretava número crescente de acidentes. Assim, a saída de dinheiro dos prémios era compensada pela entrada de indemnizações a pagar. Argumentos, aliás, contraditórios.