2040 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 81
O Sr. Carlos Alves: - Sr. Presidente: ficaria incompleta a minha última intervenção, sobre as pautas aduaneiras na bacia convencional do Zaire, se não trouxesse ao conhecimento desta Assembleia o gravíssimo problema dos transportes, Intimamente ligado ao estado de atraso em que se encontra o antigo distrito do Congo, actuais distritos de Uíge e Zaire.
Falar de transportes nesta área é o mesmo que dizer que quase tudo está por fazer. A sua rede de estradas, com excepção da estrada Engage-Carmona-Luanda, que está sendo, asfaltada, é constituída por picadas de terra batida que ligam as terras do interior entre si e estas com o litoral, picadas abertas no tempo da penetração e precariamente conservadas, onde as viaturas sofrem os piores tratos que se podem imaginar, onde é vulgar o camião de carga ficar inutilizado, ou quase inutilizado, logo ao primeiro ano de serviço.
Com tal sistema, irregular e caro, não foi possível explorar os géneros chamados pobres nem estimular o desenvolvimento de outras actividades que, para prosperarem, exigem um transporte rápido, certo e económico.
Por isso se espera com ansiedade a conclusão do caminho de ferro do Congo, pois, na imensidão do território angolano, os grandes espaços em branco, como se tem verificado, só se tornaram em fontes estáveis de produção quando foram bafejados com o silvo da locomotiva. O exemplo da região vizinha de Malanje, término da linha de Luanda, ilustra o asserto de modo convincente - uma região produtora dos tais géneros considerados pobres, como a crueira, o feijão, o milho, o tabaco, etc., que lhe deram a prosperidade de uma mediania que nunca teria atingido com o frete proibitivo do camião.
No Congo Português há produtos agrícolas, como o milho, o feijão, a mandioca, a batata, a cebola, etc., além das frutas e dos frescos, que se cultivam em pequena escala, unicamente para o consumo interno, por não haver um transporte económico que permita a sua colocação nas praças exteriores de consumo aos preços da concorrência. Há géneros de exportação, como o arroz, a ginguba, o gergelim, o óleo de palma, etc., que, pelo mesmo motivo e pelas dificuldades já apontadas, provenientes das pautas aduaneiras, estão condenados à estagnação e naturalmente à regressão, se não for vencido o actual panorama económico, fechado, sem horizontes.
A concepção antiga contemplava um caminho de ferro interno, com o respectivo porto-testa, tendo em vista a situação do Congo Belga de então, que, não dispondo de um porto de mar, olhava o nosso território como complemento do seu no tocante à saída para o mar-atlântico. Havia como que a fatalidade de um dilema, do qual não se podia fugir: ou nós construíamos um porto capaz de dar vazão ao trânsito das suas mercadorias, em volumoso crescimento, ou viriam eles construí-lo quando, por insuficiência do porto de Matadi, o problema se apresentasse com mais premência.
Assim o compreendeu o Governo da Nação, que, pelo decreto do Ministério da Marinha e Ultramar, assinado, por João Brissac das Neves Ferreira, em 12 de Julho de 1894. autorizou a contratar com o engenheiro civil Angelo da Serra Prado a construção e exploração de um caminho de ferro que, partindo da margem esquerda do Zaire, se dirija a Matamba e se prolongue até ao rio Cuango.
Era esta a linha que deveria fomentar as riquezas do Congo Português e resolver ao mesmo tempo o problema portuário do território vizinho. Em 1890 os belgas iniciaram a construção do caminho de ferro de Léopoldville, que atingiu Matadi em 1912. Asseguraram-se rapidamente de um porto de certo vulto no único local onde o poderiam construir, no limite com a nossa fronteira, próximo do porto de Noqui.
Arrebataram-nos num momento o movimento comercial e uma grande parte da nossa influência, ponto de partida de uma situação de desvantagem que o tempo havia de acentuar e chegar aos dias de hoje agravada enormemente com a nossa política de inacção, 27 anos depois da Convenção de Berlim, de 1855, que depôs nas mãos do rei Alberto a administração do Estado Independente do Congo, os belgas chegaram à nossa fronteira com o seu caminho du ferro de Léopoldville a Matadi.
Do nosso lado pouco se andou. Iniciou-se nos últimos tempos a construção, mas não se definiu ainda qual o rumo a dar ao caminho de ferro dito do Congo. Não se sabe qual o seu destino; se ficará como simples linha de penetração, para benefício do porto de Luanda, ou se avançará em direcção ao norte, para ligação com um porto no Zaire.
Em seguimento da concepção antiga, que andava ligada a um porto no grande rio, o alto comissário de Angola, general Norton de Matos, em 1920-1921, mandou estudar um caminho de ferro que deveria partir do Bembe e ter o seu porto-testa no rio Zaire. Reconhecia-se, assim, a necessidade de um porto próprio, tomando-se como base o aproveitamento do cobre do Bembe para o movimento inicial.
No relatório do coronel de engenharia Lopes Gaivão, publicado no Boletim da Agência-Geral do Ultramar, vê-se que o local escolhido para o referido porto foi o de Quinvica, a 8 milhas de Santo António do Zaire, próximo de Porto Rico, onde «porto e cidade podem casar-se no mesmo objectivo» e que, «gozando de clima marítimo, se tornaria uma cidade francamente habitável».
Não se sabe que destino tiveram esses estudos, que continham em princípio a solução do problema da ocupação económica do território congolense. No I Plano de Fomento de 1955-1959 aparece a construção do caminho de ferro do Congo, não como a implantação de um plano convenientemente estudado e concluído, mas com uma certa «indeterminação, perfeitamente explicável, por não estarem ainda amadurecidos os estudos prévios», como diz o engenheiro José Manuel de Almeida Fernandes numa separata da Gazeta dos Caminhos de Ferro, intitulada «Algumas Anotações ao Plano de Fomento de Angola».
Diz-se nesse trabalho que, «na conferência que se realizou no Secretariado Nacional da Informação, o Subsecretário do Ultramar, ao referir-se a este caminho de ferro acentuou as dificuldades do traçado e declarou que nos seis anos abrangidos pelo Plano de Fomento se vão construir 150 km de via, acrescentando que depois se definiria qual o traçado mais conveniente para a construção da linha».
33 anos, haviam decorrido sobre os estudos mandados fazer pelo alto comissário de Angola e nada se havia decidido de concreto sobre o rumo definitivo do caminho de ferro. E, quando se iniciou a construção, tomou-se como ponto de partida o porto de Luanda, mas sem saber-se ainda qual a direcção que deveria seguir.
Os 150 km previstos no I Plano de Fomento não foram construídos. Tudo quanto se fez não passou de terraplanagens de Luanda a Lifuni, numa extensão aproximada de 90 km, e o território imenso do antigo distrito do Congo não tem ainda a ferrovia de que tanto necessita para a fixação das actividades capazes de fomentarem um povoamento progressivo, como se observa nas. linhas da Luanda-Malanje, Lobito-Teixeira de Sousa e Moçâmedes-Sá da Bandeira.