8 DE FEVEREIRO DE 1963 2045
A lei escrita é um processo de disciplina geral e de ascensão solidária. Contra ela se levanta a inércia, a brandura de nossos costumes e o alheamento funcional.
Deixo aos outros Srs. Deputados reclamar medidas eficazes, reformas de estrutura e alterações de normas e instituições.
Por mim reclamo apenas que se cumpra a lei e que, aqueles a quem incumbe a sua execução a façam cumprir.
Há muitas tragédias nas nossas estradas que poderiam ser eliminadas.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Augusto Simões: - Sr. Presidente: uma vez mais o Sr. Deputado Cancella de Abreu aqui deixou magistralmente tratado o grande mundo dos problemas relacionados com os acidentes de trânsito rodoviário no aviso prévio que acabou de efectivar, com a notável eficiência que é seu timbre.
De novo se equacionaram as graves facetas destes temíveis flagelos da hora presente, deixando-se perfeitamente definidas as suas tremendas implicações. No seu notável trabalho, o Sr. Deputado Cancella de Abreu, que tanto tem honrado esta tribuna ao longo da sua operosa vida parlamentar, deixa renovada a expressão dos muitos apelos que esta Câmara, sempre com prazer, lhe tem ouvido e reafirmado o seu grande poder de crítica construtiva, porque inteiramente dirigida a servir o mais puro interesse nacional.
Honra lhe seja, e praza a Deus que as suas palavras e os seus votos encontrem a audiência que tanto merecem por banda daqueles que têm obrigação de os ouvir.
Sr. Presidente: vão decorridos quase seis anos depois que, em Maio de 1957, o Sr. Deputado Cancella de Abreu aqui efectivou o seu último aviso prévio sobre os acidentes da viação rodoviária, apontando os defeitos de sistema então vigente e propondo um certo número de apropriadas correcções, com que esta Câmara inteiramente concordou.
Definiram-se e pediram-se melhores e mais eficientes processos de prevenção e repressão dos acidentes de trânsito, cujo ritmo, já nessa altura, era verdadeiramente impressionante.
Tive o gosto de poder deixar aqui o meu depoimento, no qual, com modéstia, mas objectivamente, encarei alguns aspectos essenciais desses fenómenos, analisando-lhes determinadas causas.
Volvidos anos, sou forçado a reconhecer, e faço-o com muita mágoa, que muitas dessas causas permanecem e actuam com a mesma intensidade, porque não foram devidamente corrigidas.
Muitos dos vícios e defeitos do sistema de então continuam hoje a produzir os mesmos males, porque os pequenos retoques que esse sistema experimentou têm sido manifestamente insuficientes, dada a estreiteza dos critérios adoptados. E é bem pena que assim tenha sucedido.
Daqui que os acidentes de trânsito não tenham decrescido, como tanto se desejava, mas aumentado progressivamente, pois, cotados por 17 562 em fins de 1957, já atingiam no término do ano de 1961, último ano considerado nas estatísticas do Ministério das Comunicações, o número de 20 758, com cerca de 18 000 vítimas, entre as quais 740 mortos e 5300 feridos gravemente. Se a estes números fizermos acrescer os do avultado número de viaturas inutilizadas ou danificadas e os dos restantes valores perdidos, encontraremos importâncias de altíssima expressão, que muito pesam na economia nacional.
Sei, Sr. Presidente, que os acidentes desta natureza, porque fazem parte da própria estrutura da vida, não podem ser completamente evitados, mas sei também que eles, a despeito dessa característica, consentem, mesmo assim, apropriados regimes de prevenção e de repressão.
Consabido que tais acidentes são devidos mais aos defeitos das pessoas do que das coisas, importa encarar, ainda que ligeiramente, cada uma destas actuações.
Quando se considera a primeira, a actuação pessoal, desde logo se torna evidente que ela tem na sua base e suscita os grandes problemas da educação, como muito bem frisou o Sr. Deputado avisante.
Na verdade, o trânsito nas vias públicas, para poder desenvolver-se normalmente, pressupõe que as pessoas nele interessadas - condutores, peões e restantes utentes dessas vias -, além de conhecerem as principais regras que o disciplinam, também possuem determinado grau de educação cívica, para bem as compreenderem e saberem executar.
Não basta, por isso, criar todo um sistema legislativo cheio de normas mais ou menos claras; é imperiosamente necessário tornar conhecidas essas normas e fomentar nas pessoas a quem elas se dirigem o espírito do seu conveniente e ajustado entendimento.
Processa-se a vida dos nossos dias em ritmo cada vez mais acelerado. A velocidade entrou, assim, no clima do quotidiano como um dos seus elementos constitutivos. Já ninguém se sujeita aos vagares da liteira ou das diligências da era romântica, nesta era atómica em que a unidade de andamento de uma hora já atingiu nos espaços siderais as dezenas de milhares de quilómetros e na própria terra mais de duas centenas!
Pelas naturais exigências de tal aceleração, as viaturas são também cada vez mais velozes; tudo evoluiu portanto no sentido da rapidez. Sendo assim, também os métodos educacionais se não podem manter dentro dos padrões de antanho, em que as limitadas exigências do trânsito consentiam todos os procedimentos e todas as ignorâncias.
Hoje, bem ao contrário, todos e cada um têm de saber e conhecer os seus direitos e os alheios, as obrigações próprias e as de outrem, pára que, em dado momento, seja adoptado o procedimento mais conveniente à salvaguarda das vidas e das fazendas, sem arrogâncias intoleráveis nem claudicações deprimentes.
Ora isto só se poderá conseguir com uma adequada formação educativa, que deve começar pelo princípio.
Têm sido notáveis as várias campanhas que neste sentido educacional vêm sendo levadas a efeito pela imprensa, pela rádio e pela televisão, de suas iniciativas próprias ou colaborando com determinados organismos e companhias e até com os serviços oficiais da especialidade. São muito de louvar todas estas patrióticas iniciativas, cujos resultados atestam a sua saliente utilidade social, política c económica, mas, tendo todas essas campanhas, como têm, um cunho de manifesta eventualidade, não podem levar à plenitude dos resultados que é mister obter.
Para tanto, haverá do começar-se pelo princípio o estruturar todo o sistema educativo por forma a que possa funcionar permanentemente e com a mais alta eficiência. Entendo assim, com o Sr. Deputado Cancella de Abreu, que a aprendizagem das normas de trânsito deve começar na escola primária, com u indicação dos primeiros rudimentos das obrigações e direitos de cada um. Esse ensino deverá depois desenvolver-se nos liceus, nos colégios e em todos os sectores onde seja ministrada a instrução. Mas também à, organização corporativa pertence uma parte muito importante nesta grande campanha nacional.