O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

11 DE FEVEREIRO DE 1963 2099

Mas julgo bastarem os exemplos do meu distrito para que aqui fiquem assinaladas e definidas as nefastas consequências dos seus actos.
Ponta Delgada é um distrito com cerca de 900 km de superfície, que fica no meio do mar, dividido em duas ilhas, à distância de 800 milhas de Lisboa.
Ali vivem 185 000 habitantes, que teriam os mesmos problemas dos seus irmãos do continente se outros, inerentes ao seu condicionalismo geográfico e social, os não sobrecarregassem de maiores dificuldades e canseiras.
Todos estes factores desfavoráveis, que a proibição legal da exportação de certos produtos para o continente e a existência de taxas e impostos alfandegários especiais mais acentuam, parece que deviam merecer de todos quantos interferem na política o na administração pública redobrada atenção e carinho.
Vejamos, porém, como as coisas se passam naquelas paragens:
Em Santa Maria, onde existe um grande aeroporto, como dádiva benfazeja da última guerra (agora, infelizmente, pouco frequentado), não há um porto de abrigo que permita o tráfego marítimo, mesmo de simples cabotagem, em dias de mau tempo.
Sempre que estes dias coincidem com a chegada dos barcos - e o caso é frequente - os 13 500 habitantes da ilha ficam privados, por semanas ou por meses, da prática de qualquer comércio.
Daí prejuízos consideráveis, a atrasarem, constantemente, o seu progresso.
O caso foi já estudado, superiormente, com o desenvolvimento e o cuidado das coisas que se não desejam perdidas para sempre, mas até agora nem um eco de esperança soou para aquela gente ...
Em S. Miguel, onde mais de metade da população dos Açores vive em febril actividade para poder prover à subsistência de mais de 300 pessoas por cada quilómetro de terra arroteada, os problemas não se limitam ao porto que já possui, nem ao aeroporto que agora lhe foi assegurado, depois de longa expectativa de mais de quinze anos.
Sendo estes elementos, sem dúvida, peças essenciais à sua vida económica, eles não podem, todavia, garantir por si sós o equilíbrio social deste verdadeiro formigueiro humano.
Muitos outros problemas, ligados à terra e ao trabalho, carecem, pois, de ser ponderados para que esse equilíbrio se não rompa e assim se mantenha com boa paz aquele viveiro de gente que todos os anos aumenta na casa dos milhares.
Mais de 65 por cento da população desta ilha são constituídos por assalariados agrícolas, cujo número de dias de trabalho não vai além de 90 em cada ano.
Isto obriga, nos restantes meses, a abrir trabalhos nas estradas e nos caminhos vicinais, para que toda esta massa de mão-de-obra, não especializada, não se quede, paralisada e faminta, nos cantos das ruas.
Esta a razão por que a Junta Geral e as câmaras municipais todos os anos dirigem aflitivos apelos a S. Ex.ª o Sr. Ministro das Obras Públicas para que as comparticipações já dadas se antecipem e para que outras de novo surjam a amparar a debilidade financeira dos seus réditos. E S. Ex.ª nunca deixa de responder, com generosidade e prontidão, a estes apelos.
Pena é que a insuficiência financeira acima referida seja de tal ordem que, por vezes, nem chegue sequer para acompanhar as comparticipações solicitadas.
Este o drama dos trabalhadores rurais.
Mas ao lado destes, e em crise que agora atinge com as restrições do crédito predial e hipotecário gravíssima acuidade, há toda uma multidão de operários da construção civil que não sabem onde empregar as suas mãos.
Ponta Delgada, e muitas das vilas de S. Miguel, tem falta de habitações.
Há casas pequeníssimas, com duas ou três divisões somente, que albergam dois ou três casais rodeados de filhos, às dezenas.
Nenhum deles tem porém, dinheiro para ver convertido em realidade o maior sonho da sua vida - ter casa própria.
O fenómeno é tão evidente que um dia, na freguesia do Cabouco, só porque uma grande benemérita ofereceu o terreno para um novo bairro e o Sr. Ministro das Obras Públicas prometeu dar 5 contos por cada residência que ali se erguesse, logo 40 pobres, baseados nesse crédito, ali fizeram surgir 40 moradias antes mesmo que houvesse tempo de aprovar superiormente os seus projectos ...
Mas não são só as habitações particulares que minguam no distrito de Ponta Delgada.
Nesta cidade há falta de edifícios públicos, que clamam, de mãos postas, pelo levantamento da maldição que sobre eles paira há muitos anos.
São eles o Palácio da Justiça, a escola industrial, o liceu feminino, o estádio municipal, o pavilhão grandes-portivo, a sede dos Serviços Médico-Sociais - Federação de Caixas de Previdência e todas as outras construções que, directamente ligadas a esta Federação, à Caixa Geral de Depósitos ou aos Serviços Sociais das Forças Armadas, poderiam encher de blocos residenciais os vastos espaços ainda livres da Avenida Marginal e da Rua de D. João III.
Todas estas instituições, que são hoje, no País, as maiores detentoras do dinheiro, decidindo-se a fazer semelhantes construções prestariam um alto serviço, não só aos seus funcionários ou beneficiários, mas ainda a todos aqueles que, na crise actual, dificilmente encontram na cidade a casa e a renda mais conformes com o nível económico e social a que pertencem.
E digo que estes edifícios clamam pelo simples levantamento da maldição porque não há óbice de monta que se tenha oposto, verdadeiramente, à sua concretização.
Nenhum deles deixou de merecer, desde há muito, não só as simpatias dos sectores governamentais de que dependem, mas ainda a promessa formal do apoio financeiro de que carecem.
O primeiro até tem, desde há mais de quatro anos, depositado na Caixa Geral de Depósitos, por ordem de S. Ex.ª o Sr. Ministro da Justiça, os 4000 contos necessários para a sua execução.
Mas então, se assim é, porque ficaram perdidos no caminho?
Porque se não ergueram, um a um, todos estes edifícios que constituíam velhos sonhos da cidade?
Porque faltou a vontade aos administradores locais?
Porque escasseou, em dada altura, o dinheiro?
Porque se não encontrou terreno próprio para a sua implantação?
Não. Nada disso.
Os edifícios continuaram a girar na órbita longínqua das coisas impossíveis, porque uma força centrífuga, de grande poder, assim o quis.
E essa enorme força não foi outra coisa senão a da «empatocracia» nacional.
Ela não limitou nunca o seu raio de acção ao território metropolitano do continente. Ela galgou bem cedo o oceano e atingiu, com a maior pujança, as ilhas adjacentes.