2272 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 89
de 1898, em que - no próprio dizer do grande cabo de guerra - «eram restringidas as funções dos comissários régios».
Recordemos essas palavras que, embora distanciadas deste momento pelo longo decurso de 65 anos, continuam a revestir-se da mesma oportunidade. Disse Mouzinho, na circular que então dirigiu aos governadores de distrito da província, explicando os motivos que o haviam levado à renúncia do alto cargo que desempenhava:
A grande distância e morosidade e pouca frequência de comunicações e o pouco conhecimento e defeituosa compreensão que há na Europa das necessidades e circunstâncias mais atendíveis nos países do ultramar tornam improfícua, quando não nociva, a administração directa do Governo da metrópole nas colónias.
Desapareceram, entretanto, com os benefícios da ciência e da civilização, a «morosidade e pouca frequência de comunicações», vencidas hoje pela rapidez dos transportes aéreos, mas continuam infelizmente a subsistir as outras graves deficiências apontadas pelo grande comissário régio.
Na carta que nessa ocasião escreveu ao Presidente do Conselho de Ministros, cujas palavras deveriam ser profundamente meditadas por todos os homens que alinham na administração ultramarina, Mouzinho disse ainda, numa crítica severa aos processos administrativos dominados pelo nocivo espírito da centralização:
Tenho dito e escrito que Moçambique só pode prosperar - mais do que isso: fugir à alheação ou à ruína - quando governada absolutamente por quem tenha largueza de atribuições, às quais corresponda, é clavo, a mais efectiva responsabilidade.
Pronunciei as palavras que acima ficaram transcritas como se desejasse, desta maneira, que a voz de Mouzinho - que sempre pôs acima de todos os interesses o interesse da Pátria - se erguesse do silêncio em que para sempre se apagou na rigidez da morte e pudesse, neste momento, ser aqui ouvida, ao lado das nossas vozes, na defesa da descentralização administrativa do ultramar português.
António Enes, que também sempre defendeu vigorosamente a descentralização administrativa e apontou com energia os prejuízos que resultavam de tão nocivo sistema, escreveu no seu famoso relatório sobre Moçambique esta frase que, na sua síntese expressiva, diz tudo quanto eu pudesse acrescentar à palidez deste meu despretensioso discurso: «... porque em Moçambique é que se há-de governar Moçambique».
Vem a presente proposta de lei à apreciação desta Câmara num momento em que acontecimentos graves preocupam a Nação. Alegra-me, pois, registar que, com a sua aprovação, será dado um grande passo em frente na satisfação de muitas aspirações do ultramar português.
Eu não faria esta afirmação se esta não fosse a verdade. Por mais de uma vez, tenho feito nesta Câmara a crítica áspera a aspectos ou situações da vida ultramarina que reputo errados. Estou, portanto, perfeitamente à vontade - e até pela independência com que sempre me apresento aqui - para quando um caso se depara, como este, em que são satisfeitas aspirações do ultramar, mostrar a face boa da questão. Não quer isto dizer que tudo ficará sanado com a aprovação da presente proposta de lei, que tudo ficará resolvido, que todas as aspirações ficarão satisfeitas. Não. Ainda há muitos passos mais a percorrer no caminho das aspirações dos povos ultramarinos. Muitos desses passos terão, sobretudo, de sei- percorridos no campo das relações económicas. Mas este não é assunto para ser hoje aqui tratado.
Por agora, tenhamos a satisfação de o dizer, vai ser dado um passo em frente na descentralização; por agora, sem que sejam também introduzidas alterações na Constituição Política da República, poucas alterações mais poderão ser feitas à Lei Orgânica. Julgo, pois, que pouco será possível acrescentar ou alterar à proposta de lei. O papel do Deputado do ultramar deverá ser, portanto, defender essa proposta, sobretudo contra a opinião dos que se batem por uma nula integração administrativa, que seria a ruína e a paralisação de toda a vida ultramarina.
O caminho que conduzirá o ultramar a uma estrada luminosa de progresso, sem peias, delongas, morosidades, que impeçam o seu desenvolvimento, é o de uma verdadeira descentralização administrativa, não só da metrópole em relação às suas províncias ultramarinas, como também nas próprias províncias dos centros mais desenvolvidos em relação, aos de menor desenvolvimento.
Esta é a essência que ressalta da proposta de lei, proposta que importa, pois, defender como um grande passo dado no sentido de uma maior descentralização administrativa do ultramar português.
Diz-se no relatório que precede a proposta de lei que as disposições nela introduzidas «modificam substancialmente o regime actual».
Assim é, com efeito, embora à primeira vista pareça para o observador menos cauteloso que as modificações não são importantes.
A representação do ultramar no Conselho Ultramarino; a autorização concedida aos governadores para efectuarem transferências de verbas e aberturas de créditos; a nova competência e composição que se dá aos conselhos legislativos, em que todos os seus membros passam a ser eleitos, apenas com excepção de dois vogais natos, os procuradores da República e os directores dos serviços de Fazenda; a criação dos Conselhos Económicos e Sociais nas províncias de governo-geral; as juntas distritais, que deverão ser de natureza electiva, como pediram os delegados de Angola e Moçambique à reunião extraordinária do Conselho Ultramarino; a faculdade da livre elaboração e aprovação dos orçamentos provinciais; a ampliação dos quadros privativos das províncias; a criação das secretarias provinciais, permitindo-se-lhes uma orgânica especializada que em muito poderá contribuir para o rápido andamento dos assuntos e para o acerto das decisões a tomar - são tudo alterações introduzidas na proposta de lei que estamos apreciando, as quais poderão modificar consideràvelmente o panorama administrativo das províncias ultramarinas, com benéfico reflexo no seu desenvolvimento.
Detenhamo-nos um momento no preceito que eleva a categoria dos funcionários que, de futuro, passarão a pertencer aos quadros privativos das províncias. Trata-se de medida de profundas repercussões na fixação e no enraizamento das populações no ultramar. Penso que se poderia ter ido um pouco mais longe na disposição agora tomada, incluindo-se no preceito legislado funcionários de mais elevada categoria, pois tudo o que neste sentido se fizer contribuirá para uma maior fixação demográfica e até para um melhor desempenho dos serviços públicos.
Outro aspecto da proposta que merece relevo especial é o que se refere à nova competência e composição dos Conselhos Legislativos. Com efeito, Conselhos Legislativos donde tenham desaparecido as altas percentagens de funcionários públicos que hoje neles existem, com representação adequada de todos os distritos das províncias, em número e em pessoas que conheçam os problemas, que os levantem e os agitem, que os discutam e os es-