5 DE ABRIL DE 1963 2275
O Orador: - Nunca aceitaríamos uma autodeterminação cujo conceito envolve em si mesmo a negação da unidade nacional pela aceitação implícita de uma soberania redutível e fraccionável.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Uma autodeterminação que, não traduzindo qualquer movimento interno, cristaliza a cobiça desenfreada de abutres carniceiros a farejarem do exterior; uma autodeterminação que, dado o confuso condicionalismo internacional, seria antes uma babilónica heterodeterminação, um ambicionado trampolim que guindaria ao Poder intrusos flibusteiros sugadores de sangue e do património alheios.
Nem tão-pouco aceitaríamos uma associação padronizada pelo figurino inglês, em que as diversas parcelas foram átomos de um utilitarismo económico; uma associação em que uns governam e outros governam-se; em que uns exploram e outros são explorados.
Nem de igual modo conquistaria o nosso assentimento um sistema de autonomia interna que pudesse camuflar desígnios inconfessáveis, permitindo a perseguição do branco e a inferiorização do negro para dar lugar ao neo-colonialismo das grandes plutocracias e poderosos monopólios em que poucos comem e muitos são comidos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Votaremos uma integração que corresponda ao entrelaçar de sentimentos, a uma comunhão de interesses, à mais ampla fraternidade humana e cristã; uma integração em que todos se sintam irmãos em redor do pátrio lar, usufruam da igualdade de direitos na comunidade política e, contentes, se aqueçam ao sol da mesma soberania.
Sr. Presidente: só a integração delineada no texto constitucional serve os supremos interesses nacionais e corresponde à linha de rumo da nossa tradição colonizadora.
Enquanto os ingleses e franceses desenvolveram uma colonização do tipo utilitário; enquanto, nos tempos hodiernos, os americanos se mostram pregoeiros de um neo-colonialismo económico; enquanto o neocolonialismo russo tenta dominar o Mundo, criando vastas zonas de influência política e ideológica; Portugal, enfeitiçado pelo sortilégio do desconhecido, lançando-se aos mares, tendo por companheiras as ondas e a luz das estrelas, demarcou as suas rotas num ímpeto sublime predominantemente cristão e missionário.
Enquanto a Inglaterra, prenhe da preconceitos raciais bem patentes nos países do Commomwealth e nos povos do seu agonizante império colonial, vai outorgando a independência aos seus domínios, porque, incapaz de os integrar, se mostrou, de igual modo, impotente para os manter na injusta condição do dadores d u sangue, suor e lágrimas: enquanto a França associou povos, mantendo a individualidade político-administrativa de cada um e, não raras vezes, vincada discriminação dos grupos populacionais; enquanto os Estados Unidos, passando de colonizados a colonizadores, anexaram o Hawai e Porto Rico, compraram com a força civilizadora do dólar o Alasca e criaram a Libéria com o material humano que, por ser negro, exportaram; Portugal, alheio a distinções raciais, através dos seus sistemas de feitorias, de capitanias, de aldeamentos e de prazos, numa acomodação admirável às condições de espaço e de tempo, instruindo, evangelizando, civilizando, criou num impulso de solidariedade universal a comunidade lusíada, a que a pluralidade de raças e de continentes não entibia a alma singular que a informa.
Enquanto os Estados Unidos proclamam, pela boca de um dos seus sociólogos, que a mestiçagem é a ruína da cultura, Portugal, seguindo um método cujas virtudes o cristianismo aplaude e a ciência confirma, fez dela um poderoso baluarte da sua civilização profundamente humana.
Por isso, partindo de premissas diferentes das nossas, usando métodos diferentes e prosseguindo fins de outra natureza, não estranho que aqueles Estados não compreendam ou simulem não compreender a nossa persistência na defesa sagrada daquilo que, fazendo parte da nossa carne, do nosso sangue e do património intangível da nossa história, constitui também um dos últimos redutos da civilização ocidental.
Roídos de materialismo, não compreendem porque estamos dispostos a lutar, mas não a condescender com a usurpação, com a vilania e com a ignomínia.
Sr. Presidente: ao elaborar as alterações u Lei Orgânica do Ultramar, submetidas presentemente à esclarecida apreciação desta Câmara, bem andou o Governo ao respeitar escrupulosamente os princípios informadores da nossa administração ultramarina consignados na Constituição Política da República.
Porque as províncias do ultramar e da metrópole constituem as paredes mestras do edifício nacional é que se reafirma o princípio da mútua solidariedade entre todos os territórios, consagrado no artigo 136.º da Constituição e previsto na base II da Lei Orgânica.
Porque assumem especial relevo as características emergentes do condicionalismo geográfico, social e cultural do ultramar é que a Lei Orgânica, de harmonia com as conclusões do acórdão do Conselho Ultramarino e conforme à doutrina exarada nos artigos 134.º e 148.º da Constituição, dá maior incremento ao regime da descentralização administrativa e autonomia financeira.
Ao contrário de certas vozes, aliás respeitáveis, não vejo que o regime de descentralização administrativa e o da especialidade das leis, orientação já preconizada por Mouzinho de Albuquerque, António Enes, Aires de Orneias e outros, impliquem por si o enfraquecimento da unidade nacional.
Por isso, tanto um como outro foram consagrados nos artigos 148.º e 149." da Constituição.
Uma coisa é a descentralização administrativa e especialidade do direito e outra é a subordinação incondicional de todos os órgãos titulares do Poder à mesma e única soberania.
Neste aspecto, e para evitar possíveis confusões, convém ter presentes três momentos distintos: a descentralização, que compreende a amplitude de poderes da administração provincial; depois, a forma, como a administração central intervém na administração provincial, a que pode ser efectuada por um ou por vários ou por todos os Ministérios, problema, digno da maior reflexão o que, por agora, deixo em suspenso; por fim, a vinculação de todos os órgãos do Poder ao supremo jus imperii do Estado, pedra do fecho da unidade política nacional.
Por outro lado, parece-me que neste sector da administração pública a tarefa rnais delicada não se situa na extensão das esferas de competência, mas na escolha que se faça dos homens.
Todavia, não poderemos esquecer que o ideal a atingir será encontrar-se na evolução progressiva dos factores político-sociais a fórmula de maior reajustamento do regime do ultramar ao regime geral da administração pública.
O pensamento vazado no artigo 134.º da Constituição prescreve que «a organização político-administrativa deverá tender para a integração no regime geral da administração dos outros territórios nacionais».