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2356 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 93

o mesmo espírito autonomista. E, às populações nativas do ultramar, são prejudiciais à. necessidade e desejo de se realizarem.

O projecto em discussão tomou aspecto de excepcional transcendência, considerado o momento que atravessamos; tão excepcional que, como já disse, dará lugar na história os Srs. Deputados nesta legislatura. Por mim, só ingressarei com voz discordante, por espírito de coerência e de fidelidade à unidade política da Nação e de lealdade aos nativos e colonos autênticos de Angola - aqueles colonos com raízes firmadas na terra, e não com tentáculos sugadores.

Desprezador de meias soluções ou de soluções de emergência - que fecham os olhos aos factos evidentes - e desprendido dos interesses materiais, só parto de realidades morais e espirituais com vista a consolidar para o futuro a unidade nacional na diversidade das etnias e terras que constituem a Nação.

Sr. Presidente: até meados do século XIX ainda se fez colonização, no bom sentido do termo; mas não havia colonialismo. Daquela data em diante a colonização foi relegada para plano secundário, cedendo a posição cimeira ao colonialismo. Como se caracteriza o colonialismo? Tem toda a pertinência esta pergunta, ainda que pareça que não; pois, ao que tenho visto e ouvido, muita gente há que anda envolvida em assuntos ultramarinos que passa por ela como gato por brasas, mostrando ou fingindo não saber o que seja.

Todavia, é muito importante defini-la de modo bastante sucinto, para que fora deste hemiciclo se saiba que todos nós sabemos distinguir política colonialista da política de estado-nação. Talvez dê bom resultado.

Ora, como se caracteriza o colonialismo? Pela evidente diferenciação de leis e regimes especiais da metrópole e dos territórios que não lhe são contíguos, tornando acentuadamente diferentes as vidas e diversos os comportamentos das pessoas, em relação à metrópole, com vantagens dos colonos e funcionários sobre as populações autóctones.

Para regular as relações destes aglomerados ultramarinos (não sociedades) são elaboradas leis especiais: um estatuto para os colonos, outro para os funcionários e outro ainda para os autóctones.

As leis multiplicam-se à maneira que o aglomerado aumenta e progride. Ele tenderá ou não para uma unidade social, segundo a direcção e grau de incidência das leis. O órgão central de regulação e comando fixa-se na metrópole. E nesse órgão ou departamento que tudo se concentra e é dele que tudo parte.

A única ligação com o mundo metropolitano é esse departamento.

Concretizando: se se estabelece um regime de mão-de-obra que é inexistente na metrópole, faz-se colonialismo; se se concedem isenções, privilégios, terras, etc., com base em sistemas diferentes dos da metrópole ou que nela não existem, faz-se colonialismo; se se concedem ou reconhecem aos funcionários direitos e regalias que os da metrópole não têm, faz-se colonialismo; se os quadros de funcionalismo do departamento central e da colónia são diferentes e incomunicáveis, faz-se colonialismo; se a colónia tem um órgão legislativo e a metrópole tem outro, faz-se colonialismo; se se instituem regimes de governo e de administração diferentes dos da metrópole, faz-se colonialismo; se são diferentes os regimes tributários, faz-se colonialismo; se a massa obreira autóctone é excluída das organizações operárias dos colonos, faz-se colonialismo; se se cria um corpo de funcionários administrativos com o objectivo de manter o funcionamento eficiente do sistema, faz-se colonialismo; se ao órgão legislativo da metrópole for vedada a iniciativa das leis para a colónia, faz-se colonialismo; se a outros órgãos oficiais e de governo, estranhos ao departamento central, for vedado interferir na vida política e administrativa da colónia, faz-se colonialismo; se, sistematicamente, se faz por desconhecer a existência, na colónia, de valores culturais, técnicos e profissionais para colaborarem na política e administração da colónia, faz-se colonialismo; se as terras que constituem o espaço territorial da colónia, embora na maior extensão despovoadas e incultas, tinham donos e o Estado chamou a si a propriedade dessas terras e as concede a outros, faz-se colonialismo.

Como conservar a colónia sem colonialismo? Basta ir buscar as soluções à integração, que é o seu único diluente conhecido e que não fere a unidade nacional.

Descentralização e autonomia, conjugadas, não conseguirão dar origem a uma sociedade devidamente hierarquizada nos seus valores morais, espirituais, culturais e profissionais, porque o sistema se presta a conservação e desenvolvimento de uma sociedade fictícia que patenteia inversões de toda a ordem, na sua contínua mobilidade como as areias do deserto.

Este tipo de sociedades é exclusivo do colonialismo. Não nos molesta que, em meia dúzia de anos, faça fortuna quem quer que vá para o ultramar tentar a sua sorte.

A conquista de melhores posições e de bem-estar é legítimo imperativo da vida; as leis, e muito especialmente os seus agentes, é que deverão opor-se a que tais conquistas sejam possíveis por meios aparentemente lícitos.

O que nos choca e perturba é que tal facto, que pode ser multiplicado por um número altamente expressivo, dê motivo à subversão de valores e inversão de posições numa sociedade em que muitos dos aptos, vivem à margem dessa sociedade colonial. Aqui, na metrópole, nada disso acontece. E se acontece lá é pura consequência do colonialismo.

Descentralização, sim. Muita e da boa, no melhor sentido. Mas uma descentralização que possa ser fiscalizada pelos próprios governados, sem receio de represálias nas suas pessoas e até nos seus bens. Uma descentralização sem a faculdade de feitura das leis especiais e sem possibilidade de prática de actos discriminatórios e sujeita a vigilância e controle directo.

Uma descentralização desintegrada da vida geral da Nação e integrada, aparentemente, num arremedo de estado ultramarino português, comandado por um departamento central estanque, corresponde a uma desintegração potencial, porque vejo e sinto que o material tenta alcançar vitória sobre o moral e espiritual, com incalculáveis prejuízos para a Nação e perigosa divisão da família portuguesa. Quem sofre as consequências - boas ou más - da administração ultramarina não são os componentes da equipa aparentemente especializada, que teorizam no departamento central, são, exclusivamente, aqueles que vivem nos territórios ultramarinos.

Então que sejam eles a exercitar as actividades locais, sob o olhar fraterno e amigo do Governo Central, para que não tenham de atribuir à acção de outros os males de que venham a sofrer. Isto é impossível quando a lei é de tendência colonialista.

Por isso é que se nos deparam, com frequência, receios e perigos por isto e por aquilo ao pretender-se abordar o problema de alargamento à colónia de mais liberdades políticas e administrativas.

O sistema não admite enxertos que não sejam do mesmo tipo. Isto é o mesmo que se observa com certos líquidos que não são miscíveis entre si.