19 DE ABRIL DE 1963 2359
E na especialidade das leis só fala quem não sabe ao que isso pode prestar-se na prática. Tenho alguns bons exemplos, que não refiro, quanto a Angola, porque tenho muito respeito pelos seus autores e devo pensar que foram vítimas inconscientes da sua boa - fé.
Com isto não queremos condenar a especialidade das leis: pode haver leis especialmente aplicáveis a qualquer província ultramarina, mas sempre para atender a situações peculiares e sempre emanadas do único órgão competente para legislar, que é a Assembleia Nacional.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O Orador: - Não encontro também explicação para que os governadores-gerais não sejam obrigados a prestar contas de seu governo à Nação. E devia ser aqui, na Assembleia Nacional, perante, os Deputados e o Governo, com especial relevo para os Deputados da respectiva província, que deveriam prestá-las. Seria altamente salutar, esta regrazinha tão simples. Muita coisa não teria acontecido
Se em tudo quanto venho sugerindo alguém vislumbra riscos possíveis, corra-se, de entre todos, o menor, que será o melhor, pois não acreditamos que nesta emergência é possível salvar dedos e anéis.
Os que persistem em tal ideia, esses, só provam a sua ignorância do problema e com ela provocarão a perda não só dos anéis mas também a dos dedos, irremediavelmente. Mas se não é por ignorância do problema, então é porque estão apenas preocupados na defesa de atitudes pessoais ou de posições materiais de que a Nação não compartilha.
E nós pensamos que é dever do Estado salvar os dedos, os dedos de muitos milhões de portugueses que não têm anéis e precisam de viver, e os de outros muitos milhares que por lá se sacrificam velando, pela constância e integridade da soberania nacional, e deixar que se percam alguns anéis - porque os dedos daqueles são capazes de fazer, mais do que outros anéis que sempre fizeram para tão mal figurarem em dedos alheios, um diadema de refulgente glória com que esta «ditosa Pátria» pode cobrir-se e deslumbrar o Mundo, principalmente aquele Mundo que hoje tenta diminuir-nos.
Eis porque, Sr. Presidente e Srs. Deputados, fiel à minha formação e posição já assumida, não posso apoiar o projecto nem as alterações sugeridas pela muito digna Câmara Corporativa, se bem que concorde com algumas das suas sugestões que abrem as portas à política de integração.
No entanto, em consciência, entendi que não devia quedar-me numa atitude meramente negativa, pois não é esta a minha posição.
Não estar de acordo com certa medida ou determinada intenção do Governo não significa estar em oposição ao Governo. Por isso, tenho a oferecer sugestões e vou tentar apresentar uma solução construtiva.
Como já tive oportunidade de afirmar algures, nos momentos heróicos apenas soluções heróicas devem ser tomadas. Bem sabemos que é mais fácil e cómodo preparar um remendo e aplicá-lo em obra já feita e usada do que fazer uma obra totalmente nova, mais adequada ao momento que passa e visando decisivamente os sectores mais em evidência na alteração da ordem.
Resta ponderar se a facilidade e comodidade trazem consigo as garantias de segurança colectiva de boa estruração sócio-económica, de promoção e justiça social e de, tanto quanto o consinta a capacidade humana de prever e prevenir, a perpetuação, no tempo, da soberania nacional.
Nós pensamos que é fraco o projectado remendo para assegurar tão fortes condicionalismos básicos, levando-nos este nosso juízo a vaticinar que, mais dia menos dia, se romperá pelas costuras, sob a forte pressão dos factos e circunstâncias a que ele próprio há-de dar origem.
Assim, pensamos não ser possível dar novo rumo à política ultramarina sem que comecemos pela base pela Constituição Política da Nação. É neste estatuto que julgamos deverem ficar inscritos todos os preceitos fundamentais que hão-de regular a vida política, social, económica e administrativa do ultramar, como partes constitutivas do todo, que é a Nação, e não como acessório territorial, como domínio colonial, conforme inculcam e defendem uns quantos, cuja mentalidade considera o ultramar apenas pelos interesses materiais, que são os únicos que vêem e pesam nas suas opiniões.
As disposições por tal modo inscritas na Constituição seriam então regulamentadas por decreto com aplicação a todo o ultramar português. Não mais haveria cartas nem leis orgânicas, que, por melhor elaboradas que sejam, são sempre documentos confirmadores da existência de uma situação colonial.
E por mais habilmente que se apresente urdido e ordenado o seu articulado, é sempre um documento incompleto, porque não trata as populações nativas em plano igual aos dos colonos, com os quais se esgota na definição das suas relações com a metrópole.
Não nos parece difícil chegar a este desiderato. O que se torna difícil é sacudir do espírito ideias e hábitos velhos e pensar, de maneira nova, coisas novas, com apoio nas experiências passadas e recentes.
Esta solução implicaria sensível atraso na resolução do problema ultramarino; mas não nos parece que esse atraso seja prejudicial, pois, ao contrário, seria altamente vantajoso: permitiria substituir um projecto destinado a ter a vida efémera, por um diploma com mais fortes vincos de definitivo; não sujeitaria o Governo à contingência de, em curto prazo, ter de rever novamente a situação ultramarina (já ouvimos falar em sete meses), com a agravante de não vislumbrar, sequer, até quando terá de manter a Nação em armas.
E as armas já cumpriram esplendorosamente o seu dever. Resta criar as condições que determinem as populações nativas conscientes a aderirem espontaneamente à única política viável que nos faça acreditar no rápido advento de uma paz firme no ultramar e na certeza de integridade da unidade nacional.
Entretanto, a comissão eventual que está procedendo ao estudo do projecto do Governo continuaria os seus trabalhos, enquanto uma comissão parlamentar especial, secretariada por um funcionário ultramarino, iria realizar uma prospecção político-social às nossas duas maiores províncias de África, apresentando o seu relatório à comissão eventual, tudo no prazo de três meses.
A prospecção político-social visaria essencialmente: conhecer, de um modo geral, o estado de espírito das populações; inteirar-se das diferentes correntes de opinião; ouvir os sectores da população nativa mais evoluída e também os da menos evoluída, conhecendo os seus queixumes e desejos; efectuar um balanço geral da situação sócio- económica dos agregados populacionais; procurar conhecer como as diferentes correntes de opinião são veiculadas e os meios por que exercem a sua influência; formular, com base nos dados escolhidos, uma opinião, tanto quanto possível exacta, da situação política e do seu sentido predominante.
Cremos que será mais útil manter por mais oito ou dez meses a Nação em expectativa do que dar-lhe já um documento que de antemão sabemos não vai agradar a gregos nem a troianos.