19 DE ABRIL DE 1963 2357
Portanto, os perigos estão no próprio sistema, e não nos homens, que, quando muito, se vêem transformados em agentes desse perigo, por força das inibições que provoca. Julgo ter-me feito compreender. Assim venho falando, às vezes um tanto aberto e menos atento à discrição, para não obscurecer a expressão.
Sr. Presidente: o nosso problema de África é mais de natureza social, de relações humanas, do que problema político. E derivado da agitação provocada por determinados sectores das populações autóctones para emergirem da situação marginal para que foram arremessados por um sistema de administração ultramarina constituído contra a nossa mais pura tradição e pela própria sociedade a que ele deu origem e que, por ironia das coisas, assenta numa organização económica que tenta manter-se e subsistir apoiada nessas mesmas populações.
A responsabilidade de ter sido transformado em problema político cabe, absolutamente, a todos quantos pretendem disfarçar o verdadeiro sentido das inquietações humanas na África Portuguesa para não perderem posições ou não deixarem de ganhar menos.
Isto, por um lado, acrescido, por outro lado, da mistificação de factos intencionalmente feita para encobrir erros e desvios. E, quando se parte de dados errados, fatalmente que a solução achada há-de ser inadequada, infrutífera e, provavelmente, de resultados contrários aos ambicionados.
Fala-se muito em que, se soubermos manter-nos coesos, sairemos airosamente desta provação. Também eu creio firmemente nisso. Mas seja-me permitida a pergunta: será certo que, votando nós o projecto de alterações à Lei Orgânica do Ultramar, vamos contribuir para o fortalecimento dessa coesão que todos desejamos? Mas eu só vejo nele inscritas disposições que só servirão para cavar a desunião.
Não podemos tirar conclusão diferente se atentarmos no processo de constituição dos conselhos legislativos. Querem melhor fonte de desunião? Podem responder-me que os estatutos político-administrativos definirão o sistema de recrutamento em termos de prevenirem agitações muito próprias dos períodos eleitorais. Receio que, com carga que está reservada aos estatutos privativos de cada província, eles não se aguentem no jogo de tantos interesses.
Há princípios que deviam ficar expressos, definidos na própria Lei Orgânica, para que os estatutos privativos os traduzam ou interpretem fielmente na pormenorização, visto que as formas vagas se prestam a várias interpretações, de que pode ser escolhida a menos conveniente aos interesses do País e da província, muito embora nos dê aparência de coisa diferente.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Mas o que se torna essencialmente necessário às populações do ultramar é um regimento ou regulamento que defina o comportamento dos indivíduos entre si, os seus direitos e deveres dentro da organização social e as competências dos agentes do Poder em todos os graus.
Impõe-se restabelecer, notem bem, restabelecer, porque já tivemos essas regras, com se pode depreender da leitura que fiz daquele texto de 1739, aquilo a que se pode chamar a funcionalidade recíproca entre a evolução da mentalidade do homem negro e o comportamento do homem branco na busca de condições de vida e relações sociais.
Qualquer oscilação que conduza a um acentuado desequilíbrio resulta em consequências catastróficas, como já ficou exuberantemente provado. E é por completo desconhecimento desta regra fundamental do convívio social em África que, no passado, foi a fonte viva donde brotava a força e progresso daquelas incipientes sociedades e que inspirava os governantes nas providências de interesse local, que continua de pé esta pergunta, ainda hoje sem resposta: qual a razão por que, quanto mais aumenta o número de imigrantes em Angola, mais se agravam as relações entre nativos e metropolitanos e as condições de vida daqueles? E de muito alta importância uma conscienciosa meditação sobre este facto.
Não podemos desprezar, ou ter como acidente sem importância, a profunda brecha que se abriu entre a consciência do homem negro e os factos concretos que informam as condições da sua existência.
Não podemos fugir à interpretação viva da realidade social de Angola, sem juízos preconcebidos para atingir conclusões falsas, muito agradáveis embora aos espíritos que gravitam nas órbitas de vários materialismos. todos, mas todos, à margem dos interesses morais e espirituais da Nação.
As classes nativas do ultramar, que estão na base de todas as riquezas ali amealhadas, anseiam por quem autorizadamente fale pela Nação e lhes anuncie o termo da situação desigual em que têm vivido e restabeleça, com a solene garantia da lei, o primado da justiça social. Essa justiça social só a integração a pode dar, garantir e defender. E assim é que sem artifícios se fortalece a unidade nacional.
Isto é fundamental, em vista de não ser uniforme a composição étnica da sociedade no ultramar.
Tal regulamento ou regimento de que falei deve ser exclusivamente tirado dos princípios contidos na Constituição, que deve abranger também todo o ultramar, que é igualmente Nação Portuguesa, e não como tem sucedido e continua sucedendo - que seja a Lei Orgânica uma espécie de constituição para o ultramar e o estatuto político-administrativo uma subconstituição. E assim que se promove e preserva a unidade?
Inclino-me a pensar que estamos começando pelo fim. Se, com apoio numa organização administrativa para servir uma determinada política, chegamos a uma situação indesejável, que todos deploramos, parece que a primeira providência seria procurar outro caminho ou arrepiar caminho.
E arrepiar caminho consistiria em modificar a organização administrativa e a orientação política. Mas vejo que o projecto não nos dá nenhuma certeza, nem esperança a tal respeito, excepção feita à previsão vaga de alguns serviços poderem vir a ser de âmbito nacional. Ë, como disse, uma possibilidade posta em termos vagos que permitem a não concretização, o esquecimento, tal como foi durante 30 anos esquecido o artigo 134.º da Constituição.
Por outro lado, avivam-se as possibilidades de conflito entre o governador-geral e o conselho legislativo; sujeita-se o governador-geral a ver anulada ou rectificada pelo Ministro do Ultramar uma simples transferência de verba ou abertura de crédito dentro do orçamento privativo da província, que ele e o conselho legislativo elaboram - o que é claro expediente à mão do Ministro para indicar o caminho da exoneração ao governador-geral; continua-se, agora com maiores riscos, a manter este na dualidade do exercício dos Poderes Legislativo e Executivo, não se livrando de ficar envolvido no clima das paixões que o próprio meio há-de criar e que lhe tirará, grandes possibi-