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2352 DIÁRIO DAS SESSÕES Nº 93

De toda a evidência me pareceu também que se não deve coarctar o alcance da autoridade do governador-geral, por definição de funções representante e símbolo dos poderes nacionais; a existência de um secretário-geral permanente, com funções de governo-geral eventuais, comporta o risco de obnubilar a autoridade e o prestígio do verdadeiro e imediato representante do Governo Centrai; a tendência seria perigosa - entrevê-se um governador-geral atrás da cortina na justificação, aliás aliciante, pela conveniência de se manter certa continuidade na acção governativa; e até a possibilidade de uma consequência de certo modo grave no concerto dos negócios nacionais: o desvio da orientação comum.

Prevê a proposta uma melhor audiência dos interesses e opiniões regionais na adopção de medidas de aplicação regional; e não creio que ninguém deva basear-se em receios não comprovados de irradiação de tal ou tal província na linha geral portuguesa, sempre tolerante e compreensiva, para se opor a ela.

Quanto à representação na Assembleia Nacional e Câmara Corporativa, a melhoria das condições actuais não virá senão corresponder ao que foi sempre supremo desejo dos povos: manterem-se sempre e cada vez mais solidários, activamente solidários, no pensamento nacional e nos interesses particulares das várias parcelas do conjunto.

Para mais, acima de tudo, e acima dos interesses ocasionais de um ou outro círculo europeu, não vejo que a Assembleia Nacional, como expressão de uma pátria, deva legitimamente ausentar-se da obra que nunca se acaba: fazer Portugal aqui e fazer Portugal lá, onde se diz que também é Portugal.

Ora, perante a magnitude da tarefa, receio que pouco se consiga, se a cada uma das grandes províncias do ultramar se der na Assembleia uma representação igual, ou quase, à de qualquer distrito europeu continental.

Perante estas premissas, não poderá negar-se - quanto a mim - que todos desejam maior coesão e maior amparo mútuo.

Por outro lado, mais completas serão a Câmara Corporativa e a Assembleia Nacional como expressões da nacionalidade, se nas suas decisões tiver mais peso o pensamento ultramarino.

Ninguém, ninguém do comum dos povos iria - sua aponte - renegar o que lhe nasceu nas veias, no berço, na escola, no convívio social, na labuta diária; por lá, como por aqui, parece ter bastado que um ou outro cedesse ao império de doutrinas heterogéneas de dissociação da lusitanidade, para que logo as massas populares se reunissem e dessem as mãos em face do perigo, vindo trazer às urnas a certeza de que lá, como cá, é Portugal.

Eis, Sr. Presidente, porque dou o meu voto à proposta do Governo de alterações à Lei Orgânica do Ultramar, na sua generalidade.

Tenho dito.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Lopes Roseira: - Sr. Presidente: subo a esta tribuna vergado ao peso de graves responsabilidades e de muito sérias apreensões quanto ao futuro, por ter exacta consciência do significado que assume, nesta conjuntura, a discussão e votação do projecto de alteração parcial da Lei Orgânica do Ultramar Português.

Compreendo a necessidade o conveniência de ser revista a legislação ultramarina; de reformarmos a nossa mentalidade e os conceitos que nela se enquistaram a respeito

das gentes e coisas do ultramar; de reformar procedimentos, sistemas de orientação.

Compreendo, ainda, a necessidade e conveniência de uma clara e convincente afirmação e prática de princípios conducentes à definitiva rectificação da opinião internacional, varrendo, corajosamente, do campo das discussões o argumento de que continuamos a ser uma nação colonialista - embora possamos e devamos continuar a afirmar orgulhosamente que somos uma nação colonizadora e que permaneceremos, já agora, os únicos abencerragens da colonização, do mesmo modo como fomos os primeiros. Creio não haver discrepâncias quanto a estas afirmações basilares. São pontos de partida que não podem ser desprezados, se queremos, efectivamente, empreender uma insofismável mutação, em profundidade, da nossa política ultramarina.

Dessa política que cristalizou em muitos espíritos e fez a sua escola, sem se darem conta de que ela já não serve os interesses de todos os portugueses - não serve à política geral da Nação -, incapacitada, como se tem mostrado, de produzir efeitos benéficos à multiplicação das vontades, à conservação da harmonia e ao fortalecimento da unidade que tanto desejamos entre os homens de todos os climas e latitudes onde a bandeira das quinas drapeja em radiosa afirmação de soberania, a garantir uma certeza de paz e progresso que fazem nascer, em cada coração, a consoladora e estimulante alegria de viver.

E, agora, justifico a afirmação inicial: de sentir-me dominado pelo peso de graves responsabilidades e de sérias apreensões quanto ao futuro. E que receio não estarmos em condições de corresponder àquilo que o momento de nós exige e a Nação espera. Quero dizer que duvido de que estejamos suficientemente amadurecidos para levarmos ao ultramar, numa lei fiel à nossa tradição de povo colonizador, o convencimento, a certeza num reencontro fraternalmente desinteressado e numa paz, ao menos, de armas em descanso, mas atentas.

Suponho não estarem ainda bem vistos os dados do problema e, daí, estarmos desviados dos seus aspectos originais. E não tenho dúvida de que é tão grande a responsabilidade que pesa sobre nós todos, que estou seguro de que ficaremos amarrados ao pelourinho da história, qualquer que seja a posição que tomemos no debate que decorre agora nesta Assembleia. Devo-me à Nação e, de modo particular, àquela parte da Nação que eu aqui represento.

Tenho de ser fiel à maioria, já que não posso ter a veleidade de pretender ser fiel a todos; e se o fosse, alguma coisa teria atraiçoado e não passaria de um indeciso, um calculista ou um demagogo - atitudes que repugnam à minha consciência, porque sempre reconheci no calculismo, na indecisão e na demagogia os mais abomináveis pecados em que o homem pode incorrer e os maiores adversários do progresso social.

Nem disfarces, nem camuflagem da verdade. Só assim posso ser entendido. Só assim a Nação me compreenderá.

A verdade, ao ouvir-se, causa-nos, muitas vezes, a mesma sensação que sentimos quando o enfermeiro nos espreme um furúnculo, um tumor ou nos tira do dedo um espinho: primeiro, um choque doloroso, e depois um alívio que nos dá prazer pelo bem-estar que nos restitui. Serei, pois, verdadeiro, consciente de que serei mais útil ao meu país.

Nada do que afirmar tem o propósito de visar pessoas, ofender quem quer que seja; pois a intenção que me anima é apenas a de esclarecer esta Assembleia, sem deter-me em considerações de ordem pessoal nem política, que não tenho nem vejo, muito convencido, que estou,