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19 DE ABRIL DE 1963 2353

de que os homens são quase sempre vítimas de situações que não criaram e de que não puderam subtrair-se por fraqueza de algum dos predicados morais.

Sr. Presidente: desde a instituição do regime dos altos comissários paira, em Angola, o mesmo espírito nos aspectos político-administrativo, social e económico: autonomia e descentralização, com seus fluxos e refluxos, interessando mais directamente os colonos; segregação franca ao princípio, depois mitigada por uma assimilação marginal, incidindo sobre as populações nativas.

E não esqueçamos que foi naquele período eminentemente democrático, dos altos comissários, que se deram as primeiras manifestações sérias de racismo, que nenhuma das nossas justas e humanas leis autorizava nem sancionava.

Mas, com tal prática à margem das leis, acabava de introduzir-se a hipocrisia nas relações e no comportamento, de um modo geral, entre pretos e brancos.

Sucederam-se as fórmulas e soluções políticas; mas nenhuma delas teve o mérito de levar as pessoas a modificarem a sua mentalidade.

E fica de pé a afirmação, ainda que uns tantos possam dizer, com verdade, que nunca tiveram razões de queixa. Seguíamos em plena época colonial e, mau grado para a Nação, não se colonizava - não se povoava. Cada colono, sob a protecção de organização administrativa arquitectada especialmente para eles, ia tirando, apoiado no nativo, o maior e melhor proveito.

A Lei Orgânica que em 1956 substituiu a Carta Orgânica de 1933 nada foi melhorar. Pelo contrário, contribuiu ainda mais para fazer acreditar em mais forte autonomia de sentido puramente colonial. Houve apenas a preocupação de assegurar a continuidade dos mesmos procedimentos a coberto de nova linguagem. Preterições injustas, desemprego e má distribuição de justiça nos diferendos entre pretos e brancos passaram a ser pratica corrente.

Ao findar da segunda guerra mundial deu-se um surto de imigração branca para Angola.

E o panorama que sob o aspecto social se lhes ofereceu foi este: nos maiores centros populacionais a gente de cor só ocupava os baixos misteres, pois outros lhes não ofereciam as actividades particulares, excepção feita a um ou outro guarda-livros ou empregado de escritório, que, mesmo assim, em cada terra, sobram os dedos das mãos para contá-los.

O nativo passou a ser tido como indivíduo a que não se devia consideração nem respeito.

Não vale a pena estudar, frequentar o liceu, se outros menos preparados nos tomam o lugar e, no comércio e na indústria, não temos entrada. Vamos morrer abandonados e cheios de fome na nossa terra. Isto cogitava-se nos lares de muitas famílias nativas.

O Estado lá ia dando ganha-pão a quantos podia. Mas nem os quadros do pessoal nem o orçamento eram elásticos. Estavam saturados. E aqueles que se empregavam no artesanato e em ofícios ligados a certas actividades sofriam discriminação reflectida no inferior salário.

Só aqueles que viviam com os olhos postos nos ganhos efectivos e a efectivar e os que na vida pública se regalavam com o produto dos seus vencimentos é que não se aperceberam de que alguma coisa de mau estava a fermentar.

Em conversas com pessoas categorizadas, ainda pude algumas vezes chamar a atenção para o que se estava passando. De nada valeu. Até que em Fevereiro de 1961 fomos bruscamente sacudidos do falso deslumbramento em que vivíamos. Forças estranhas fomentaram e animaram a sublevação? Ninguém o nega, e todos lamentam agora o acontecido. Mas também ninguém faz ferver a água de uma panela sem fogo. Nós juntámos a lenha. O fogo foi posto pelos de fora.

O Sr. Pinto de Mesquita: V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Tenha a bondade.

O Sr. Pinto de Mesquita: - Era só para fazer uma observação. V. Ex.ª conhece o que se passa na metrópole e, por isso, pergunto se V. Ex.ª entende que algumas das nossas remotas populações rurais estão em condições muito diversas.

O Orador: - Consta, que o mesmo sucede com elas, mas o facto não é tão grave nem tão flagrante, dado que a população da metrópole constitui um todo racialmente homogéneo.

E porque tais coisas aconteceram? Porque ninguém teve a solicitude «em aplicai- todos os meios conducentes para que ... se extinga totalmente a odiosa e abominável distinção que a ignorância ou iniquidade, de quem preferia as conveniências particulares aos interesses públicos, introduzia entre índios e brancos, fazendo entre eles quase moralmente impossível aquela união e sociedade civil tantas vezes recomendada pelas reais leis de Sua Majestade».

Era assim que se pensava e agia num tempo em que não se falava em autonomia, nem em descentralização, e não havia legislação especial emanada das províncias, sem embargo de os governadores tomarem providências locais.

Na base do progresso das sociedades ultramarinas esteve sempre a preocupação de não perturbar «aquela união e sociedade civil tantas vezes recomendada pelas reais leis de Sua Majestade», como são prova eloquentíssima as determinações contidas no capítulo 18.º do regimento dado ao governador e capitão-general do reino de Angola, João Jacques de Magalhães, e cuja observância este suscitou ao senado da Gamara de Luanda em carta de 9 de Março de 1739.

Eis o que nos diz o referido capítulo 18.º, que transcrevo com a ortografia original:

E porque sou emformado de que he de muito grande damno à ir em homeins brancos ao certão e pumbos, como mullatos e pretos de calçoins ou bastoins e para fazerem estas entradas, sevalem de vários preteistos de meu Servisse, sendo contra minhas hordeins, e de trahição aos sovas meus vassallos, pellas imjustiças que fasem nas terras poronde passão, viollentando a estes para lhes comprarem as fazendas que levão e lhes darem carregadores, e sustento para as pessoas que vão fazer, botando aperder o negico e empatando os pombeiros, comrrompendo o vro preço das fazendas e entreduzindosse Juises dos mocanos, que vem a ser Julgadores de devidas que os Sovas tenham com os outros, julgandoas pela pite que mais emterece lhes dá, Sucedendo cousas de muita importância, de que resulta o cativeyro de muitas Liberdades, Sem comsideração alguma do temor de Deos, e credito dos meus vassallos, pello que vos encomendo mito e mando que por nemhum acomtecimento comcintais, nem mandeis homeins, brancos de nenhuma qualidade a Comquista, com cargo, ordem, nem comissão alguma, nem aos Pumbos, e o mesmo fareis não comcentindo que vão lá mullatos nem negros com calssoins ou bastoins, e quando fassais o contrario o que de vos não espero será esta huma das culpas principais de vossa resi-