24 DE ABRIL DE 1963 2393
O Sr. Júlio das Neves: - Sr. Presidente: ao tomar a palavra pela primeira vez na presente sessão legislativa, desejo apresentar a V. Ex.ª o meus respeitosos cumprimentos e protestos da mais elevada consideração.
Levanto hoje a minha voz para trazer a esta Câmara o eco de uma situação que me parece injusta e pode, a manter-se, trazer ao País prejuízos incalculáveis. Refiro-me, Sr. Presidente e Srs. Deputados, à situação dos mestres, contramestres e auxiliares efectivos e provisórios do ensino técnico profissional.
Para desenvolvimento da minha exposição, referir-me-ei especialmente aos mestres e contramestres do ensino industrial e do ciclo preparatório, mas tudo quanto destes se disser poderá dizer-se dos mestres do ensino cujas actividades são menos complexas do que as de serralharia, electricidade, carpintaria, etc., mas têm tanta importância como estas no campo da formação dos alunos.
Sr. Presidente: está hoje demonstrado que na base do desenvolvimento industrial e progresso económico de um país se situa a existência de um ensino técnico eficiente e capaz de fornecer, dentro do planeamento económico, os técnicos de todos os graus de que este necessita para a sua efectivação.
Os mestres, contramestres e auxiliares desempenham hoje no ensino técnico uma função preponderante, não só na didáctica difícil do ensino ministrado nas oficinas e formação profissional, que constituem a base essencial da preparação dos alunos, como também na utilização que podem fazer do material entregue à sua guarda e do rendimento que podem tirar desse material com vista à produtividade dos investimentos do Estado neste campo de ensino.
Tem o Ministério da Educação Nacional, em íntima colaboração com o Ministério das Obras Públicas, já despendido em construções e apetrechamento de escolas técnicas, desde 1947, uma verba superior a 1 milhão de contos. Cada escola industrial média para 800 a 1000 alunos custa ao Estado cerca de 15 000 contos, dos quais cerca de 2000 contos são para apetrechamento oficina! e laboratorial.
Toda a responsabilidade de utilização deste material oficinal cabe aos mestres das oficinas, que, para além da sua função docente, na qual utilizam as horas de serviço a que por lei são obrigados - 30 e 36 horas semanais -, e podem ser auxiliados por um ou mais contramestres, conforme a frequência da respectiva oficina, ainda têm mais as seguintes funções, que muito valorizam a sua actuação: administração da oficina e sua orientação no domínio da produção útil, conservação e reparação das máquinas colocadas nas oficinas, incorrendo em responsabilidade que pode ir até à responsabilidade criminal, sempre que qualquer acidente nas mesmas possa ser atribuído a culpa sua, e conservação e reparação do restante material didáctico da escola.
Para além destas obrigações específicas e de toda a sua intervenção na função educativa, pelo contacto directo e prolongado com os alunos, necessita possuir uma alta preparação técnica e elevada competência pedagógica.
Pois bem: estes mestres, contramestres e auxiliares, de presença modesta, mas de elevado valor, cuja acção nas escolas técnicas é absolutamente indispensável ao bom rendimento de ensino e cuja quota-parte na formação integral do aluno assume pelo menos tanta importância como a dos outros agentes de ensino, têm uma remuneração muito inferior à destes, não compatível com as funções que desempenham, e ficaram na última reforma do ensino técnico, aprovada pelo Decreto n.º 37 028, de 25 de Agosto de 1948, numa situação nitidamente desfavorável em relação aos professores, posição que é necessário rever para elevação do seu prestígio no plano do campo docente.
O Sr. Sales Loureiro; - Muito bem!
O Orador: - Assim, vejamos as suas posições nas diferentes reformas:
Pelo Decreto n.º 283, de 15 de Dezembro de 1897, que reorganizou as escolas industriais e comerciais, os professores auferem um vencimento anual de 600 000 réis e ws mestres de 360 000 réis;
Pelo Decreto n.º 6286, de 19 de Dezembro de 1919, os professores vencem 950$ anuais e os mestres 500$ anuais;
Pelo Decreto n.º 20 420, de 21 de Outubro de 1931, os professores efectivos vencem 1131$ mensais e os provisórios 578$ mensais; os mestres efectivos da secção industrial 723$50 mensais, os da secção comercial 628$50, e os mestres eventuais 562$;
Pelo Decreto n.º 37 028, de 25 de Agosto de 1948, que aprova o Estatuto do Ensino Técnico Profissional, e pela última reorganização de vencimentos dos funcionários públicos, vencem os professores efectivos 4500$ mensais, e aos mestres, classificados em três categorias, cabem as seguintes retribuições: classe A - 2400$ mensais; classe B -2200$; classe C -2000$.
Dignos de nota os seguintes elementos:
No Decreto n.º 20 420 aparecem pela primeira vez os professores provisórios, cuja remuneração fixa mensal era inferior à dos mestres efectivos. Neste mesmo decreto os agentes de ensino recebiam, além dos vencimentos, uma retribuição por cada hora de serviço além do obrigatório, constituindo desdobramento, no montante de 46$ por cada hora semanal para os professores efectivos, 33$ para os provisórios e 22$50 para os mestres.
Verifica-se, assim, que os vencimentos dos professores e dos mestres se processaram nas várias reformas segundo as razões seguintes:
Percentagens
1897 (360:600=0,6) ........................... 60
1919 (500:950=0,52) .......................... 52
1931 (723,5:1131=0,63) ....................... 63
1948 (2400:4500=0,53) ........................ 53
Daqui se conclui que na última reforma os mestres sofreram nos vencimentos uma diminuição relativa de 10 por cento, tendo-se em contrapartida aumentado o seu trabalho e responsabilidade pelo mais completo apetrechamento das escolas.
Verifica-se ainda que em relação a 1897 houve uma actualização de vencimentos obtida pelo coeficiente multiplicador 90 para os professores e 66.6 para os mestres.
Este factor de actualização, que em nenhum dos casos acompanhou o coeficiente de aumento do custo de vida, põe ainda a hipótese injusta de que o nível de vida do mestre aumentou menos do que o do professor.
A distinção dos mestres em três categorias parece-me um tanto artificiosa, porquanto todos possuem as mesmas habilitações literárias - curso de uma escola técnica - e desempenham as mesmas funções docentes de preparação dos alunos que passam pelas suas oficinas.
A justificação possível de que os mestres da classe C exercem um ensino do 1.º grau só é válida para os que leccionam o ciclo preparatório, e mesmo para estes haverá que pôr três perguntas de difícil resposta: Qual dos ensinos, 1.º e 2.º grau, é mais difícil? Qual dos dois ensinos tem mais valor do ponto de vista de formação do aluno? Por que razão se exige a estes mestres, e não aos outros,