24 DE ABRIL DE 1963 2395
Dadas as determinantes históricas do nosso Portugal - descobrir e civilizar, «dar mundos novos ao Mundo»-, maior é a responsabilidade dos governantes no sentido de dotar a nossa gente com os conhecimentos imprescindíveis para cabalmente desempenhar a missão que na Terra nos cabe ainda cumprir.
É necessário não esquecer que a expansão portuguesa no Mundo só foi e continuará a ser possível quando a intelectualidade na nossa gente esteja em posição de enfrentar problemas, e resolvê-los, à altura das circunstâncias do momento e em presença de quaisquer possíveis comparações com estranhos.
Não basta apenas contar-se com as facilidades de adaptação e percepção; é indispensável um capital de conhecimentos sempre à disposição do indivíduo, que só a escola, com um ensino sério e persistente, pode e deve dar.
A civilização actual, nos seus mais nobres termos, não é mais que uma estratificação de todos, ou quase todos, os ensinamentos dos séculos passados que a Humanidade, num incessante caminhar em frente, tem como base para as suas conquistas futuras.
O progresso é sempre uma consequência de grau, mais ou menos adiantado, dos conhecimentos da grei. Mesmo que se considere a revelação, facto raro, sempre existe um mínimo de conhecimentos que possibilitem a sua compreensão.
Os cérebros não cultivados só têm sentimentos rudimentares. Podem e muitas vezes são sinónimo de justiça imanente e de lucilação superior, mas, pela sua razão primitiva, só têm expressão efémera e meramente episódica.
Do que acabo de dizer, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não é difícil compreender que creio, e firmemente creio, no ensino como alicerce de todas as conquistas humanas, e, assim, está amplamente justificada esta minha intervenção no sentido de serem atendidas pelo Governo da Nação as necessidades do distrito de Évora, que, nesta Câmara, tenho a honra de representar.
Ensino primário: das razões pedagógicas que devem informar este primordial grau de ensino, para mim o mais importante, não irei dar-vos, sequer, breves e ligeiros apontamentos; isso pressupõe autoridade no assunto e conhecimentos especializados que, infelizmente, não possuo.
Tenho acompanhado com o mais vivo interesse as medidas já tomadas para a resolução deste problema de primeira grandeza e também os anseios vindos a público daqueles que, tendo-o estudado, apresentaram soluções do mais alto interesse e actualidade.
Seja-me permitido citar, e mais uma vez nesta Câmara, o nome ilustre, a todos os títulos, de uma das mais portentosas e claras inteligências dos nossos dias, o Prof. Eng.º Francisco de Paula Leite Pinto. Já como professor, já como Ministro da Educação Nacional, este distinto expoente do magistério superior abordou o problema do ensino primário com a sua habitual lucidez e claríssima visão do futuro.
E pena que, até hoje, as contingências, sobretudo de tesouraria, não tenham consentido que passem ao campo das realizações efectivas as ideias que S. Ex.8 gizou, equacionou e a que deu soluções praticáveis. Sempre lembrarei o lapidar discurso do Prof. Leite Pinto na alentejana vila de Cabeção, em que a profundidade dos conceitos só tem paralelo na clareza da exposição.
Admirável estudo do ambiente nacional, das necessidades da hora que passa e das soluções que se impõem. Só não transcrevo as palavras de S. Ex.ª para as não
deixar associadas ao descolorido das minhas. Vale a pena, porém, remeter para elas os estudiosos do problema e os encarregados da sua solução.
Lá se disse que não podemos continuar com o privilégio, único na Europa, de confinar o ensino primário a quatro classes. Há que ir mais além. O ensino primário deve estender-se por mais dois anos. Saber ler, escrever e contar não bastam como mínimo no ensino primário. Hoje há necessidades pessoais e sobretudo sociais que requerem maior cópia de conhecimentos. Antigamente poderia bastar a um simples cavador de enxada esse mínimo de ensino. Ele vivia, permanentemente e só, os problemas de um mundo confinado a pouco mais, e às vezes muito menos, do seu horizonte visual.
Tinha como ferramentas peças de idades pré-históricas e cultivava por regras com séculos e milénios de existência. As suas necessidades espirituais, por falta de aguçamento exterior, eram mínimas; as suas relações com outros povos, mesmo vizinhos, praticamente não existiam; como viagens, na maioria dos casos, para os homens, a ida às sortes ... e, para homens e mulheres, a viagem final de que não se volta. Para este tipo de vida, ler, escrever e contar bastavam.
Mas hoje?
Há caminhos de ferro, estradas, viação acelerada para todas e as mais escondidas vilas e muitíssimas aldeias, jornais de todos os tipos e matizes, telefone, telefonia sem fios, cinema e até televisão.
A técnica e a prática das culturas modificaram-se; o sentido da vida segue rumos diferentes; o desejo de melhorar é intenso e certamente justo; as máquinas modificaram o homem e a sua estrutura humana; a vida, toda a vida, requer mais que ler, escrever e contar.
E indispensável levar a todos os lugares, a todos os indivíduos, a possibilidade de colaborarem na vida actual, de a compreenderem, de se integrarem no melhor sentido do progresso, de usufruírem das conquistas da ciência, da arte e da moral. Para isso é indispensável que as bases do saber ler, escrever e contar se distendam até uma amplitude tal que permita a compreensão dos fenómenos da vida presente e as alterações indispensáveis para um futuro mais digno, mais risonho e mais consentâneo com a natureza divina da Humanidade.
Fui demasiado extenso na apreciação deste aliciante problema, mas a culpa não é minha; situa-se, em primeiro lugar, na saudade e no respeito que em todos nós ficou dos longínquos tempos em que a escola primária nos abriu as portas da vida pela mão, quase sempre veneranda, do nosso primeiro professor, cuja imagem jamais poderemos esquecer.
Mas, praticamente, quais as medidas que se impõe sejam tomadas para colocar o ensino primário na sua posição de fecundante iniciativa do progresso?
Antes de tudo, preparação do professorado à altura das circunstâncias e a que se dê nível económico compatível com as funções, altamente patrióticas, que são chamados a desempenhar. Um professor sistematicamente com problemas de economia doméstica não pode ser um professor ..., é um torturado dentro da profissão ..., é um revoltado contra a mesma ..., não é ..., não pode ser o professor que se deseja.
Depois, e em igual plano, elevação do ensino a seis classes. Não se compreende que um aluno ouça, num simples relato de futebol pela televisão, referência às volutas da bola e não saiba o que são volutas.
Um qualificado pelo ensino primário pode não estar à altura de uma academia, mas pode, pode e deve, compreender uma palestra radiofónica, até, no mínimo neces-