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2438 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 97

não os organismos que legitimamente representam os interesses nacionais, mas entidades ou pessoas desprovidas de qualificação no plano institucional em que nos devemos movimentar.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A falsa omnisciência de uma burocracia efectivamente mal preparada faz permanente agravo ao sentido eminentemente representativo das nossas estruturas político-económicas, desprezando para a conveniente solução dos problemas um capital de experiência que não tem e um conhecimento das realidades da vida que de todo lho escapa.

À falta de autenticidade desta conduta ajunta-se o desprestígio das instituições das pessoas que as servem - o que tudo é grave erro político -, e as soluções, afastando a corresponsabilidade dos elementos sociais a que se destinam, se muitas vezes perdem em acerto, deixam sempre de merecer uma adesão voluntária, e por isso mesmo mais profícua.

Vamos trilhando assim o perigoso caminho da despolitização da vida nacional, que entregamos a um tecnicismo, ou só burocratismo, frio e desumano, e, em muitos casos, incompetente.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Cada um dos pontos a que sucintamente me referi, neste gosto impenitente de apreciar as coisas pelo prisma da política - que é a grande realidade para que devemos viver nesta Casa -, poderia merecer mais largo desenvolvimento. Mas o tempo não o consente.

Sentir-me-ia satisfeito se o seu simples enunciado tivesse, ao menos, um mérito de despertar para eles a actuação e o interesse dos responsáveis.

É que na verdade, hoje são bem mais limitados os meus objectivos.

Desejo. Sr. Presidente, chamar a atenção do Governo para trás problemas concretos, que. embora por natureza distintos, têm alguma coisa que os aproxima.

Vou já dizer quais são esses problemas, e dos termos em que os definir e apreciar há-de resultar a demonstração daquela referida afinidade.

Os problemas são os seguintes:

Ser ou não devido o pagamento às câmaras municipais da licença de estabelecimento comercial e industrial pelas empresas concessionárias de aproveitamentos hidroeléctricos ou de produção de energia térmica;

Ser ou não devido o pagamento da mesma licença em relação às deduções operadas na contribuição industrial, pelo Decreto n.º 40 874, de 23 de Novembro de J956, na parte respeitante a investimentos de reorganização industrial (novos fabricos, reduções do custo e melhoria de qualidade);

A comparticipação financeira das câmaras municipais nos termos do Decreto-Lei n.º 39 805, de 4 de Setembro de 1954.

Estes três importantes problemas têm feito correr muita tinta - e também muito dinheiro ... - e avolumaram grandemente o serviço dos nossos tribunais.

Sobre cada um deles tenho naturalmente a minha opinião, quer no plano jurídico, como humilde aprendiz das coisas do direito, quer no plano político, como velho caminheiro das encostas ásperas e difíceis da vida política e administrativa.

Mas descansem VV. Ex.ªs, que não venho aqui expor essas opiniões ou defendê-las.

A questão é muito outra. Mais importante e mais singela ao mesmo tempo.

Certamente que, no plano jurídico, todos aqueles problemas se desdobram numa infinidade de subproblemas que fazem as delícias dos exegetas ...

E num ou noutro se inserem questões morais da maior relevância a carecerem também de pronto remédio.

Referirei apenas o seguinte: como todos sabem, as licenças liquidadas às concessionárias da electricidade atingem quantia de vulto, em razão do elevado capital social das respectivas empresas. Pois houve chefes das secretarias das câmaras que, injustificadamente, levantaram autos de transgressão por falta de pagamento da licença, em vez de a liquidarem simplesmente e notificarem os interessados para a pagarem.

A natureza penal que deram ao processo de cobrança fê-los participar substancialmente na respectiva multa, o que num e noutro caso lhes permitiu a apropriação indevida de largas centenas de contos. Mas adiante.

A questão crucial para que desejo chamar a atenção é a de diversidade do julgador nos três problemas em causa.

Essa diversidade, naturalmente provocada pela imperfeição de textos legais, teve, e tem, as mais graves consequências.

E digo "teve" porque no domínio do anterior Código de Processo Civil a decisão tomada pelas Relações - quando o caso tinha recurso - julgou em definitivo o pleito.

Como se conhecia, por antecipação, a opinião dos ilustres desembargadores, por antecipação se sabia também se o pleito era julgado favorável ou desfavoravelmente.

Esta nova espécie de totobola judiciário decifra-se na distribuição.

E assim aconteceu muitas vezes que uma empresa pagava e outra não, que a mesma empresa pagou licença num ano e não pagou no outro, que aquele industrial viu a sua licença reduzida e o vizinho não e que o mesmo empresário teve o encargo total em certo ano e deixou de o ter no seguinte!

Pelo que toca aos encargos assistenciais das câmaras, a dança foi a mesma, podendo ainda aqui considerar-se o caso agravado por a questão se cindir em duas: a medida dos encargos pelo internamento de doentes pobres e os encargos pelas consultas externas e tratamentos ambulatórios.

Estou já a ouvir os mais entendidos a dizer: mas tudo isso acabou ou vai acabar breve.

Pelo novo Código de Processo Civil, o Supremo Tribunal de Justiça, em tribunal pleno, vai ser chamado - ou já o foi - a intervir, e, tirado o respectivo assento, as questões ficam resolvidas.

E acrescentarão, porventura: qualquer intervenção governativa representaria uma inadmissível intromissão no livre exercício das prerrogativas do poder judicial.

A isso respondo prontamente: podem não ficar resolvidas todas as dúvidas e o poder judicial em nada será afectado se se fizer uma imediata definição legal dos problemas equacionados.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E vou dizer porquê. Antes de mais, os assentos podem, eles próprios, dar lugar a diversas interpretações e depois, que os problemas postos, pela sua natureza, não são fundamentalmente problemas jurídicos.