10 DE JANEIRO DE 1964 2845
Por iniciativa do ilustre Deputado Sr. Veiga de Macedo, acompanhado de outros Srs. Deputados, por igual ilustres, acha-se aberto debate tendente à .aprovação de uma moção de apoio à política do Governo pelo que respeita ao Portugal ultramarino.
As razões dessa política acham-se consubstanciadas nas luminosas exposições do Sr. Presidente do Conselho, do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros e ainda de outros Srs. Membros do Governo, marcadamente das pastas do Ultramar e da Defesa Nacional. Razões estas, de resto, em correspondência, por inteligência e sentimento, praticamente unânime, com as da Nação Portuguesa.
Da sequente vontade unânime da permanência da nossa integridade nacional são prova decisiva, no ultramar, as aclamações apoteóticas com que foi saudado, sem distinção de raças, o Chefe do Estado na sua viagem a Angola e, na metrópole, o inesquecível delírio com que foi recebido à sua chegada.
E, pelo que respeita ao Sr. Presidente do Conselho, que maior preito de apoio à respectiva orientação política do que a romagem ao Terreiro do Paço?
Ora, tendo-se exprimido já por forma tão eloquente e inequívoca a Nação, ou seja a mandante, não poderá considerar-se como inoportunidade supérflua adiantar-se a mandatária, que esta Assembleia é, a «chover no molhado»?
Entendemo-la não obstante, por várias razões, e culminantemente pela de que o seu silêncio em matéria que empolga a alma portuguesa poderia, dada a fantasia alvissareira tanto do nosso gosto, prestar-se à suposição de que no seio desta Assembleia pudesse alimentar-se qualquer reserva ou mesmo foco de divergência.
Muito oportuna nos parece, por isso, a iniciativa deste aviso prévio.
Como coisa em si mesmo, para nós indiscutível e apoiada nos argumentos das peças governativas supra-referidas, cujo teor, na sua energia lógica e equilibrada, não poderá superar-se, pensamos que a concisão conclusiva contribuiria para dar à nossa unanimidade a mais eloquente e vincada forma.
Como, porém, o debate se ajustou a uma dialéctica mais sobre o analítico, também em tão momentoso tema não devemos deixar de esquematizar alguns juízos.
A tal nos impulsiona o termos logo de tenra idade absorvido o vibrante entusiasmo com que eram recebidos pelo povo os expedicionários de tez requeimada e chapéu à cowboy que nos garantiram, depois da crise do Ultimato, a ocupação da África Portuguesa, os Galhardos, os Mouzinhos, os Couceiros, os Roçadas ... Depois, o de termos partilhado da honra de servir na expedição de 1917-1918 ao Norte de Moçambique; e o dia a dia vivido em contacto quase carnal com aquele sertão virgem e cheio de promessa nos insufla todo um poder de sedução que se impõe empolgante; e bem melhor que julgá-lo será sempre experimentá-lo.
Articulemos, pois, agora, Sr. Presidente, algumas notas que nos ocorrem em convergência ao objecto do aviso.
1.º Consolidadas pela vitória ainda predominantemente europeia as posições dos grandes impérios coloniais, a nossa diuturnidade ultramarina manteve-se inalterada e a atenção nacional, confiando nessa estabilidade, polarizou-se nos problemas de restauração interna, que de tão instante acuidade foram, como nós sabemos.
Dá-se a eclosão da segunda guerra mundial, de que o nosso Governo com tanto acerto soube e pôde manter-se à margem. Ora, a vitória nesta, longe de poder considerar-se predominantemente europeia, verifica-se hoje que se alcançou contra a Europa. E, então, por reflexo, vemos acordados contra nós, Portugueses, interesses e juízos de que durante quase 50 anos nos alheáramos. É esta, a convergência activa desses interesses, uma constante da nossa história ultramarina que, se surpreendeu as gerações novas, nada deveria representar de teve para as gerações dos nossos pais. São os mesmos interesses mistos de protestantismo puritano e de capitalismo que nos ameaçam hoje.
Bem conhecidos nossos quando, sob a máscara de anti-esclavagismo, nos quiseram arrebatar a costa do Ambriz ao Congo e, mais tarde, quando na traça do missionário Livingstone, sob a directriz de Bhodes, a Chariercd se rios interpôs no Niassa. Daí, em 1890, o Ultimato. Já então a interferência das missões protestantes de avançada aos referidos interesses capitalistas é bem conhecida. Assim o salientou o saudoso Dr. Luís Vieira de Castro a p. 76 da sua obra D. Carlos I.
De resto, a conexão do protestantismo com a evolução moderna do capitalismo tem sido assaz estudada -lembram-se os trabalhos do Sombart e de Lee - e chegou mesmo a atingir já a consciência complacente dos Anglo-Saxões e até dos Escandinavos. A forma actual da ofensiva contra nós baseia-se precisamente no mesmo binómio protestantismo interesses supercapitalistas.
Substitua-se o slogan de «antiesclavagismo» por «anti-colonialismo», e as realidades subjacentes mantêm-se as de há 100 anos!
Por nós, temos contra tal ofensiva a força espiritual que nos vem da nossa moral cristã tradicional; ela nos aproxima em pé de fraternidade dos povos nativos que connosco contam e que aceitam filialmente o nosso influxo.
Tanto basta para explicar ser necessário o recurso à violência para esbulhar o que com a aceitação dos naturais com eles partilhamos: outrora o Ultimato, agora a invasão de Goa e o terrorismo em Angola, onde à transparência se vê o dedo de missões protestantes que nos foram impostas pela conferência de Berlim.
2.º Como corolário desta constante, analisemos particularmente o surto de violência em acção para nos ser arrebatada particularmente a província de Angola e nos levar a aceitar o alinhamento com nações europeias despojadas desde a grande guerra: a Holanda, a Inglaterra, a França e a Bélgica, as quais, no entanto, no plano capitalista gozam de possibilidades ou esperanças que não podemos partilhar de se fazerem compensar da perda do domínio político directo com predomínio económico subjacente.
Triangulemos a bem montada conspiração de 1961, de que só com providencial ajuda conseguimos escapar por um triz. Sirvam-lhe de catetos a tentativa de pirataria sobre o Santa Maria, a qual visava evidentemente a efeitos de projecção jurídica, que, dessincronizada de outros movimentos, abortou por antecipada, e o montado terrorismo de Angola, que também para o plano dos pretendidos efeitos internacionais não surtiu os almejados efeitos. Ora, o terceiro fundamental lado desse triângulo conspiratório era a metrópole. Nesta o Governo conseguiu prevenir o surto da conjura, e se ulteriormente esta tem pretendido lançar lampejos sem projecção, o ambiente nacional tem-na abafado para quaisquer efeitos válidos.
Na impossibilidade de alcançar vislumbres de aparência para intervencionismos jurídicos imediatos, os altos mandantes da conspiração inclinam a ganhar tempo, tempo que também poderá e deverá ser, e será, precioso para a obra da nossa defesa.
Nem podemos ter outra opção que não seja a de prestar ao Governo, que tanta coragem e discernimento vem sustentando, toda a confiança de que ele carece.
A unidade da frente interna tem de ser decerto o mais precioso fulcro de resistência. Mas neste capítulo muito se ganhou certamente desde há três anos.