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31 DE JANEIRO DE 1964 3053

há tantos anos, também não aparece neste livro, que ignora por completo coisas fundamentais, como a cultura do chá, o colonato do Limpopo, as ligações aéreas com a metrópole, as radiocomunicações internas (pois diz que há o extinto cabo submarino e apenas um posto de radio-telegrafia em Lourenço Marques), nem tem uma palavra relativa aos povos, à sua vida e ao seu progresso.
O ultramar é apresentado neste livro, aprovado pelo Ministério da Educação Nacional para as gerações de amanhã, como terra primitiva, sem civilização nem progresso, de que não há nada a dizer para ensinar.
Claro que na explosão da nossa cólera estes factos recebem o nosso riso, porque não podemos fazer mais nada, mas sentimos que são profundamente tristes, pois sabemos que são altamente alarmantes, porque é pela grandeza destas pequenas coisas que podemos medir a espessura da nossa ignorância.
Os senhores que na metrópole são responsáveis por estes dislates, porque os escrevem, ou porque os consentem, não sabem o mal que fazem, nem como tornam difícil a missão do professorado ultramarino, que tão delicado tem sido à causa da educação nacional.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não obstante, fazem-se por vezes milagres e, apesar desta ignorância oficialmente aplaudida, é verificável que em Moçambique, por exemplo, o ensino primário comum tem geralmente melhor nível do que na metrópole.

O Sr. Gonçalves Rodrigues: - Ainda bem, apesar de lá também se adoptar o livro único da metrópole.

O Orador: - Depois disto tudo estou hesitante sobre se hei-de apresentar ao Ministério da Educação Nacional os meus protestos ou os meus cumprimentos. Mas talvez não valha a pena protestar, porque já o fez o Ministério do Ultramar, e as coisas continuam na mesma. Com efeito, há anos, quando estive na índia, apareceu-me um dia arreliado, exaltado, o chefe da Repartição de Instrução com uns livros escolares acabados de chegar aos centos de Lisboa e cheios de disparates relativos à nossa índia.
Devidamente informado, o governador-geral levou o caso ao conhecimento do seu Ministro, que o endereçou ao colega da Educação Nacional.
Li na altura, em Goa, dois protestos oficiais idênticos e específicos, fora referências de generalidade em relatórios. Ficou tudo na mesma, e o caso é tão velho e tão público e familiar para nós no ultramar que até já o incluímos no bragal das nossas anedotas sobre alguma ciência ultramarina que se exibe e vende na metrópole. Como vão distantes os tempos em que mestre Nicolas escrevia o seu tratado de aritmética compondo problemas com dados tirados da vida do ultramar.
Há ainda outro aspecto desta importante questão dos livros, mas diz respeito à interpretação dos programas. Concretamente, o programa de história.
Não conheço nada mais mal feito do que o programa de história, primário ou secundário, e correspondentemente, nada mais mal laborado do que os respectivos compêndios.
Peço licença para ter muito convictamente, esta opinião, que fundamento na minha vivência de, oito dos doze territórios nacionais e no conhecimento que tenho da história de cada um deles e da do seu conjunto como Nação Portuguesa, que é um tanto diferente da que anda nos compêndios que o Governo aprova.
Aliás, devo esclarecer que o problema da dificuldade do ensino da história portuguesa às populações nativas do ultramar foi-me frontalmente posto por professores primários em Moçambique.
Tal como anda nos livros escolares, surge ao aluno a metrópole contraposta ao ultramar numa série ininterrupta de actos de forca para submissão de povos, sem que se diga uma linha plenamente justificadora de tal acção; a história oficialmente aprovada, e oficialmente desvirtuada pelos pedagogos, não ajuda a educar a mocidade ultramarina no sentimento nacional.

O Sr. Gonçalves Rodrigues: - Nem a de cá.

O Orador: - Mas lá a coisa tem outros perigos.

O Sr. Gonçalves Rodrigues: - Isso põe a nu um problema gravíssimo. A exposição e a crítica que V. Ex.ª tem estado a fazer constituem um depoimento notável sobre o estado em que se encontram os manuais de ensino. Ora. o que isso vem denunciar é, sobretudo, o erro fundamental dos compartimentos estanques estabelecidos nos hábitos e talvez na orgânica do Ministério da Educação Nacional no que respeita a esse aspecto particular: professores primários para livros do ensino primário, professores do ensino secundário e técnico para esses graus de ensino, etc. O que devia haver era uma comissão nacional a que pertencessem professores e não professores, pessoas idóneas e cultas capazes de apreciar os livros por onde os nossos filhos vão aprender. Dessa comissão deviam fazer parte professores de todos os graus de ensino, pais de família, representantes grados de interesses morais e cívicos, impregnados da consciência da unidade nacional e das suas exigências actuais. Trata-se de um magno problema nacional, de profundas repercussões políticas, que não pode deixar-se abandonado ao jogo dos interesses pessoais ou comerciais.

O Orador: - E naturalmente sensível à vaidade portuguesa o prurido heróico, mas quem estuda as verdades da vida dos povos sabe que as heroicidades são apenas desesperos das horas de não morrer, e sabe que só são possíveis na convicção íntima de que já não há mais nada a fazer pela verdade, pela justiça, pelo bem ou pela honra. O que dá sentido completamente novo e diferente às batalhas e às conquistas, e é preciso dizer e provar.
Ainda acerca do ensino primário quero lembrar a alta conveniência nacional de se ampliar desde já essa instrução de base ao nível da antiga 5.ª classe que a primeira República tão prometedoramente instituiu e a Ditadura tão estranhamente extinguiu, em vez de generalizar.
A antiga 5.ª classe dava excelente preparação em português, especialmente redacção, ensinava preciosos rudimentos de aritmética comercial, fornecia um conhecimento aceitável de ciências naturais e geografia.
A educação cívica do aluno era particularmente cuidada, a preciso regressar ao velho esquema, e para a Nação inteira, e especialmente para o ultramar, é fundamental cuidar-se meticulosamente da educação moral e cívica, sem enveredar pela comodidade fácil de a confundir com a formação religiosa, por um lado, e a organização política e administrativa, cujo programa parece lamentavelmente decalcado dos do concursos para funcionários públicos.

Vozes: - Muito bem!