15 DE FEVEREIRO DE 1964 3219
quando já sabemos, infelizmente, pela experiência dos últimos factos, não haver penhor seguro da sua actuação nos momentos em que deles mais necessitamos.
Em produtos alimentares básicos ainda não vi aplicar-se à escala supranacional aquilo a que hoje se chama economia de mercado e também não vejo praticar-se aquilo que tanto nos vem sendo apontado como absolutamente necessário: produzirmos a preços competitivos.
Constato que os preços dos produtos que estamos tratando são diferentes de país para país e não coincidem com os do mercado mundial, sendo em regra muito superiores a estes. De facto, os produtos alimentares básicos que aparecem a venda no Mundo provém, no caso geral, de excessos, beneficiando de fortes dumpings, e são esses os preços que nos apresentam como de competição.
Há poucos meses ouvi ao ministro da Agricultura francês - Mr. Pisani - a afirmação de que não havia competição entre agricultores dos diferentes países, mas sim entre os seus ministros das Finanças, e ouvi também que a melhor maneira de manter um país subdesenvolvido era fornecer-lhe produtos agrícolas a preços baixos, pois assim se evita o desenvolvimento da sua agricultura, se não for mesmo caso de provocar a sua ruína.
Não comento, limito-me a chamar a atenção de V. Ex.ª para quanto de verdade se encerra nas suas afirmações.
Sr. Presidente: disse atrás que uma das facetas da crise era a falta de confiança, e para isso vem contribuindo uma certa desorientação no encaminhar do problema.
O facto em si mesmo não é de estranhar se analisarmos o que se tem passado.
Muitos e variados caminhos vêm sendo sucessivamente apontados para debelar os males que afectam a agricultura, mas de positivo só tem resultado um agravamento dos mesmos. Orientações dispersas e até antagónicas, com resultados que muitas vezes mais complicam soluções possíveis, desculpas, até com o clima, como se não fosse necessário tê-lo em conta ao planejar, enfim, um sem-número de razões, das quais já aqui referi as principais há um ano, tudo a pouco e pouco vem contribuindo para uma desorientação que se vai transmitindo e que, estabelecendo um estado de desânimo, cria um clima de incompreensão que gera a desconfiança.
As medidas ultimamente tomadas ou anunciadas mais desorientam. Pelo que é do meu conhecimento, julgo interpretar a incompreensão que a lavoura mostra através dos seguintes pontos principais:
Não compreende a lavoura que para resolver uma situação que dia a dia mais se vem agravando se insista em apresentar apenas soluções a darem efeito daqui a anos. Tanto mais que para isso lhe são pedidos novos e vultosos investimentos, e, embora se prometam créditos para esses fins, sabe bem que, se não tornar rentável a sua exploração desde já, não tem forma de responder aos encargos actuais ou já contraídos, quanto mais ir aceitar novos.
Não compreende que, conhecendo-se, como se afirmou, a sua situação, se aumentem ou deixem subir custos de factores de produção e se retirem subsídios sem se terem primeiro revisto os preços, e isto com o fim de constituir fundos para lhe emprestar quando disposta a aceitar novos encargos. Se estava mal, é evidente que ficou pior.
Não compreende que seja justamente no momento de crise agrícola que se vai aumentar a sua carga fiscal, actualizando as matrizes, pois, se, por um lado, é justo que todos paguem da mesma forma, e há muito existem regiões do País a pagar segundo as novas bases - as cadastradas -, por outro, parece não carecer de demonstração que estas não realizam o rendimento colectável,
pois, a não ser assim, não seria explicável a sua situação presente. Justo parecia antes aliviar quem estava sobrecarregado, o que talvez ainda viesse, no fundo, a ser mais vantajoso para o Tesouro, pois, possibilitando-se meios de acção, incentiva-se a produção, o que neste campo se traduziria numa economia de divisas.
Também não compreende a lavoura que seja nesta altura que se vá lançar o imposto de indústria agrícola. Ainda não se encontra esclarecida e tem mesmo dúvidas sobre vários pontos, tais como rendimentos florestais. Ainda não se disse de quanto se baixa o rendimento colectável, pois a lei prevê-o, e a não se dar, ir ter uma duplicação de imposto no que respeita ao lucro. Também não se percebe bem que seja quando se reconhece que há crise, e portanto falta de lucro, que se vá criar um imposto para o tributar.
Não pode igualmente compreender que, tendo, com o maior dos sacrifícios, respondido a uma mecanização indispensável, se venham já criar uma série de dificuldades e encargos novos a veículos ao seu serviço, quando seria antes de esperar apoio e estímulo. Toda esta incompreensão desorienta e tira fé, tanto mais que se havia já dado um mau passo no sentido de se criar confiança.
Refiro-me à resposta dada às Jornadas Cerealíferas e Leiteiras.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Num ambiente de justificado optimismo, porque finalmente ia ser ouvida a lavoura nacional em reunião magna, disse o que julgava indispensável e mais urgente fazer-se.
Teve sempre presente a realidade do momento difícil que nos é imposto, e por isso, e porque, sobretudo, queria que fossem facultadas as possibilidades mínimas para poder cumprir a sua missão, a assembleia foi prudente, ficando até aquém do que pela razão seria lícito esperar.
A lavoura ponderou a situação do consumidor, dando provas de que é realista, atendeu a necessidade de estender esquemas de protecção e assistência ao trabalhador rural, mostrando que está consciente da sua função social. Pensadamente escolheu os cereais e o leite como produtos a serem atendidos, pois são os que melhor repartiriam os benefícios por todo o País. Também procedeu a uma análise profunda das soluções apresentadas para uma evolução com vista ao futuro, tendo apreciado as suas viabilidades e feito sugestões para os casos que achou de interesse, mostrando assim que também é progressiva.
Que obteve como resposta?
Um atrasado regime cerealífero pior que o anterior.
Unicamente foi considerada uma subida de $10 por quilograma no preço de garantia mínima do centeio, preço que, mesmo assim, ficou em muito inferior ao do mercado. Em contrapartida foi retirado o subsídio aos adubos - 80 000 contos. Foi também suspenso o subsídio que há dois anos vinha sendo dado ao trigo e que podemos cifrar em cerca de 150 000 contos. Só destas duas verbas, números redondos, menos 200 000 contos. Igualmente viu reduzido o empréstimo de cultura, invocando-se até que era vontade da própria lavoura, mas não se disse que havia uma premissa para que isso fosse assim, isto é, argumentou-se ocultando parte da verdade ...
Quanto ao leite, permitiu-se uma subida de $20 por litro no Porto e em Lisboa. Mas em Lisboa foi retirado um subsídio de $20 por litro que era dado, pelo que se ficou, quanto à lavoura, na mesma situação ou, antes, pior, pois, como paralelamente a sêmea subiu $80 por quilograma, aumentaram as despesas. Podemos avaliar este agravamento se dissermos que na área do Porto o prejuízo,