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3712 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 147

toda a sorte, que ou lhes levantou ou os não ajudou a arredar do caminho todo um mundo de míticos amigos ou indiferentes, à sua volta, vociferando preconceitos e escondendo, atrás dos gritos de cartaz ou de conselhos sussurrados em tom de cativante paternalidade, um egoísmo de tão feroz cegueira que o não deixa ver sequer o perigo de soçobrar, ele próprio, ao choque inexorável das forças totalitárias do Leste, cândidamente declara poder negociar com elas como do igual para igual e finge não saber que até na solicitude trazem oculta a arma ensanguentada, enfim, um mundo que inocentemente sacrifica até os próprios irmãos.
No infatigável colóquio internacional tem sido vária, e até imprevisível, a justificação moral das atitudes, sem que destas se ausente o habitual propósito: "Do quinhão do nosso compadre, grossa fatia ao nosso afilhado". Os Portugueses foram compadres nos tempos em que se enquadra a viagem de Stanley através do Congo; tem-se pretendido que repitamos o compadrio agora, depois da Holanda, da França, da Bélgica, da própria Inglaterra e até da Espanha, ao compasso melodioso dos sopros eólicos da história; tem-se pretendido que também nós ignoremos que esta nem sempre foi tempestuosa. Ou esconderíamos sob a capa da generosidade complacente fraquezas inconfessadas, ou iríamos ao cepo como réprobos e possessos, sem vislumbre de perdão nem na terra nem nos céus, se nos decidíssemos a cerrar fileiras e a praticar entre nós mesmos o sagrado mandamento de amor do próximo: o papel do cardo na conhecida pérola literária do poeta de Freixo de Espada à Cinta. Teríamos, forçosamente, de sair de toda a parte e deixar os filhos para pasto aos lobos na Ásia, na África e quem sabe até se na Europa. O Mundo não se satisfaria com menos.
Entretanto - e agora já não é a poesia agreste e cristalina do transmontano, mas talvez algum maître chanteur que o sussurra -, uma potência vende quantidades cósmicas de trigo ao inimigo irredutível da sua civilização e ralha com outras potências que ao mesmo inimigo ou a outro igualmente irredutível dessa mesma civilização vendem veículos ou fábricas novas ou concedem créditos. Entretanto, reclama-se para o conciliábulo das nações um respeito total, mas nega-se a este toda a confirmação, quer nas decisões, quer na prática corrente das relações. Tal é a vida que o cardo vê passar ao longe. E outra, a que, embora mais prosaicamente, o relatório assinala, ao observar as actividades do ultramar no ano de 1962, em que se articulam muitas das lutas e muitos dos sofrimentos dos produtores ultramarinos.
Em relação a estas actividades é que já me cabe exemplificar; mas sem queixas nem acusações, porque, se as primeiras são, como são, um direito imprescritível dos homens, que as colectividades aceitam e as administrações devem ouvir, já as segundas podem trazer o fermento do dissídio, podem vir a negar precisamente aquilo por que todos anseiam desde sempre: uma comunhão mais íntima, uma união mais estável, uma solidariedade que ninguém, lá fora ou cá dentro, possa explorar como fictícia; o que se deseja por terras do ultramar é ser-se português, e seria com uma dor agravada pelo receio de irremediáveis negrumes que o povo todo por lá veria qualquer passo menos prudente e que contivesse o perigo de um alheamento; todos sabemos auscultar os anseios do homem do povo; todos sabemos das suas ambições de abastança. Uma das premissas do conforto moral em que todos vivem por lá é a prova reiterada, a que o Governo se não tem furtado, de que a comunidade portuguesa passará muito ao largo do exemplo de quem abandona as Rodésias, ou abandonou Ghana, ou o Congo, ou Zanzibar, a forças em que não é possível vislumbrar uma linha séria de vontade nacional e popular, mas apenas a de um comando estranho e de estranho poder destrutivo.
Também por lá se sente, e, mais do que sentir, também por lá se sabe que será erro de caras consequências o deixar sem apoio moral ou material os que se esforçam por manter Portugal uno, a contemporização com atitudes que não tragam seladas as garantias de adesão activa à causa nacional, ou o estender a mão compreensiva, se não adjuvante, aos dissolventes; e devo à gente humilde, àquela que se esforça por ganhar o pão, a justiça de afirmar "aqui que só na política do nosso Governo, nas linhas gerais da sua administração, na sua decisão de defesa inflexível do património, das almas e das gentes, no delineado anseio de completar concretamente uma unificação que de antemão e de há muito está feita nas vontades, ela encontra a verdadeira esperança de poder sobreviver. E sabe que só dele podem emanar as medidas conducentes a uma mais equitativa distribuição da riqueza, a uma justiça social que seja a materialização do espírito cristão e anti-revolucionário.
Nestes anseios por uma unidade e irmandade portuguesa, mostram as contas de 1962 um facto necessitado de remédio, e devo também manifestar a minha convicção de que se lhe estará buscando esse remédio por todas as formas.
O facto é este: não é o ultramar que fornece à metrópole todo o algodão e todo o tabaco que aqui se transforma ou manipula, e lamenta-se até que não seja a própria metrópole a produzir toda a fibra sintética que introduz nos seus tecidos, e que ascende ao tentador volume de 255 000 contos. Mas vamos por partes: em 1961 as indústrias metropolitanas compraram 1 253 000 contos de algodão, do qual só do estrangeiro vieram 487 956 contos, e em 1962 compraram 1 227 000 contos, dos quais o estrangeiro toma à sua conta uma percentagem ainda maior: 515 121 contos. Excluindo mesmo as fibras sintéticas, porque a nossa industria ainda se não tenha preparado para a sua produção, que tudo recomenda que se faça cá dentro, não pode arredar-se o nosso pensamento dos benefícios que o País havia de colher na movimentação interna dos capitais que entrega ao estrangeiro em troca do algodão que o ultramar lhe não fornece; só em dois anos foi-se 1 milhão de contos.
Em escala mais reduzida, quanto ao peso que exerce na balança da nossa economia, tenho de apontar outro facto cujo significado não deixa de ser igualmente clamoroso e que envolve o tabaco, esse veneno tão condenado pelas colectividades doutas e tão apreciado pelos homens, e cuja propagação, propiciada nos cinemas e cafés ou até nas próprias casas de família, sempre se mostrou irreprimível. O tabaco é um veneno, mas um veneno de peso: a metrópole compra lá fora, só nos Estados Unidos, quase quatro vezes mais do que compra no ultramar.
Estes dois exemplos de falhas na conexão do sistema económico nacional não pode a Nação consentir que se agravem, tem até que curar de lhes obter correcção rápida, porque ameaçam transformar-se em outras tantas negativas fragorosas da política da unidade do espaço português, a que se lançou o Governo da Nação com o aplauso entusiástico e unânime dos governados. Ao mencioná-los, penso nos agricultores de Moçambique, naqueles, que aqui têm sido objecto da atenção e do carinho do nosso colega Manuel João Correia, e ainda em alguns a quem estou ligado pela proximidade da residência ou pelo convívio e que são os de Manica e Sofala, e que tanto desejariam ter o seu quinhão nesses cento e tal mil contos que a metrópole entrega aos Estados Unidos.