16 DE DEZEMBRO DE 1964 4207
Convém atentar ainda nos «mais de vinte serviços e organismos diferentes» a que a Câmara Corporativa se reporta.
A leitura do quadro em que esses organismos são indicados logo evidencia que alguns deles não representam, em princípio, nem de facto, qualquer ameaça para a coordenação preconizada, e terão de existir independentemente da criação ou não de um departamento próprio para a habitação. É o caso do Secretariado Técnico da Presidência do Conselho e do Instituto Nacional de Estatística, Já Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, do Instituto de Investigação Industrial, da Inspecção-Geral dos Serviços Agrícolas e Industriais e outros. Repare-se ainda que no grupo do Ministério das Obras Públicas se. incluem nove serviços. De outros Ministérios indicam-se também diversos serviços com atribuições em assuntos de habitação.
Mas do facto só podem extrair-se, na melhor das hipóteses, argumentos para mostrar a existência de serviços a mais, ou inconvenientemente organizados, ou funcionando sem eficiente cooperação mútua. Este é, porém, um problema a resolver no âmbito de cada Ministério, não podendo, através dele, fazer-se uma extrapolação para apoio da tese da criação de um alto órgão coordenador. De resto, e por exemplo, no tocante ao Ministério das Corporações e Previdência Social, os organismos apontados no quadro não são só de fácil coordenação, aliás assegurada, pelo menos até há pouco, mas ainda de natureza e grau diferentes, pelo que não se descortina que garantia ou reforço possam trazer àquela tese.
Admitindo que se cria um organismo coordenador e não se vai para um Ministério autónomo, a Câmara Corporativa observa que será difícil fugir à hipótese de o inserir na Presidência do Conselho, acrescentando, no entanto, que se torna necessário evitar essa tendência. Sem me pronunciar sobre tal inserção, e, portanto, sem emitir parecer favorável ou desfavorável à hipótese, não quero deixar de frisar que, em princípio, reputo muito inconveniente sobrecarregar a Presidência do Conselho com funções de ordem técnica e executiva e com serviços que, de algum modo, possam integrar-se nos Ministérios.
Insisto, porém, em que estas dúvidas nada têm que ver com a análise, que importa fazer, dos problemas que respeitam especialmente à avaliação das necessidades e dos recursos e à definição dos objectivos. Trata-se de tarefas muito complexas, ligadas, logo na determinação das necessidades, ao aumento da população e às mudanças das estruturas demográficas, às migrações internas, à composição dos agregados familiares, à procura de melhores alojamentos resultante da melhoria das condições de vida, à repartição dos rendimentos, ao estabelecimento da prioridade, ao ritmo segundo o qual deve proceder-se à reposição dos antigos alojamentos. Há ainda que confrontar as necessidades ou a «procura potencial» com o património imobiliário existente, as prováveis variações desse património e construção de novas habitações, para se chegar, como se diz em estudo recente da Comissão Económica para-a Europa, à avaliação da procura que é preciso satisfazer ou tornar «efectiva».
Depois, surge toda a vasta problemática da afectação e canalização dos recursos, da política das rendas ou prestações mensais e da sua criteriosa actualização, da cooperação de encargos no plano regional e nacional, da fixação e revisão dos regimes legais das casas e das atribuições destas, da obtenção de terrenos, da urbanização e equipamento, da formação de técnicos e do seu aproveitamento e das inúmeras questões da construção, com toda a gama das suas implicações, como do esclarecimento público e de muitos outros assuntos, pelo seu conteúdo e repercussões, relacionados com o da crise de alojamentos e o dos princípios e métodos para a debelar.
Alguma coisa tem de se fazer para conjugar esforços. mas a prudência há-de presidir à escolha da solução, não podendo esquecer-se que o problema não é apenas de ordem técnica, mas ainda - e sobretudo - de ordem social e jurídica, e se mostra ligado a vários sectores de natureza diversa. Convirá, assim, ter presente que certas fontes de financiamento, como a da Previdência, poderão vir a estancar, se não forem tomados em consideração os seus interesses, as suas finalidades e a sua autonomia institucional. Na verdade, há que distinguir entre serviços públicos, que o Estado pode coordenar ou extinguir, e instituições que, em sistema corporativo, não devem ser feridas na sua personalidade jurídica e nas suas atribuições fundamentais.
Repare-se ainda em que existe um Conselho de Ministros, o Conselho Social, criado pela Lei n.º 2115, de 18 de Julho de 1962, ao qual incumbe, além da coordenação da Previdência com a Saúde e Assistência, a de todas as actividades da política social no seu mais amplo sentido Este Conselho, assim como o Conselho de Ministros para os Assuntos Económicos, bem poderá estabelecer, em plano superior, as normas e directivas do entendimento entre os diferentes sectores ligados à habitação e velar pela harmonização das atribuições e da actividade de cada um.
Formação de técnicos. - Ninguém contestará a necessidade premente de encarar seriamente esta questão. Simplesmente, o que a este respeito se diz no relatório do Plano parece insuficiente. Lendo-o, fica-se com a impressão de que não está estabelecido qualquer programa destinado a preencher lacuna tão preocupante.
Não interessa, de resto, preparar pessoal especializado se, depois, não é aproveitado com critério, de modo a tirar-se dele o maior rendimento possível. Ora o que se passa neste campo é deveras desolador. Todos têm a noção de que não temos técnicos em número suficiente e haverá quem saiba que a muitos deles foram criadas, ou permitiu-se-lhes que criassem, condições de trabalho, e sobretudo de dispersão de trabalho, que afectam sensivelmente o seu rendimento.
Depois, muitos são afastados, sem razão de interesse geral, para o exercício de funções diferentes das que se relacionam com a sua formação e vão perdendo, dessa forma, contacto com a sua actividade profissional.
Anote-se ainda que, num país pouco propenso às programações racionais, a longo ou curto prazo, está a cair-se, de um momento para o outro, num verdadeiro delírio de planeamento. Abundam por toda a parte os planeadores. Em dezenas de serviços públicos, organismos corporativos e de coordenação económica, em estabelecimentos de ensino e em diversas associações, há numerosos gabinetes de estudo, grupos e comissões de trabalho, alguns dos quais podem orgulhar-se do nível e eficiência do seu esforço de investigação e da utilidade dos estudos que realizaram. Mas importa reconhecer corajosamente também que há gabinetes, grupos e comissões em demasia. Alguns têm produzido muito pouco. Outros nem sequer fizeram ou farão seja o que for, pois a eles pertencem elementos que não lhes dão nem podem dar assistência, ou porque foram designados no plano da mera conveniência pessoal ou com a intenção de se lhes melhorar indirectamente os seus ordenados de base nos quadros do Estado.
Há, pois, que começar por planear os estudos, coordenar e disciplinar a actividade dos estudiosos e rever, em profundidade e extensão, toda a vasta e desconexa rede de centros e gabinetes de estudo e de grupos e comissões