16 DE DEZEMBRO DE 1964 4209
Sabe-se que não é possível garantir a cada português um emprego satisfatório na sua própria terra, mas tudo deve fazer-se para limitar as migrações internas provocadas pela subindustrialízação de certas regiões.
Habitações destinadas a substituir os bairros impróprios. Construção clandestina. Planeamento urbanístico e equipamento complementar. - Regista-se com viva satisfação que entre os objectivos do Plano Intercalar se incluam o da «eliminação dos bairros impróprios e a reabilitação de zonas insalubres nos aglomerados urbanos e na sua periferia, construindo-se habitações com essa finalidade», e o do «planeamento urbanístico e equipamento mínimo das zonas urbanas que se desenvolveram desordenadamente e que estão carecidas de serviços públicos e equipamento complementar».
O problema habitacional, na região de Lisboa assume aspectos de mais vincada gravidade. O afluxo migratório, é intensíssimo. O número de famílias a instalar é vultoso. As rendas de casa não se mostram, em regra, compatíveis com as possibilidades económicas daquelas. Os preços dos terrenos atingem escandalosa especulação. As entidades competentes não lograram obstar à construção que se chama clandestina, mas que tem proliferado aos olhos de todos.
Talvez por isso o Governo anuncie que vai constituir uma comissão de representantes dos municípios interessados e do Gabinete do Plano Director da Região de Lisboa para orientar o combate às construções clandestinas e o saneamento dos aglomerados já construídos. A comissão só poderá fazer trabalho útil se todas as entidades oficiais se dispuserem a apoiá-la decididamente no cumprimento da sua espinhosa missão. Receberá a comissão esse apoio depois de não terem sidos tomadas, em tempo mais oportuno, as providências, de vária ordem, que se requeriam?
Na zona de Lisboa, em 1959, viviam, segundo um inquérito da Câmara Municipal, 43 470 pessoas em 10 918 barracas. Cerca de 80 por cento destas pessoas eram da província. Nos concelhos limítrofes as barracas também, vão proliferando. Nos subúrbios de Lisboa o problema assume proporções de idêntica gravidade, em especial nos concelhos de Loures, Oeiras e Almada. Convém, no entanto, notar que nos distritos de Lisboa e Setúbal, com exclusão da cidade de Lisboa, havia, em 1960 (Recenseamento Geral da População), 9954 fogos por arrendar. Só na Amadora existiam 1073 por arrendar e na Baixa da Banheira (concelho da Moita) o número de fogos nessas condições era de 553.
Este facto evidencia a forma desordenada como se tem desenvolvido o crescimento urbano e suburbano de Lisboa. Acresce que surgiram também aglomerações de prédios em andares, carecidos de condições de acesso, de exposição e não proporcionando conveniente alojamento, sem que contra tal estado de coisas se houvesse reagido por forma adequada. Não penso que a repressão, só por si, baste, mas é evidente que; neste domínio, como em qualquer outro, tem de haver normas. E estas têm de cumprir-se. De contrário, melhor será não as estabelecer.
Atente-se em que, no respeitante ao equipamento mínimo das zonas urbanas que se desenvolveram desordenadamente, não se passa, no Plano, da formulação de intenções, o que parece pouco, dada a urgência que há em dotar essas zonas de tudo o que é preciso a uma comunidade humana, desde os serviços públicos aos centros de acção social, cultural, recreativa e religiosa.
É, sem dúvida, de aplaudir o compromisso assumido pelo Governo de constituir uma comissão para orientar a instalação dos serviços públicos e do equipamento complementar nas zonas urbanas deles carecidas. O problema não é de fácil solução, pois esta exige, além de uma coordenação eficiente entre os diversos sectores interessados e de meios materiais bastante expressivos, sérios estudos sociológicos, demográficos e psicológicos e cuidada escolha das técnicas de acção mais apropriadas a cada comunidade. Carecem, na verdade, de atenta e especializada observação, não apenas o comportamento e aspirações da população, a sua sociabilidade e capacidade de iniciativa, mas ainda a sua repartição por idades e a composição e nível das famílias, para não falar de tudo o que respeita à implantação funcional dos equipamentos, à sua adaptação às necessidades das pessoas e estrutura dos agregados.
Posição do Estado e dia iniciativa privada perante o fomento da habitação - Limites da intervenção estatal.- Afigura-se de grande alcance o propósito, que o Governo anuncia, de, quanto ao terceiro objectivo do Plano, se tomarem «as providências necessárias à integração progressiva da iniciativa privada num esquema mais adequado ao interesse da comunidade, nomeadamente pela maior convergência dos capitais particulares para a construção de habitações do tipo mais adequado à generalidade da população».
Esta será, efectivamente, a melhor orientação a seguir, pela bondade dos princípios que a inspiram e pelo realismo que a caracteriza. O Estado, sem deixar, pois, de assumir a responsabilidade de superintender nas- actividades nacionais, disciplinando-as, orientando-as e estimulando-as, não atenta contra a iniciativa privada, fonte de progresso e expressão de liberdade.
E isto assume especial significação no momento em que, infelizmente, a ideia de sobrecarregar, mais e mais, o Estado com novas e acrescidas atribuições está a aliciar muitos espíritos- inclinados a pensar que ele pode, em tudo ou quase tudo, substituir-se, com vantagem e sem risco para a liberdade, às instituições e às pessoas.
Essa tendência tem-se revelado mais perigosa no domínio da política social e educacional do que no planeamento económico propriamente dito. Não obstante, ela vai-se infiltrando de forma mais ou menos subtil no da política da habitação, como se fosse conveniente, do ponto de vista social e humano, afastar ou dificultar a iniciativa privada na construção de casas e transferir para o Estado atribuições que não lhe podem caber.
Que o Estado deve cuidar do problema, coordenando esforços, estimulando iniciativas e orientando-as na linha das conveniências gerais, e intervir supletivamente quando necessário, ninguém o contestará. Mas daí a chamar a si, em estilo do Estado socialista, tarefas que mais naturalmente pertencem aos particulares vai a distância que separa concepções de vida inteiramente diferentes.
Embora correndo o risco de ver as minhas palavras mal interpretadas, não deixarei de afirmar a minha convicção de que o ideal seria que o Estado, sem prejuízo de coordenar e incentivar a actividade privada, fosse dispensado, ou pudesse vir a sê-lo, de vultosos investimentos na construção de casas. O que importa é orientar e disciplinar aquela actividade no sentido da satisfação equilibrada das necessidades em habitação, com preferência para as famílias de mais modestos recursos, que não destruí-la ou minimizá-la.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Entre nós essa orientação e essa disciplina não estão ainda perfeitamente estabelecidas, mas penso não será difícil consegui-lo sem risco de cair em exageros intervencionistas ou absorções condenáveis. De resto, já