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4350 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 178

E é curioso pôr em relevo que, sendo o parecer coincidente com o texto do projecto da proposta governamental de então quanto ao princípio da indivisibilidade concernente a propriedade de farmácia e à sua direcção técnica, ele desvirtua e contraria logo depois esse mesmo princípio no desenvolver do respectivo articulado, o que, do ponto de vista jurídico, mesmo para um leigo na matéria como nós, parece da mais incongruente e lamentável lógica
Mas ... passemos adiante e vejamos, por exemplo, o que se fez em Franca, onde, à custa de uma aplicação rigorosa e cada vez mais fechada do princípio da indivisibilidade - pois é o país do Mundo onde menos excepções se consentem a esse princípio - tem sido possível elevar a profissão farmacêutica a um nível deontológico, prestígio social e competência científica que não oferecem confronto com os de qualquer outro país.
Em França, país que citamos especialmente pelos valiosos tratados de direito farmacêutico de que dispõe, a vitória do princípio da indivisibilidade, em luta com o princípio da liberdade de propriedade, como nos revela no seu douto estudo crítico o Prof. Doutor Braga da Cruz, operou-se ao longo do século XIX, «por obra de uma jurisprudência dos tribunais superiores, ou seja, por obra de uma jurisprudência prestigiosíssima, que, numa justa, equilibrada, séria e profunda apreciação do interesse público e dos interesses privados em jogo neste problema, acabou por reconhecer no «princípio da indivisibilidade» a melhor defesa e garantia tanto daquele como destes».
O prestígio e a dignificação da profissão farmacêutica, a valorização universitária do curso de Farmácia, a saúde pública e a total independência e plena responsabilidade do farmacêutico assim o exigem de forma inequívoca.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E parece nem sempre existir da parte de quem tem obrigação de estudar profundamente os problemas antes de emitir uma opinião a consciência exacta das responsabilidades que envolvem aspectos da maior gravidade para uma profissão que procura elevar-se para assim poder corresponder aos deveres que lhe são e serão cada vez mais exigidos. Mas como a farmácia e com ela os problemas farmacêuticos são no geral vítimas de uma incompreensão nem sempre fácil de explicar, aconteceu com este parecer da Câmara Corporativa o que já havia acontecido com o parecer sobre o Estatuto da Saúde e Assistência, onde a única base que, na proposta do Governo, se referia aos farmacêuticos autónomos foi no texto da Câmara Corporativa simplesmente eliminada Felizmente que a Assembleia Nacional reparou a injustiça, fazendo ressuscitar essa base que o Governo, de caso muito pensado, como agora acontece, tinha incluído no seu projecto. E é com indelével prazer que aproveitamos o momento para assegurar ao ilustre Deputado Veiga de Macedo o quanto calaram fundo no coração dos farmacêuticos portugueses as palavras que então proferiu, na discussão do referido estatuto, a justificar a proposta de aditamento apresentada e das quais nos permitimos destacar as seguintes «da minha parte - disse o ilustre Deputado - permito-me mesmo emitir o parecer de que é agora altura de promover a elaboração de um estatuto corporativo e profissional dos farmacêuticos, no qual se regulamentem, além do mais, os aspectos deontológicos ligados a tão importante actividade, que bem carece e merece adequada e eficiente protecção»

O Sr Jorge Correia: - Muito bem!

O Orador: - No texto da proposta agora enviada a esta Assembleia vemos de novo a expressão da decidida vontade do Governo «de reafirmar solenemente princípios jurídicos já anteriormente consagrados e de os afirmar ao completar por forma que de futuro se obviasse à sua sistemática violação».
Não surpreenderá, por consequência, que tais medidas legislativas passem a constituir um estorvo para aqueles que se vinham aproveitando da deficiente formulação e aplicação de regras jurídicas conformes aos referidos princípios, porque as podemos considerar «um instrumento adequado a frustrar os intentos de quantos na falta de cumprimento da lei encontravam a satisfação dos seus ilegítimos interesses». De resto, como tem sido acentuado por distintos juristas, «a proposta de lei do Governo só é verdadeiramente inovadora quanto a aspectos que não alteram o princípio fundamental, já anteriormente fixado na legislação portuguesa, de que a propriedade da farmácia deve ser, por motivo de interesse público manifesto, reservada para os farmacêuticos»
Por este princípio se decidiu também a Câmara Corporativa no seu parecer sobre o primitivo projecto de proposta, do Governo, nos termos que reproduzimos.
Por ser sua convicção que assim se consegue, no aspecto prático, que a gestão do farmacêutico seja, no mais alto grau, pessoal, livre e inteiramente independente - condição necessária para uma melhor salvaguarda da saúde pública.
E que assim é demonstra-o a delicadeza da mercadoria que vende, responsabilizando-o por tudo o que entregar ao doente, seja ou não por ele preparado - caso dos manipulados e das especialidades farmacêuticas (artigo 249.º do Código Penal). E acerca da delicadeza da missão do farmacêutico não será despropositado reproduzir neste momento algumas palavras proferidas por S. S o Papa Pio XII dirigidas aos farmacêuticos católicos reunidos num congresso, em Roma, em 2 de Setembro de 1950.

Basta pensar um instante nas consequências do mais pequeno erro, não somente sobre a substância, mas sobre a qualidade, a dosagem, o prazo de validade, para antever a responsabilidade que vos incumbe. Quem ousará toma-la sobre os ombros sem estar devidamente preparado pelo estudo e pela prática das ciências físico-químicas, biológicas, de que poucas pessoas conhecem a amplitude e a dificuldade?
Uma coisa torna ainda esta responsabilidade mais dura o facto de a vossa atenção não poder ser nunca distraída, visto dever exercer-se para além das vossas próprias acções, sobre os vossos colaboradores, ajudantes, preparadores, alunos, visto que se o farmacêutico pode e deve fazer-se ajudar, não tem o direito de descansar sobre ninguém. A vossa responsabilidade vai mais longe para além do seu aspecto técnico, o efeito feliz ou funesto dos remédios, ela abrange também um aspecto moral, ao qual o desvio e o desregramento actual das consciências dão uma gravidade maior do que nunca. Muitas vezes tereis de lutar contra a inoportunidade, a pressa, as exigências dos clientes que a vós recorrem para fazerem de vós cúmplices dos seus criminosos desejos. Ora, vós o sabeis, desde que um produto pela sua natureza e na intenção do cliente é indubitavelmente destinado a um mau fim não podeis aceitar tomar parte, seja sob que pretexto for, sejam quais forem as solicitações, nestes atentados contra a vida ou integridade dos indivíduos, contra a propagação ou a saúde corporal ou mental da humanidade