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14 DE DEZEMBRO DE 1966 829

lizado e autónomo de sociedades e comunidades políticas, independentes do Poder Público».
Mal ou bem, melhor ou pior, sinto-me vinculado no meu mandato à soberana vontade do meu povo e sempre desejei falar aqui a mesma linguagem dos conselhos, que não consente a falsificação de vozes exteriores, interessadas, subordinadas ou postiças.
E é essa vinculação que me dá alguma força representativa, pois a voz da minha consciência ficaria mais fraca se não repercutisse nas lareiras, nos adros e nos pelourinhos da terra transmontana.
O problema que nos põe a presença do Código Civil é, no meu entendimento das circunstâncias, a sua ratificação ou não ratificação.
Ou aceitamos ou rejeitamos, em bloco, o corpo de leis civis que a Assembleia Nacional recebeu das mãos honradas do Sr. Ministro da Justiça.
É que a nossa atitude perante uma obra deste fôlego, perante o monumento jurídico que nos foi presente, não pode considerar a particularização de uma apreciação técnica conducente à verificação da necessidade de emendas do seu articulado.
Eu estaria tentado a dizer, se hoje me fosse permitido usar o conceituoso estilo sancho-cervantino, que os códigos só devem ser emendados antes de serem feitos.
O grave sentido das responsabilidades que os supremos arquitectos desta obra documentaram ao longo de vinte anos de trabalho e a humildade com que nos ofereceram o resultado de tamanha vigília obrigam-nos a meditar na dureza do caminho percorrido, ao mesmo tempo que nos interrogamos sobre o assentimento que nos pedem.
Num velho livro de estudo da minha arte, o capítulo «Da Origem do Direito Civil» abre deste jeito:

O primeiro legislador foi Deus; testemunhas são no Testamento Velho Isaías, em o Novo Santiago; e da gentilidade sem lume da fé só com a luz da razão natural Demóstenes, que disse que a lei era um dom de Deus inventado por ele; e Túlio, que era uma razão tirada da mente Divina; e todos os legisladores persuadiam os homens que a lei que lhes davam a recebiam de algum Deus, para que com mais pronto ânimo a abraçassem. Porque a primeira que deu leis aos mortais foi, segundo Deodoro, a Deusa Geres: por isso atribuiu Miros as suas a Júpiter, Licurgo a Apoio, Sólon a Minerva, Zemoláxis a Vesta, Nurma à Ninfa Egéria, e o execrando Mafoma, por conselho de Sérgio, deu a entender, que recebia a sua do Espírito Santo, por meio de uma pomba.

Mas eu não posso subir tão alto e vou conduzir-me como homem, no meio dos homens, à procura das leis que «mexem com a vida de todos nós».
Conta-se que no ano 304 da fundação de Roma, 4748 da criação do Mundo e 451 antes da vinda de Cristo, o povo, que nunca se aquieta, se amotinou, em Roma, e criou tribunos por seus juizes para que capitulassem com os senadores e ambas as partes elegessem legisladores para lhes darem leis.
Como não chegassem a acordo, convieram em mandar buscar leis estranhas, elegendo para isso três legados que foram a Atenas por elas.
Três anos depois, Postúmio Albo, Mânlio e Sulpício Camarino trouxeram as ditas leis e para as promulgar se criaram dez varões _ patrícios - Ápio Cláudio, Ge-núcio, Séxtio, Vetúrio, Júlio, Mânlio, Sulpício, Curiato, Eomúlio e Postúmio -, que «as mandaram pôr pùblicamente em dez tábuas de metal para que fossem a todos manifestas».
E conclui, assim, o meu tratado:

Estes foram os primeiros princípios e fontes originais do Direito Civil que temos.
Mas, parecendo no ano seguinte, que ainda por elas não estavam bem providos, criaram outros dez Varões, todos novamente eleitos excepto Ápio Cláudio, por cujo parecer se fizeram outras duas tábuas e por isso se chamam as Leis das Doze Tábuas, as quais parecendo escuras e dando-lhes os sábios várias interpretações e reduzindo-as a escrituras compuseram um Corpo a que chamaram com nome genérico Direito Civil.

Ora, no decorrer dos séculos, sempre foi assim o trabalho constante de aperfeiçoamento do corpo de leis e o esclarecimento dos seus textos.
Não será preciso ressuscitar imperadores e pretores romanos, reis godos e bispos cristãos, sábios e doutores, nem evocar os espíritos tutelares dos Acúrsios, dos Bártolos e dos Paulos, para erguer diante de nós, com o cerimonial devido, a pirâmide dos códices e das leis que no rodar dos tempos foram escritas, revistas, glosadas, discutidas e aplicadas.
E, segundo S. Tomás, todas essas leis obrigam em consciência, embora leis humanas, porque, realizando o bem comum, se inserem na lei natural, que, por sua vez, se liga à lei eterna.
Se não existisse esse direito superior às leis humanas positivas, elas ficariam dependentes da vontade daqueles que as votam ou do arbítrio do governante que as impõe e seriam a porta aberta a todas as tiranias.
Debruçado sobre o contexto da lei, a minha apreciação parlamentar projecta-se agora para além da pura técnica do código, do sistema e dos princípios que o informaram, fixando especialmente alguns pontos de inserção na nossa, vida quotidiana.
A crítica da vida quotidiana, que muito nos interessa seguir, tem-se desenvolvido ao serviço de um certo humanismo que contende com as nossas mais profundas vivências.
Se a nossa sociedade está a ser solicitada para um esforço decisivo de sobrevivência, creio que seria desejável que as leis amparassem, ajudassem e fortalecessem as instituições que podem realmente vincular o homem português ao nosso destino colectivo.
Seria preciso dar a essas instituições o dinamismo interno que conduziria à restauração da própria sociedade, hoje atomizada, evitando que progridam e proliferem exclusivamente os organismos estatais e paraestatais.
É evidente que a principal instituição a defender e a valorizar é a família, e são precisamente as relações de família aquelas que sofrem a grande ofensiva desse tal humanismo que contende com as nossas mais profundas vivências.
Não admira, portanto, que as críticas ao código revertessem, em grande parte, ao capítulo das relações de família e da situação da mulher.
Os sociólogos e juristas e os juristas sociólogos, que fazem uma espécie de história natural da sociedade, consideram a promoção da mulher «o facto mais saliente e verdadeiramente novo no decurso do último século».
Esse facto veio influenciar fortemente os costumes e a vida política, trazendo «uma tonalidade inédita à vida social».
Eu não direi hoje, como Boccaccio e todos os moralistas medievais, que «as mulheres fazem perder a virtude a todas as coisas», mas aceito com os sociólogos juristas do