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830 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 47

meu tempo que «a humanidade conhecerá, graças às mulheres, uma civilização hedónica».
De resto, mesmo sem a decisiva influência da mulher, já hoje a luta entre os regimes políticos se desenvolve numa competição entre os níveis de vida e de conforto que dispensam aos cidadãos.
Não vejo que a nossa comunidade possa e deva entrar nesta competição, cultivando ao mesmo tempo a austeridade, o espírito de sacrifício, o sentido da responsabilidade, que nascem da tal vinculação a puros valores morais e não cabem nos esquemas do hedonismo.
O código nasceu nesta precisa hora em que a sociedade anda agitada por vagas de fundo que alteram os próprios contornos das nossas grandes certezas.
A chamada «promoção da mulher», o urbanismo, a automatização, a máquina de pensar ou de decidir, a preocupação dos lazeres, as receitas ecuménicas, multiplicam, à escala cósmica, os nossos problemas culturais e envelhecem, dia a dia, os modos, os costumes e as leis.
Mas quando tocados pela tentação do progresso, vamos de encontro à problemática da cibernética, ficamos sabendo que lá operações que não são mecanizáveis, nem automatizáveis.
Toda a tramitação espiritual que se escreve sobre a forma de séries de proposições lógico-algébricas pode ser confiada e tratada pela máquina, que sempre deduzirá melhor que o homem.
É de prever que, graças aos calculadores electrónicos, possamos assistir à aproximação e interpenetração das ciências exactas e das ciências humanas, e sabemos já que as massas - esse genial produto do progresso - têm a tendência para aceitar os éditos dos ordenadores como se fossem a encarnação de um deus novo.
Fico-me, porém, nas avisadas palavras do seu pai e criador:

Grande infelicidade será a nossa se nos deixarmos guiar pé as máquinas de decidir sem examinar as leis da sua acção e conhecer perfeitamente se os princípios que as conduzem são aceitáveis.
A máquina, como génio, nunca poderá decidir de outro modo que não seja através dos elementos que lhe são lados.
Faltar-lhe-á sempre a intuição e nunca poderá amar.
Se transferirmos a responsabilidade para a máquina, vamos lançá-la ao vento para depois a ver regressar trazida pela tempestade.

Agitada per vagas de fundo e batida pelos ventos de todas as tempestades, a humanidade vive uma hora de grande esperança.
Para dominar a máquina, porém, serão precisos, segundo a lição dos humanistas que sobre o problema se debruçam, «mais espírito criador, maior estrutura moral, mais personalidade, mais dinamismo, mais sentimento, mais amor, numa palavra, mais cultura». Os juristas hão-de situar-se nos terrenos cimeiros desta pirâmide humana.
Pois se temos realmente a segurança de que a seriedade dos processos utilizados e a categoria dos artífices nos permitem receber um código do nosso tempo, que vai substituir, com manifesta utilidade, o velho código do visconde de Seabra, havemos também de reconhecer que ainda não foi aberta aquela janela rasgada sobre o futuro - future de que os juristas são verdadeiros criadores -, através da qual eu gostaria de enxergar o retrato da nossa comunidade portuguesa do aquém e de além-mar e, na perspectiva do definitivo abraço, a primeira pedra do código luso-brasileiro.
Conta-nos o barão de Montesquieu que uma vez perguntaram a Solou se as leis que tinha dado aos Atenienses eram realmente as melhores, e Sólon respondeu: «Dei-lhes as melhores que eles podiam aguentar.» O realismo medieval havia de recolher, depois, na regra de S. Bento, o mesmo seguríssimo comando.
E agora serei eu, desiludido perante uma família enfraquecida e um poder paternal diminuído, quem se interroga se a sociedade portuguesa seria capaz de aguentar o tratamento mais enérgico que eu me atreveria a preconizar.
Se ouvirmos os queixumes de quantos vêm gemendo diante da indissolubilidade do matrimónio e de um divórcio mitigado, bem nos parece que o legislador de 1966 teve alguma razão para usar de consumada prudência.
É ainda o barão de Montesquieu quem nos serve estas regras salutares.
As leis regulam as acções dos cidadãos e só os costumes podem reger as acções do homem.
Alterar os costumes é tornar infelizes os homens e, portanto, será preciso uma acção continuada e persistente que por bons e acabados exemplos conduza à evolução sadia dos costumes e dos modos - uma acção que olhe a conduta interior e a conduta exterior de cada homem.
A polícia só pode corrigir os modos, mas não pode, nem sabe, modificar os costumes; para isso é precisa uma outra qualidade de sinaleiros.
Por estas sumárias razões, ao analisar o Código Civil devemos fazer um exame de consciência e fixar as culpas que nos cabem, a nós, políticos, e a todas as castas de educadores, no processo de dissolução, social que o individualismo preparou e conduziu,, sucessivamente, à desvinculação, ao pragmatismo e ao declínio da responsabilidade individual.
O social, substantivado, que anda por aí à solta a fingir de gente grande, representa a sociedade no indivíduo e não pode confundir-se com o verdadeiro sentido social que o código recolheu e conduz à subordinação do indivíduo à sociedade, agarrado, preso às obrigações, aos deveres, aos votos, às promessas, por imposição daquela força moral que há-de viver dentro dele e ser maior do que ele.
Mas o código voltou a página do individualismo, e o selo da sua integração na ordem nova de 1933 está logo patente no artigo 1.º
Aí se proclamam como fontes imediatas do direito as leis e as normas corporativas.
Oremos que o preceito tem o mais largo alcance, na medida em que reconhece outros poderes legislativos dos quais emanam normas cuja força sobreleva a dos usos e apenas se subordina às leis imperativas.
A faculdade legislativa, judicial e executiva não são monopólio do Estado, devem existir em todos os graus de hierarquia social, começando no indivíduo, como ensina Vásquez de Mella.
O indivíduo legisla com a sua inteligência, executa com a sua vontade e julga com a sua consciência moral; e logo é seguido do pai, que, no círculo doméstico, reúne as mesmas faculdades legislativa, executiva e judicial, no poder paternal; e continuado nas corporações cujas normas ora se reconhecem expressamente fontes de direito privado.
A nossa acção política não pode prescindir de proclamar a necessidade de animar todas as funções vitais «cujo livre exercício constitui a mesma «sociedade».