15 DE DEZEMBRO DE 1966 857
E como prevenir-se, tomando os juizes o gosto desta pendente, contra eventual proliferação das lacunas? Os seus contornos, ou limites, não estão, como é óbvio, previstos na lei !
Ilustrativa de perigos deste género tem sido a deformação ou desnaturação intencional dos julgados de facto praticadas quantas vezes pelo colectivo para, segundo ele, melhor se poder ajustar ao direito aquilo que, com excelentes propósitos até, se entenda ser solução mais equitativa.
Este autêntico desvio de poder, aceite como a coisa mais inocente do mundo, atendendo à suposta benemerência dos fins, figura-se-nos bem demonstrativo da negação da justiça, que sempre tem de implicar como ponto de partida o decoro da verdade.
Valeria realmente a pena criar, a propósito das lacunas, mais esta aberta para os perigos do chamado direito livre?
3) Quanto à conservação dos valores agrários, conexos aos familiares e sucessórios, o código novo não agrava sensivelmente o que de trás vinha é que tanto tem reconhecidamente contribuído para a sua deterioração. Não representa, porém, o menor sobressalto para a indispensável reestruturação do aproveitamento válido da terra e para o possível restauro de unidades de exploração familiarmente viáveis. Neste ponto, os salutares esforços da Secretaria de Estado da Agricultura, através sobremaneira da Junta de Colonização Interna, ventilados aquando das leis do emparcelamento e arrendamento rural não encontram no código as abertas de progresso que seria para augurar, muito embora no seu texto se houvessem incorporado os dois citados diplomas.
Precisamente tais perspectivas de fomento rural - além das transformações atinentes a outros ramos económicos - suscitaram-me sempre a dúvida sobre se não se ganharia esperando mais algum tempo para a publicação de um novo código civil.
4) Quanto à sociedade familiar - a simplex bonorum -, apenas quero recordar quanto a elogiaram Pascoal de Melo, Correia Teles, Coelho da Rocha e Dias Ferreira. Optou-se por legislar neste caso segundo a objurgatória de Cunha Gonçalves. Foi pena ...
À propósito da frequência deste contrato, titulado por escrito ou geralmente tácito, no Norte e Centro rural do País, e do seu valor sócio-económico, convém ler-se o que se acha exarado, com concordância da redacção na Sciencia, Juridica, vols. XI e XII, ou seja a tradução da obrado catedrático espanhol Montero Lois, apologética da companhia familiar galega, paralela à nossa sociedade familiar, hoje expurgada pelo código.
Ai se revelam as raízes originárias familiares que explicam a sua persistência, tal qual como a dos casais agrícolas, que pela lei de parcelamento através da discussão nesta Assembleia foi possível fazer reconhecer juridicamente, para o efeito de evitar a pulverização da unidade agrária que, de facto, nos vem mais estável desde a Idade Média.
Pobres sociedades familiares a que só restará refugiarem-se juridicamente no precário da propriedade indivisa!
E que dizer da parceria pecuária anexada simplesmente ao arrendamento, contra natural, tratando-se de uma forma associativa de cascirato predominante em largas zonas do País?
Queríamos ainda, quanto às sucessões, aludir, no mesmo sentido, à forma por que as partilhas haverão de fazer-se segundo o código em termos de rigidez que tenderão a dificultar arranjos que atenuassem a atomízação da terra.
O tempo não o consente.
5) Quanto a aspectos de outros campos, económicos í partilho genericamente as observações tão justas do ilustre Deputado Sr. Rapazote de que o novo código antes tende a cristalizar o presente do que a abrir janelas para o porvir. Daqui, que o futuro código comercial, dada a sua natureza económica, supra na medida do possível as deficiências apontadas são os meus votos. E porque não prevenir desde já para daqui a alguns anos -dez, quinze? - a consolidação dos dois diplomas, como se fez com o código italiano e o suíço das obrigações?
Nesse prazo seria, porventura, possível integrar-se no Código Civil o contrato de trabalho já decerto definido suficientemente estável.
6) Ainda um último ponto de reserva, a cisão da matéria de águas. A infiltração recíproca dos problemas, quanto às águas públicas e particulares -haja em vista os regimes consequentes à hidráulica agrícola-, as perspectivas de evolução próxima, pelos meios mecânicos, de se poder extraí-las e aproveitá-las, julgo aconselharia melhor a que elas, as águas, se regulassem em conjunto e, assim, como até agora, em diploma à parte.
7) Quanto à adopção, embora seja eu um daqueles que levantaram a dúvida da inconstitucionalidade, não insisto nela. Aceito os argumentos do Sr. Ministro pragmatisticamente, dado que tal instituto em nada me repugna. E tanto que declaro aceitar o código, sem exceptuá-lo.
Fecho aqui o articulado quanto á, matéria das minhas reservas.
Serão agora minhas palavras, em estrita justiça, de rendido louvor para os promotores e colaboradores desta obra, que, redigida com bela secura jurídica, é, evidentemente, muito para além dos reparos feitos, sólido monumento, honrando deveras a ciência e a técnica do direito entre nós. Sob este signo estão de parabéns as respectivas Faculdades, que a si chamaram praticamente o exclusivo da sua confecção.
Cabem, naturalmente, os lugares cimeiros neste capítulo ao Ministro que, pelo Decreto-Lei n.º 33 908, de 4 de Setembro de 1944, deu início aos trabalhos para a preparação do novo código, o Sr. Prof. Vaz Serra, e ao Ministro Sr. Prof. Antunes Varela, que levou a cabo a momentosa obra do código, ora sobre a mesa desta Assembleia.
Do contributo do primeiro perduram seus valiosíssimos trabalhos preparatórios publicados às dezenas no Boletim do Ministério da Justiça e em separata depois; já tive ocasião de nesta Casa os qualificar como as novas Pandectaes. Nesta traça justiniana, agora o Sr. Prof. Antunes Varela traz-nos o Codex. Para além do considerável esforço mental, que pertinácia esclarecida não lhe teria sido indispensável para a maturação e fecho de tal obra?!
Ainda justinianamente se não ficará por aqui. A equipa dos respectivos colaboradores, à cabeça dos quais se vê designado o Sr. Prof. Pires de Lima, como coordenador geral da obra, e onde se conta a primícia dos civilistas das duas Faculdades, essa equipa não deixará de nos dar as necessárias pedagógicas Instituta.
E, a propósito desses colaboradores, como esquecer nominalmente a malograda figura de jurista excelso que foi o Prof. Manuel de Andrade?
Continuando o paralelo da legislação de Justiniano, só nos falta o pior: as supervenientes Novellac; em vernáculo, as leis extravagantes. Falo das futuras, que inevitável é impertinentemente atingirão o código novo, por mais perfeito que o consideremos.
Elas virão como fruto natural do fenómeno da deterioração das codificações com o tempo, determinada pelo