15 DE DEZEMBRO DE 1966 859
interligação dos mesmos, vários aspectos conjunturais no mundo da economia, da finança e da vida social dos povos. E, para tal, tomemos como ponto de partida o de chegada na última intervenção que fiz nesta Câmara, sobre o mesmo complexo assunto - consequências mediatas dos pactos de Potsdam, de Yalta e de Viena no equilíbrio das forças políticas mundiais.
Quando se projectou no Mundo a negra sombra do cogumelo atómico, abriu-se, na realidade, um novo capítulo na história da humanidade contemporânea.
Da mesma forma que o silvo da máquina a vapor, rompendo entre as labaredas ateadas pela Revolução Francesa, iniciara, sob um signo dominantemente materialista, a subalternização do homem em relação à máquina, a explosão atómica de Hiroshima, deflagrada sob o mesmo signo, terá sido a primeira pedra de uma nova torre de Babel.
O homem, neste reinado supermaterialista, tornara-se capaz, pelos meios que a ciência e a técnica mecanicista lhe concedeu, de destruir o próprio planeta em que vive. Considerou-se, assim, a partir desse momento, inteiramente senhor dos seus próprios destinos.
Nunca, porém, a humanidade esteve tão longe da era de felicidade real a que parte sã dessa criação divina justamente aspira. Assim, é que apenas um terço dos viventes dispõe hoje do indispensável sustento e agasalho. Os dois terços restantes apenas vivem miseravelmente, muitas vezes em negra competência com animais domésticos, consumindo alimentos quantitativa e qualitativamente pobres e sofrendo, sem a necessária protecção, a inclemência dos climas.
Esta a situação desastrosa a que a humanidade foi conduzida pelas filosofias materialistas que, diabólicamente, impregnaram gerações. E essa mesma chama devastadora avassalou o mundo das artes, das letras e das ciências, criando monstruosas aberrações, autênticas versões caricaturais da natureza e do homem gerado por Deus à Sua semelhança.
Se este resultado, bem patente aos olhos de milhões dos actuais habitantes do planeta, testemunha franca decadência do viver, não são menos denunciadoras deste retrógrado caminhar as variadas manifestações da própria arte de governar os povos.
Sob a enganadora bandeira da liberdade, da fraternidade e da igualdade, que a revolução de 89 desfraldou pelo Mundo, gerando as mais diversas formas de enganosas democracias, a maioria dos povos passaram, mesmo nos regimes mais evoluídos, a sofrer as inclemências de governações eminentemente plutocráticas, apoiadas nos partidos ou no partido, sob a égide de grupos financeiros ou de poderosos ditadores totalitários.
Foi assim que, beneficiando do incomensurável poder destruidor das armas atómicas, produzidas em verdadeira corrida, no pós-guerra, pelas únicas potências que colheram os frutos da vitória, surgiram no mundo da riqueza e no vasto horizonte onde ainda hoje impera a escravidão humana os dois incomensuráveis colossos que hoje governam o Mundo.
Lembra-me agora, e vem talvez a propósito relatá-la, uma charge bem representativa do espírito gaulês, publicada num jornal desse país, a antevisão de uma grande parada militar no ano 2000. O autor da caricatura representava, em singelo desenho, com muito poucos traços, mas bem expressivos, essa demonstração de poder militar de um dos grandes da Terra no início do próximo século. Era apenas uma modesta carrinha transportando um pequeno engenho nuclear -qualquer familiar aperfeiçoado da actual bomba de hidrogénio, porém milhões de vezes
mais potente do que esta - que passava em frente de vistosa e imponente tribuna. E a parada militar, que se iniciava com este pequeno veículo e seu destruidor complemento, terminava aí. E, de facto, nada mais seria preciso para impor a paz. aquela paz que o Mundo ambicionaria no raiar desse já próximo século XXI!
Em anterior discurso feito nesta Câmara admiti que o encontro de Viena, na sequência das reuniões de Potsdam e de Yalta entre os representantes máximos dos dois grandes poderes nucleares do Mundo, e que designei, então, por reunião dos dois KK e por pacto de Tordesilhas dos tempos contemporâneos o acordo de coexistência pacífica que resultou desse célebre encontro, terá representado, digo, a plena confirmação, para o futuro, das decisões tomadas, no pós-guerra, no sentido da liquidação definitiva da Europa como força orientadora entre os grandes da Terra.
Os factos que se passaram posteriormente ao findar o último conflito mundial vieram dar inteira confirmação a esta tese.
Assim nasceu, no rescaldo da última guerra e por acordo russo-americano, a descolonização forçada de vastos domínios europeus dispersos pela Ásia e pelo continente negro e em paragem próximas do continente americano. Tinha ficado, porém, de fora desta decisão tomada unilateralmente todo o vasto espaço onde se verificavam, desde há muito e mesmo recentemente, os domínios colonialistas americano e russo. E decisão de uma tal gravidade foi tomada sem que se estudassem, previamente, as implicações raciais, económicas, financeiras e outras desta autodeterminação generalizada e mesmo se todos os povos incluídos nessas áreas desejavam auferi-la. A urgência de se fixarem as novas fronteiras da coexistência pacífica e do neocolonialismo subsequente não se coadunava, pelo visto, com tais demoras.
Desta intempestiva descolonização nasceu, por exemplo, uma nação indiana formada por um número elevado de raças e de castas, professando diversas religiões e falando ainda inúmeros dialectos. Trata-se, porém, hoje de uma das maiores nações do Globo, onde apenas impera, contudo, a anarquia e a miséria e onde os Russos e Americanos, gastando milhões de rublos e de dólares, não têm conseguido mais do que constituir um dique humano contra o possível caminhar para leste e para norte das legiões comunistas chinesas.
Na África surgiram, por via do mesmo movimento de descolonização, uma Nigéria formada por três ou quatro grupos tribais inconciliáveis, um Congo descomunal e muitas outras pseudonações, onde, passado pouco tempo após as autonomias, reinava a maior desordem e se iniciavam lutas sem quartel, algumas delas estimuladas pelas próprias tropas da O. N. U., e que provocaram a morte de centenas de milhares de inocentes, brancos e pretos, que viviam anteriormente em paz racial. A esta situação caótica, hoje generalizada a áreas imensas do continente negro, chamava o ilustre jornalista Prof. Doutor Martinho Nobre de Melo, em artigo recente, e com toda a propriedade, «burundização em massa», referindo-se às chacinas, em escala nunca vista, no Burundi, de milhares de negros conduzidos sob a direcção do actual presidente dessa inconcebível república centro-africana. Tudo isto, porém, para o Sr. M. Williams, ilustre secretário de Estado americano para os negócios africanos, seriam apenas manifestações epilépticas de povos em via de sedimentação, e, pelo visto, não lhe atribuiu especial gravidade.
Mas não foi apenas a descolonização que deve ser considerada corolário das conferências internacionais atrás referidas.