20 DE JANEIRO DE 1967 1075
Entre nós felizmente não tem havido tantos casos nem tão graves como nos países que acabei de citar e a delinquência juvenil, segundo números oficiais aqui referidos pelo ilustre Deputado Sr. Dr. Pinto de Meneses, acusa uma percentagem muito mais baixa do que nos países que acabei de citar.
Mas nem por isso devemos deixar de estar muito atentos (ainda mais atentos) para evitar que essa percentagem cresça na mesma proporção em que tem descido nos, países atrás mencionados.
Ocorre-me por isso formular desde já a seguinte pergunta.
Porque é que uma criança ou um adolescente só porta mal?
Embora sejam perguntas de difícil resposta, parece-me oportuno analisar algumas das principais causas apontadas como responsáveis pelo mau comportamento juvenil.
Factores psíquicos, erros e carência educativas e deficiência religiosa dos pais estão entre as mais importantes Maria Montessori, grande educadora e psicóloga italiana, afirma num dos seus livros que são os primeiros anos de uma criança que constróem a sua personalidade e preparam mais do que geralmente se pensa o seu futuro de homem ou de mulher.
A criança ainda não fala, nem anda, e já recebe impressões e toma hábitos que a impregnam e se incrustam nela para sempre. Tem tanta necessidade de ternura de firmeza, de calma e de harmonia, como de ar puro, sol, movimento, limpeza, alimentação adequada e descanso suficiente. Precisa de não ser motivo de conflito entre os pais, descurada em proveito dos irmãos, tem necessidade de ser tratada já com o respeito que geralmente se dá a seres mais velhos e mais conscientes.
As frustrações e privações de amor, os conflitos, afectivos aparecem, assim, mais ainda que os factores fisiológicos, como causa primária e essencial de um grande número de comportamentos aberrantes nos jovens.
Muitos deles, podemos mesmo dizer a maior parte, foram mal amados.
Por motivo de demasiada dureza, demasiada negligência ou liberdade da parte dos pais, ou em virtude de um profundo desacordo entre estes, foram frustrados, sacudidos, abandonados à sua solidão. É muitas vezes também a separação do meio familiar e o cessar das relações calorosas que criam na criança essa angústia que os estranhos são incapazes de acalmar.
Podemos dizer da afeição materna que ela é a vitamina psicológica da criança. A ausência ou insuficiência deste afecto é a causa mais certa dos maus começos juvenis.
As estatísticas francesas mostram que 80 por cento dos jovens inadaptados sociais, dos quais se sabe o suficiente para organizar um processo minucioso, saem de lares dissociados pela morte ou pelo abandono de um dos esposos, mais frequentemente pela separação ou o divórcio seguido de novo casamento ou concubinagem.
A criança é a lamentável vítima desta situação, infelizmente favorecida pelas modernas condições de existência, e sê-lo-á talvez toda a sua vida.
Se há tantos menores delinquentes nos países mais evoluídos, é porque os pais não se ocupam suficientemente, ou ocupem-se mal, dos filhos, e estes desenvolvem-se, como querem e agem à vontade.
Os pais, absorvidos pelos negócios e distracções, vivem bastante separados, dos filhos, a quem dispensam poucos cuidados.
Os efeitos de semelhante educação são, na maior parte dos casos, deploráveis, e os sociólogos assinalam-nos insistentemente. Crianças e adolescentes demasiado livres sentem-se abandonados. Tentam consolar-se agrupando-se em bandos e clubes mas a compensação é insuficiente. Procuram então emoções novas em zaragatas, atentados, corridas de automóveis, jogos sexuais, álcool e até mesmo em drogas.
Num recente congresso de associações familiares um congressista citou o caso de um rapaz que via tão pouco os pais (à hora das refeições olhava-se mais para a televisão) que ignorava a profissão do pai. Mesmo não falando em situações tão espantosas, é preciso reconhecer que aumenta sem cessar o número de pais que desamparam os filhos, ao ponto de escandalizarem os seus descendentes. Os jovens preferem ser dirigidos com justiça e bondade, entenda-se, a serem abandonados aos seus instintos e caprichos. Desde muito novos que ouvem dizer, para se verem livres deles «Vai brincar com os teus colegas» ou «Aqui tens dinheiro, vai diverte-te». Deixam-nos cada vez mais em liberdade absoluta sem que eles saibam ainda fazer bom uso dessa liberdade. E eles sofrem com isso, uma emancipação demasiado precoce não os satisfaz, pois preferiam que a tutela que os guia e protege afrouxasse progressivamente, mantendo uma discrição respeitosa dos seus sonhos e segredos.
A situação inversa também se encontra, embora mais raramente, e dá como resultado um outro género de revolta do rapaz ou da rapariga. Com efeito, há ainda lares onde o tirano o «carrasco doméstico», não é a criança, mas o pai e a mãe, que, se estão descontentes castigam, e castigam sem dó.
Mas no nosso meio social tais, métodos já não têm razão de existir... Os jovens vêem muito bem, na escola, nas ruas, nos estádios ou nas salas de cinema de que liberdades gozam os membros da sua geração para suportar a tirania dos seus progenitores. Mais tarde ou mais cedo tentam escapar-se-lhes o que pode dar também ocasião a ser causa directa de delinquência infantil.
Uma personalidade vexada, refreada, procurando afirmar-se e libertar-se pode fazer tantas tolices como se fosse deixada continuamente ao acaso.
Sente-se frustrada em ambos os casos, e em ambos os casos quererá uma compensação. A pressão demasiada de princípios morais e religiosos pode provocar, tanto como a sua ausência, efeitos funestos sobre os comportamentos juvenis.
Mostrámos, assim, que grande parte dos casos de delinquência ou de inadaptação social nos jovens tem muitas vezes, origem na atmosfera do lar, mas é evidente que há outras causas, tais como o contexto social actual, alojamentos acanhados, leituras nocivas, cinema televisão, más companhias, erros e carências educativas e a influência religiosa dos pais.
Supomos que o seu mau comportamento não e o resultado de um só destes factores, mas sim a conjugação de vários que vão fazer pressão sobre a sua vida emocional, impedindo-a de ter um desenvolvimento normal, seguro e feliz.
Não há dúvida de que todo aquele que se debruça sobre os problemas de mau comportamento juvenil chega à triste conclusão de que uma grave inconsciência do conhecimento dos deveres dos educadores constitui uma das causas prováveis desse mau comportamento. Em certos casos a ignorância sobre a maneira de encarar estes deveres é quase completa.
Poderemos sublinhar as deficiências das escolas, de resto já muito conhecidas, muitos professores com pouca formação psicopedagógica para compreenderem os seus alunos, sobrecarga dos quadros docentes, programas absurdos em função da maturação cerebral daqueles a quem se dirigem, métodos de ensino já antiquados, etc.