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22 DE FEVEREIRO DE 1967 1275

mas infalível espingarda de espantar pardais com o seu esplêndido atavio de experimentado caçador de caça grossa.
Uma voz que há acordo geral - admirável concordia - quanto à triste realidade da falta de caça e considerando que as práticas correntes abrem caminho para o chamado deserto cinegético, os caçadores podem preparar-se para limpar e arrumar as espingardas e, com elas, todos os problemas que ora nos afligem.
Entretanto, vão-se queixando dos coutos, e os couteiros dos caçadores e os ralhos crescendo dia a dia, serão tanto mais vivos quanto mais faltar a caça.
Nestas circunstâncias a mim me parece que não devemos esconder as mais duras verdades e que devemos tentar os remédios mais amargos.
Prouvera a Deus que ainda produzissem algum efeito.
Entro na coutada da caça pràticamente sem armas mas também sem preconceitos, apostado em procurar o melhor caminho e disposto a segui-lo, andando, suando e sofrendo para ir de encontro à caça e fixar a sua relação com a terra e os direitos do caçador.
A criação de caca e o repovoamento cinegético deve considerar-se hoje como um problema económico, e um problema económico sério. O valor da caça de algumas herdades do Alentejo já é superior a um quarto do seu rendimento total.
Ora estes problemas económicos trazem-me sempre à lembrança aquele eminentíssimo professor americano que abria o seu curso com esta pergunta muito pertinente "Que é que um economista deve economizar?" E respondia, respondia Srs. Deputados, ensinando aquilo de que andamos muito esquecidos um vários sectores económicos "O economista deve economizar apelos a actos desinteressados, àquilo que algumas religiões chamam caridade e, em linguagem corrente, fraternidade e amor."
O romantismo político, que é responsável pelos maiores estragos do século passado abriu os coutos e transformou a caça em dadiva pura da Natureza, dádiva que todo o homem recolhera livremente sem trabalhos e sem indústria.
Os caçadores antigos, mais realistas, sabendo que a caça sempre escasseia, tinham chamado sua a toda a caça, tinham-se privilegiado, não consentiam que os outros caçassem nas suas terras, e iam mais longe, caçavam eles na terra alheia.
A terra, o homem da terra - e é dessa cepa que eu venho - foi sempre a grande vítima dos sistemas. Primeiro viu o seu direito de caça expropriado pelo rei e pelos senhores, pelos grandes caçadores do tempo, e tinha de suportar os prejuízos da caça - da caça que não era sua - e, depois passou a sofrer a legião dos caçadores.
A reivindicação do direito de caça por parte do proprietário da terra tem realmente o seu fundamento no antigo direito germâmico, direito que sofreu pesado enxovalho dos costumes e do poder dos caçadores.
Por isso a reconquista desse direito foi um dos postulados da Revolução, encontrando-se formulado sobre a forma de supressão do direito de caçar em terra alheia.
Essa reconquista processou-se na França em 1789 o na Alemanha em 1848, fazendo parte dos direitos fundamentais do povo alemão a declaração de que "o direito de caçar estava contido na propriedade e os direitos gratuitos de caça em terra alheia ficavam suprimidos".
Julgo indispensável recordar estes factos históricos para não amarrar a mascara feudal ao conteúdo de um direito que é essencialmente popular.
A Revolução também tem algumas tradições respeitáveis nesta materia do direito de caçar.
A caça não deve ser do caçador, mas da terra.
O conteúdo do direito feudal que a Revolução afrontou era outro, consistindo no exclusivo da caça, incluindo o direito de caçar em terra alheia.
Ora, foi precisamente este direito de caçar em terra alheia, que o nosso legislador transferiu do rei e dos senhores para toda a gente.
Assim os actuais caçadores, agora com a burocracia venatória ao seu serviço, são os herdeiros dos senhores feudais e os lavradores continuam a ser as vítimas do sistema.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Penso que chegou a hora do trazerem as suas reivindicações, protestando em coro - os pequenos, os médios e os grandes -, os do Norte, do Centro e do Sul, contra indesejáveis privilégios.
E protestarem com quanta força tenham não só para que os ouça a burocracia venatória, responsável nestes últimos quarenta anos por uma centena de inúteis regulamentos e providências, mas sobretudo para que os ouçam os próprios caçadores, iludidos e enganados com o direito de caçar em terra alheia pelo preço - pesado preço - do total desaparecimento das espécies.
Ensina o douto parecer da Câmara Corporativa que as Cortes Gerais, extraordinárias e constituintes, de 1821, fizeram votar e publicar o decreto de Fevereiro do mesmo ano pelo qual D. João VI determinou que fossem devassadas e abolidas todas as coutadas um aberto.
Anos depois seriam extintos os cargos de monteiro-mor do reino, monteiros maiores e menores caudéis e todos os demais que constituíam a burocracia venatória inerente aos coutos de caça.
Estava instituída a liberdade de caçar e estava aberto o caminho por onde se chegou à situação do extermínio que todos os projectos e pareceres que me foi dado conhecer exuberantemente documentam.
A discussão do regime jurídico da caça abre-se, portanto diante de um património cinegético empobrecido e de uma tradição de século e meio de relativa liberdade de caçar.
E digo relativa porque sempre escaparam algumas reservas logo impostas pela força das circunstâncias e transformadas em refúgio de caça por via do privilégio concedido aos seus proprietários.
Parece indiscutível que a liberdade de caçar só teve conteúdo em longínquas eras paleolíticas quando a caça era abundante.
A própria abundância de caça desmente o prazer de caçar que desde o começo das idades supõe uma certa escassez que a torna privilégio do caçador.
Quando a caça acabar poderão os caçadores forçar as suas liberdades, poderá a burocracia venatória proclamar os seus inúteis direitos, mas caçar, caçar a perdiz vermelha será o privilégio daqueles raros cidadãos a quem a fortuna permita chegar onde houver caça e pelo preço que ela custar, será, repetimos, um privilégio - e um privilégio de gente afortunada.
Os outros podem persistir em correr montes e vales, invadir campos e culturas munidos de licença de caça, mas hão-de regalar-se gozando o maravilhoso sol de Inverno ou divertir-se na Primavera com o balanceado cantar do cuco a marcar o tempo das suas desilusões.
É neste pendor da desgraça venatória que eu me rendo e me entrego mais uma vez à contemplação das boas re-