1416 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 79
Palestina dizem que os Samaritanos são «imundos» e «mais suja que o sangue dos porcos» a água em que eles se lavam. Como se vê, também os Judeus eram, já então, racistas. E, ainda antes de Cristo, já cheiravam mal a muita gente. E aos hebreus do Tibre vem juntar-se agora o peregrino, que, ainda mais que os outros, muita a pituitária dos Romanos, materialistas ou supersticiosos.
Sr. Presidente: A mensagem de Simão Pedro é uma proclamação de resgate. E, apesar de todos os obstáculos vai conquistando cada vez mais ampla audiência na rua e nos palácios, até mesmo na cúria imperial. As notas dominantes do novo estilo de vida são a verdade e a caridade universalíssimo e virilidade, a liberdade responsável e uma nova forma do exercício da autoridade. Sabendo, não menos que s. Paulo, «que todo o poder vem de Deus», reprova a conspiração contra Nero perseguidor ordena obediência aos detentores da autoridade, «mesmo aos díscolos», em tudo o que não se oponha aos direitos da consciência e à lei de Deus. Mas os magistrados não são senhores dos outros homens, estão ao serviço, autoridade para servir, e não para dominar. Mas com a autoridade respeita reivindica a liberdade, legítima e responsável, tão alheia a subserviências como a rebeldias. A todos anuncia a mensagem, com insistência instando oportuna e importunamente como S. Paulo e a todos certifica da obrigação de a aceitar. Mas, em caso de recusa, retirar-se, sacudindo a terra das sandálias em testemunho e deixando a cada um a responsabilidade da sua decisão.
Da virilidade de espírito é exemplo a sua atitude em Jerusalém, ao iniciar a sua missão. Enfrenta os tribunais e arrosta com as prisões, declinando com tanta humildade como firmeza que não pode deixar de dizer o que vira e ouvira, E quando os magistrados invocam a obediência para lhe sufocarem a verdade na garganta explica-lhes que digam eles «se é da obedecer mais aos homens que a Deus». Aliás, tinha ouvido e não havia esquecido o «dar a Deus o que é de Deus e a César o eu é de César». Com esta distinção dos poderes, a emancipação das consciências da tutela dois homens estava proclamada. E um dia virá o imperador, na pessoa de Graciano, enjeitará o anacrónico título de pontífice, por reconhecer que só o de César lhe pertence.
Sr. Presidente: O arauto peregrino faz saber que o homem não nasceu para ser escravo de superstições nem para dobrar o joelho diante de fantasmas ou ídolos sejam de bronze ou de carne e osso. Era o içar e subir da bandeira da «eminente dignidade» da pessoa humana. A soberba que deixou, nas termas de Caracala, a cabeça de um burro pregada numa cruz- escandalosa e blasfemo monumento do seu desprezo por «um deus» que se deixava crucificar pelos homens e tradução «racionalista» do que S. Paulo chamava «loucura do amor divino»- viria a compreender o valor da humanidade e a grandeza de servir os outros homens no sacrifício e por amor.
A vingança vai cedendo ao perdão e o ódio à caridade. E as algemas dos escravos frias, lisas e luzidias como prata brilhante, mas ensanguentadas, principiam a aquecer. E, no decurso dos tempos, chegam ao rubro amolecem e começam a estalar, É a revolução sem revolução sem violências nem estragos, a revolução ma verdade e na raridade, a revolução de dentro para fora.
Sr. Presidente Simão Pedro rompe esses particularismos estreitos e asfixiantes ou preconceitos de puritanos. Entra em diálogo com todos porque a todos foi enviado. Vai à Samaria, cismática e excomungada, reconhecer com a sua autoridade e confirmar os primeiros cristãos daquelas terras malditas. Baptiza pessoalmente o contarão Cornélio, rasgando a estrada do universalismo. E no « concilio» de Jerusalém- «o primeiro concilio ecuménico» e assembleia cujas decisões tiveram sentido e alcance ecuménicos- domina a emoção e o escândalo da admissão directa sem a enunciação, deste gentio na incipiente comunidade cristã. Já não há judeu nem gentio, grego nem romano- todos os homens são irmãos. Era a condenação de todos os orgulhos rácicos.
Assim começa e se processa a mudança de prespectiva dos valores humanos para uma remuneração espiritual e, por ela, a instauração de uma «ordem nova» que o Mantuano preconizou em sonho político e na língua do Lácio nocus ab integro nascilui ordo. E, três séculos mais tarde aqui, no extremo ocidente da Europa, ali para as bandas do Minho, um sacerdote bracarense, Paulo Osório contemporâneo e amigo de Santo Agostinho, também escritor e filósofo e teólogo da história, fazia-se [...] desta mensagem atirando aos quatro ventos uma proclamação de unidade, fraternidade e universalismo «Ser romano entre os romanos, cristão entre os cristãos e homem entre os homens».
Sr. Presidente: Em Jerusalém às portas do templo quando o paralítico lhe estendia a mão, Pedro fixou o pedinte e disse-lhe «Olha bem para nós» Nas margens do Tibre, também Pedro disse a enferma sociedade romana, moralmente anémica e paralítica «Levanta-te e anda». Não foi ouvido pelo rebanho do Epicuro, que prosseguia, de olhos fechados e a mastigar a erva dos pântanos na sua marcha para o monte. Mas nem por isso desiste, insisti. E os seus apelos foram inúteis para o futuro da Europa e da civilização.
E na hora presente, os sucessores de Pedro e nomeadamente o actual Paulo VI, não cessam de repetir e renovar apelos à Europa «Levanta-te e anda» Arranca virilmente para o retorno às lentas rompe com as veredas dos pântanos onde coaxam rãs e morrem os homens. O ouro e a prata que exiges, ameaçadora e desesperada, para matares a fome e curares todas as feridas e doenças engendradas pela miséria, podem conduzir a situação ainda mais trágica. O poder de aviltamento do materialismo é quase ilimitado. Nenhum povo inteiro morreu de fome, na história mas os impérios caem de podres. O materialismo, de enxurrada ou cientifico, planificado ou espontâneo, nunca é inocente sempre subverte [...] os alicerces.
Sr. Presidente: Destes apelos à Europa para regressar a encontrar-se e unir-se, salvar-se pelos caminhos do espírito, é concreto exemplo a proclamação de S. Bento, padroeiro da Europa, precisamente no monte Cassino, e em 24 de Outubro de 1964, por Sua Santidade Paulo VI. Mas a mensagem de Pedro não é só para a Europa. Ele fila orbi at orbi, à consciência de todos os homens especialmente à dos mais responsáveis pelos destinos dos homens. A todos repete que o homem precisa de pão, mas não vive só de pão, vale mais que o pão e mais que o pão. Falando, nos seus sucessores não convida os homens a deixaram-se definhar miséria mas clama que também se não deixem intoxicar pela avareza. Um carneiro com valor de ouro nunca será um homem. Nem conformismo, estéril e degradante nem a [...] sede de mais, mais, sempre mais, sempre mais