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17 DE MARÇO DE 1967 1531

continuará a ser a mesma nódoa indelével que as «ilhas» foram para o Porto durante anos de inoperante indecisão e de fugazes tentativas sem finalidade.
Pondo de parte as casas habitadas pelos seus proprietários, em número reduzido, os regimes de habitação naquele bairro são o de albergaria, o de aluguer até ires quartos, o arrendamento e arrendamento com sublocação.
Estes últimos comportam também o aluguer de quartos nos termos da Lei n.º 2030.
Em qualquer desses regimes domina, potencial e realmente, o quarto como unidade de habitação familiar, o que é a negação total do conceito social do lar. Na verdade, pelo inquérito a que me referi apurou-se a existência de mais de 50 por cento de famílias vivendo num único quarto e, dessas, 107 em quartos interiores.
Simultaneamente com o inquérito em curso pela Câmara Municipal, para se determinar em pormenor as condições actuais da zona-piloto, que, conforme disse, é e velho bairro do Barredo, e o seu aproveitamento futuro tendo em vista os aspectos arqueológicos e urbanísticos, e o número de famílias em condições de nela permanecerem, considero necessário e viável proceder-se sem demora ao encerramento das chamadas albergarias, a expressão mais completa da miséria habitacional, que, infelizmente, já se espalha por muitos outros pontos da cidade.
Se se conseguir liquidar rapidamente esse cancro, ter-se-á dado um largo passo na solução do problema.
Albergarias são estabelecimentos autorizados a fornecer alojamento em quartos mobilados, cujo aluguer é pago, em regra, diariamente, sob pena de despejo imediato E uma indústria altamente lucrativa, cujos preços não estão tabelados e que tem por objecto oculto a exploração da miséria daqueles que não dispõem de outra forma de se alojarem. São muitos esses ignóbeis antros e todos eles dão pingues rendimentos aos seus proprietários. Um deles, por exemplo, alberga cerca de 40 famílias, em igual número de quartos, corredores ou vãos de escada, num total de duas centenas de pessoas, esportulando o aluguer diário - só dos quartos, que não dos garfos e das máquinas de petróleo, por exemplo, pagos por fora- de 10$, em média.
Pois, vivendo parasitàriamente ao abrigo de licenças passadas pelas entidades administrativas, depois de ouvidas aquelas a quem cumpre velar pela saúde pública, só há que cancelar as licenças das que não dispõem de condições indispensáveis à habitação das pessoas, alojando-se os seus moradores em casas dos novos bairros.
Sr. Presidente Por aqui me fico no muito que haveria para dizer Acrescento apenas que nos regimes de aluguer de quartos mediante licença administrativa e nos de arrendamento com ou sem sublocação a situação é sensivelmente idêntica- uma concentração populacional excessiva, acompanhada da exploração tolerada dos menos dotados de recursos materiais.
Denuncio estas situações até porque me parece fácil remediá-las, agora sobretudo que o Governo e a Câmara Municipal vão enfrentar o problema.
Julgo urgente, dentro desta política pôr termo à abertura de novas albergarias e à concessão de licenças para aluguer de quartos em toda a zona do Barredo, indeferir os pedidos de renovação de licenças que entretanto forem caducando, salvo quanto àqueles estabelecimentos que tiverem todas as condições consideradas satisfatórias para habitação e os seus titulares idoneidade moral; alterar o respectivo regulamento do Governo Civil do Porto no sentido de se agravarem as sanções estabelecidas, que actualmente não vão além de pequenas multas, para multas pesadas e prisão por desobediência nos casos de aumento do número de quartos autorizados e para cada um que fosse encontrado ocupado além dos constantes do alvará e tabelar o preço dos alugueres, medidas estas de carácter geral, e DUO somente de aplicação aquela zona referida.
Simultaneamente, a todos os desalojados em virtude daquelas medidas de encerramento ou cancelamento de licenças seriam concedidas habitações nos novos bairros considerando-se, todavia, a situação daqueles cujo local de trabalho fosse à beira-rio, por meio de facilidades de transporte ou o fornecimento até de meios de transporte, como bicicletas, o que, aliás, já se fez numa emergência em que houve de transferir um certo número de famílias por motivo de acidente que destruiu as suas habitações, situação essa a título provisório e enquanto não lhes fosse dado regressar ao meio.
Sr. Presidente Tenho alguma experiência do meio Por lá passei muitas horas desde há anos. Ainda o não conheço nem talvez o venha algum dia a conhecer, a não ser nas qualidades e defeitos da sua gente, merecedora, não de comiseração, mas de quem a compreenda no desejo justo de se elevar socialmente Nada será possível, insisto, sem se modificarem as condições da sua habitação. O primeiro passo parece-me fácil. No espaço do Barredo, em que vivem cerca de 600 famílias, a execução do que deixei exposto e que é produto de estudo e reflexão de algumas pessoas bem intencionadas, não exigirá mais de 20 por cento das habitações que a Câmara vai construir nos próximos cinco anos Acredito que esse primeiro passo será dado sem demora. Já está a ser dado. O Governo porá, certamente, à disposição da Câmara Municipal os instrumentos legais e financeiros necessários
A lição de decisão e de capacidade realizadora demonstrada na execução da obra de extinção das «ilhas», nódoa da cidade, agora quase apagada, há-de encontrar o seu complemento natural nesses velhos bairros marginais, cujo desaparecimento não pode ser deixado aos fenómenos naturais da erosão das escarpas ribeirinhas ou às cheias do Douro.
Alonguei-me demasiado na exposição de um assunto que porventura poderá parecer, no seu particularismo, estar aquém da altura desta tribuna, da qual se debatem os grandes problemas nacionais.
Mas o problema habitacional, em qualquer sentido, dimensão ou espaço que o consideremos, é incontestavelmente um grande problema nacional Pensei, contudo, embora dominado pela paixão que o seu carácter essencialmente humano me transmitiu, não ser a habitação apenas um local onde se vive e se morre, mas acima de tudo o lar, a base material e moral da instituição familiar, em cuja estabilidade reside a estabilidade da própria Nação.
É o lar a maior aspiração do homem, ali onde se abriga, se geram os filhos, se junta a família à volta da mesa a comer o pão de cada dia, se medita no destino da vida e se sonhara os grandes ideais.
Porque não havemos de lutar para que todos os homens, todos os portugueses, tenham um lar? Uma habitação digna, base estável e permanente desse lar?

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Se o Estado não fez ainda tudo quanto poderia fazer para o conseguir, não quer dizer que o não venha a fazer, na harmonia dos grandes interesses que lhe cumpre considerar, sobretudo nesta hora em que a