17 DE MARÇO DE 1967 1527
investidos na construção de habitações pertencendo os restantes 90 por cento ao sector privado, com todas as incidências de carácter social que isso acarreta para a solução do problema das clames dispondo de menores rendimentos pois como se sabe os capitais particulares não encontram atractivo na construção de habitações cujas rendas sejam acessíveis a essas classes.
É precisamente o contrário do que sucede na generalidade dos países da Europa, em que, por razoes de ordem social o Estado toma lugar preponderante na construção, em percentagens quase inversas das de Portugal.
E para vermos até que ponto os i capitais privados pesam no conjunto basta atentar em que o saldo credor da Caixa Geral de Depósitos, em 31 de Dezembro de 1965, na rubrica de empréstimos para construção urbana, atingia 1 149 770 contos a que se deve acrescentar o montante pertencente a outras instituições de crédito e os empréstimos feitos por particulares.
Ora como os regimes de financiamento que alimentam a iniciativa particular apoiam a habitação de rendimento e de luxo e prestam muito menos atenção a de renda compatível com as possibilidades das famílias economicamente débeis ou remediadas, há, na verdade, que encontrar novas formulas que permitam uma maior participação do sector estadual ou para-estadual na construção de renda económica ou conceder atractivos ao capital privado para que se entregue também a esta espécie de construção.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr Presidente: A gravidade do problema está sobretudo em que o déficit carencial vai aumentando todos os anos por forma a tornar em breve a sua cobertura materialmente impossível, não falando já nos déficits provenientes do crescimento vegetativo, dos movimentos, migratórios em relação a determinadas regiões e de reposição do património imobiliário, pelo menos no que tem de urgente e imprescindível, atendendo não só ao envelhecimento dos prédios, como ao anseio natural de procurar uma habitação mais confortável e dotada de melhores serviços.
Segundo o censo de 1960, o déficit de carências atingia então um número demasiado elevado para que pudesse ser anulado em curto prazo, nomeadamente em Lisboa e Porto e seus aglomerados suburbanos por virtude de famílias alojadas em más condições.
O mesmo censo estimava em 580 000 as famílias vivendo em bairros de lata ou sem alojamento, em parte de fogos e em fogos superlotados.
Calcula-se que o incremento demográfico e as migrações internas provoquem anualmente a necessidade de 16 000 novos fogos, aos quais acrescem outros tantos do déficit de reposição, atendendo-se à duração média de cada prédio - 120 anos.
Por seu lado, a estatística industrial revela que nos anos de 1963, 1964 e 1965 se construíram em Portugal 21 073, 24 328 e 26 836 fogos, respectivamente o que está longe, como se vê, de satisfazer aquelas carências e necessidades.
Mais do que os capitais para fazer face a essas carências tão vultosas, falta no nosso país a definição de uma política de habitação que se integre na política de desenvolvimento geral.
Sem essa política, linha orientadora apoiada em instrumentos e executada por órgãos convenientes, todos os esforços, por mais bem intencionados, não passarão de remendos deitados aqui ou além em pano puído que se vai rompendo, quando o indispensável e urgente será estabelecer uma unidade de concepções e de comandos capaz de enfrentar os aspectos económicos, sociais e técnicos de um grave problema nacional.
Para dar ideia da falta dessa norma orientadora e da dispersão de esforços e recursos, bastará apontar que em matéria de habitação e urbanismo a competência se divide hoje em Portugal por nada menos de 6 Ministérios e 23 serviços, não falando de outras entidades públicas, como os corpos administrativos que se caracterizam, na generalidade, pelo desconhecimento uns dos outros.
Presumo não estar a dizer coisas que se não saibam e o Governo parece no caminho de as considerar como elementos negativos para a solução do problema.
Assim é que o Plano Intercalar de Fomento estabeleceu como primeiro objectivo fundamental no sector da habitação a estruturação de uma política habitacional de forma que no início do III Plano de Fomento e disponha de um conjunto de directivas e instrumentos adequados à solução mais completa do problema e para a prossecução desse objectivo propugnou, entre outras medidas, o estudo da criação e regulamentação de um órgão destinado a orientar essa política, a entrar em funcionamento com o referido Plano.
Adquirimos hoje espírito de decisão e dispomos de técnicos à altura da importância do problema Aguardemos, portanto, com confiança.
Oxalá o adiamento do recenseamento da habitação de 1968 paia 1970, como se vê de um decreto-lei publicado há dias, não seja um sinal negativo na estruturação e no início dessa indispensável política.
E a verdade é que a política habitacional já foi estabelecida no plano regional e o caso da extinção das chamadas casas de «ilhas» no Porto é bem disso exemplo - e exemplo a seguir.
Sr. Presidente: Tenho para mim que os problemas só se resolvem ma medida em que foi mós capazes de os sentir. E só os sentiremos, na raiz da sensibilidade de homens e do dever de cristãos, quando os conhecermos. Investigar o mal procurar as suas causas, para dar ao corpo doente o remédio apropriado, é dever do médico Se o mal atinge o corpo social, ou uma das suas parcelas, o dever indeclinável de o criar pertence a quem governa.
Mas não basta a percepção dos problemas. Não basta mesmo conhecê-los. Por vezes o mal é já tão fundo que só a força da consciência colectiva será capaz de criar um clima de pressão contra os obstáculos poderosos do desinteresse, da incompetência, da rotina, cobertos quase sempre pela capa cia prudência da cómoda prudência e, sobretudo contra esse espesso muro do sentimentalismo fatalista que pretende piedosamente convencer de que nos problemas sociais a pobreza evangélica se confunde com a miséria.
Nunca compreendi, por isso, a razão por que se não há-de dizer a verdade por mais dura que seja. As misérias sociais não são exclusivo de um país, mas triste património de todos os povos das mais diversas latitudes, dimensões, fortunas ou mundos quase sempre, como no nosso caso, heranças recebidas sem benefício de inventário de doutrinas e conceitos estranhos.
Pois denunciemo-las, para melhor as combater. Maior se revelará, a final, o contraste entre a sombra do passado e a luz do presente.
Porque se não há-de dizer, por exemplo, que exista em Portugal, como existe em todo o Mundo um grave, gravíssimo problema habitacional que atinge a classe média e a outra bem mais desfavorecida de bens económicos? Porque se não há-de dizer que uma parte da população vive deficientemente alojada, sem as indispen-