2702 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 147
A saúde não constitui apenas o maior bem individual, constitui, também, a maior riqueza de uma nação.
Cuidar da saúde da população é obrigação premente, é dever inadiável, é exigência que o direito do homem impõe, em qualquer campo, tanto no meio rural como no urbano e adentro de todos os níveis sociais.
Prevenção esclarecedora na despistagem precoce das doenças, facilidade de tratamento e hospitalização, auxílio na recuperação e na readaptação de diminuições físicas são trilogia da saúde pública que é instante desenvolver em todos os seus parâmetros.
Compete, dentro deste segundo aspecto, à assistência hospitalar papel primacial. Efectivamente, constitui o hospital dos nossos dias pedra angular da política da saúde. Acompanhando o progresso social, do que é, simultaneamente, reflexo e determinante, o hospital vem evoluindo através da história, tanto no campo administrativo e humano como no aperfeiçoamento das técnicas médico-cirúrgicas.
Se, primitivamente, na época medieval, apresentava características de asilo, utilizado para detenção de indesejáveis, albergue de pobres e hospício de indigentes, com a centralização do poder real modifica-se a sua estrutura pelo aparecimento de uma tendência de fusão nas diferentes instituições existentes, sendo já fruto desse espírito unificador a criação, em Lisboa, do Hospital de Todos-os-Santos. Dentro deste período e desta nova orientação se situam as Misericórdias, expoente máximo de quanto podem a bondade e a filantropia quando iluminadas por uma razão esclarecida.
No intuito de aí fazer praticar as catorze obras de misericórdia, deu a rainha D. Leonor novos estatutos à confraria de Nossa Senhora da Piedade, da Sé, criando, assim, obra imorredoura, de características próprias, que séculos fora tem perpetuado o seu nome e espalhado a jorros as benesses da caridade.
Distinguem esta instituição variados aspectos que a tornam única, sobressaindo entre eles a feição totalitária, feliz tentativa de reunir num só estabelecimento todas as actividades susceptíveis de proporcionarem o bem espiritual e físico. A esta faceta coordenadora de acentuado valor acresce o aspecto associativo, fundamentado no desejo de a todos facilitar a possibilidade de concorrerem pela sua esmola ou pelo seu tempo, pelo seu esforço ou pela sua boa vontade, para uma melhoria das condições morais ou materiais do seu semelhante.
De organização essencialmente laica e que aos leigos se destinava, enquanto irmandade ou confraria, estava inclusa e pertencia ao corpo da Igreja.
Em presença da excelência desta obra, que permitia lata penetração em todos os meios sociais - quer pelos objectivos que se propunha, quer pela grandeza da acção que realizava -, promoveu D. Manuel a sua expansão a todo o reino, onde com celeridade se difundiu. Porém, não sómente à metrópole este facto se processou, pois até à África, ao Brasil e à Índia se estendeu com brevidade tão benéfica influência, numa demonstração eloquente do alto espírito de abnegação e solidariedade humanas que norteava os portugueses dos Descobrimentos. Apesar dos reveses sofridos por esta instituição, sobretudo no século XIX, ainda em 1964, no total de camas existentes nos hospitais gerais, 62 por cento pertencia a hospitais das Misericórdias, afirmação clara da perenidade da obra, embora alguns deles carecessem, evidentemente, de reajustamento, para corresponderem às necessidades de um hospital moderno.
Se volvermos os olhos sobre a distribuição geográfica hospitalar determinada pela Lei n.º 2011, concluímos que o País se encontra dividido em três zonas, norte, centro e sul, centralizadas, respectivamente, nas três cidades principais, Porto, Coimbra e Lisboa.
Foram atribuídas a cada uma destas zonas diversas categorias de hospitais, conforme a sua localização se verificasse na sede da zona hospitalar - hospital central, na sede do distrito - hospital regional (embora alguns hospitais regionais também se encontrem em cidades não sedes de distrito), ou na sede do concelho - hospitais sub-regionais.
A hierarquia de tais estabelecimentos está em relação com a multiplicidade das suas funções e complexidade das técnicas e a amplitude do campo de acção. E, assim, que ocupam os hospitais centrais o primeiro plano, pois lhes cabem, além da assistência à região que lhes está adstrita, funções de apoio aos hospitais regionais, suprindo as suas limitações, já que comportam especialidades, das mais frequentes às mais complexas, como a neurocirurgia, a cirurgia cárdio-vascular, a cirurgia plástica, etc.
Ainda, estando alguns deles ligados às Faculdades de Medicina, desempenham funções escolares.
A nível distrital, processa-se idêntico intercâmbio entre os hospitais regionais e sub-regionais, pois, na sua orgânica, aqueles possuem já, além dos serviços de clínica médica, serviços de cirurgia, serviços de urgência, traumatologia, obstetrícia, infecto-contagiosas e muitas das especialidades clínicas e laboratoriais.
Este conjunto permite-lhes não só corresponder à maior parte das necessidades de uma assistência regional eficiente, como também orientar e preencher as deficiências dos hospitais sub-regionais, na sua maioria altamente empobrecidos, tanto em técnica como em equipamento.
Além destas funções, cabalmente representativas do valor da sua actuação, constitui o hospital regional, enquanto intermediário entre o hospital central e o sub-regional, um centro de triagem para hospitalização dos doentes no local mais adequado à sua cura.
Mercê das novas técnicas de diagnóstico e tratamento, os serviços de consulta externa ocupam nestes hospitais lugar de acentuado relevo, porque permitem evitar internamentos desnecessários de doentes susceptíveis de serem tratados em regime ambulatório, aumentando assim o número de camas disponíveis para hospitalizações inadiáveis.
Cabe ao hospital recordar-se que o doente que observa e trata constitui um todo em que é imprescíndivel considerar não só o aspecto fisiológico, mas, também, o psicológico e o social. São as manifestações deste todo que importa captar nas suas mínimas nuances, olhando o doente como «indivíduo», senhor de um contexto que lhe é próprio, uno e indiviso.
Para a alienação desta visão global do homem contribui, principalmente, a rotina, que exige, para ser destruída, um esforço constante de renovação. Como muito bem diz Gabrielle Chavent, «o diagnóstico não se limita apenas à auscultação do indivíduo, ele é uma introspecção que tem de estender-se ao meio, à colectividade e a tudo o que constitui o seu ambiente».
A ideia que a biofísica e a bioquímica poderiam solucionar todos os problemas da doença está, presentemente, ultrapassada.
Para um hospital regional, em virtude da sua já complexa e delicada orgânica e da magnitude da tarefa que se propõe, são exigidas instalações actualizadas, devendo substituir as grandes enfermarias, de uso ancestral - que traduzem não só grave erro psicológico, como social e técnico -, por compartimentos que não ultrapassem a lotação de quatro camas, onde se consciencialize o doente que não é apenas um caso ou um número mas, sim, um