2772 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 152
verdadeiramente preparou o País pura as grandes realizações da nossa geração.
Se não me enganei nesse tempo, dobrada razão terei agora para repetir a recomendação.
Sei, aliás, que não são outros os propósitos do Ministério das Finanças, mas auguro-lhe duras lutas contra os vezos criados, desde a preocupação de esgotar dotações para não as perder nos orçamentos seguintes até à existência de umas espécies do tesouros privativos que outros Ministérios, com os tempos, foram constituindo, e graças aos quais se asseguraram de liberdades de movimento que há-de ser penoso perder.
Vi um dia argutamente observado que, quando há dinheiro, só as ideias são poupadas; pois bem, chegámos à altura de espevitar ideias para fazer render melhor os dinheiros públicos.
Muita firmeza e muita prudência serão igualmente necessárias para contrariar a proliferação de soluções parcelares de dificuldades conjunturais, que bem poderão vir a formar emaranhados de expedientes perturbadores de toda a Administração. A Câmara Corporativa lá achou de fazer a sua advertência neste sentido no tocante aos adicionais a colectas: eu quero lembrar a desordem em que se vão processando diversos meios de suprir aos baixos vencimentos de funcionários. Consta que numas partes se cancelem abertamente dispensas de metade do tempo de cada e ia, para que as pessoas - assim mesmo se teria dito - possam ir ganhar fora aquilo com que o Estado não lhes chega, ou resignadamente se fecham olhos a ausências significativamente prolongadas; que noutras se têm encomendado serviços, pagos suplementarmente como actividade livre, a quem devera desempenhá-los no quadro das funções exercidas; que departamentos com mais autonomia ou imaginação tiram serventuários a outros, pura e simplesmente, com os engodos de melhores pagas; quando assim não sucede, vemos o florescimento de organizações internas de solidariedade, com variados âmbitos e variadas amplitudes de subsídio, que por modos diversos supremas insuficiências das tabelas; e não sei que mais estratagemas se inventaram ou inventarão para obviar à alternativa de deserções totais, embora no risco de as substituir por trocas de situação. Ainda ultimamente foi autorizada apreciável melhoria aos tesoureiros de corpos administrativos, deixando inalteradas as remunerações dos chefes das secretarias, mais carregados, sem dúvida, de responsabilidades o de trabalhos; não se provocarão mutações por igual inconvenientes?
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Eu não condeno estes processos que se terão imposto como recursos indispensáveis; mas pergunto se o que eles acabarão por custar, em desembolsos disfarçados, mas não menos reais, em quebras de rendimento, em desmoralização de funcionários e perdas da autoridade dos seus chefes, em rivalidades e confusões, não virá a exceler o preço de medidas mais gerais, mais equitativas e irais claras. Compreendendo e respeitando os imperativos Ia emergência, não é todavia este o tipo de ideias novas que preferiria ver desenvolverem-se.
Oxalá a reestruturação dos quadros do funcionalismo, que a proposta contempla, possa ser concluída a tempo de dar à universalidade dos servidores do Estado as justas melhorias que todos aplaudiremos, que todos cremos indeclináveis, embora haja de considerar-se, e começar para tanto a preparar interessados e circunstantes, que essas não poderão ser a extrapolação automática das condições anteriores, mas sim as adequadas às novas necessidades, aos novos instrumentos de trabalho e aos novos conceitos da maior utilidade social. A não se poder andar depressa, é muito de temer que deteriorações progressivas minem a velha orgânica, cujos 33 anos de idade parecem multiplicados pelas profundíssimas transformações de ideias e actividades entretanto processadas, a minem a pontos de nem ficarem alicerces firmes para o novo edifício, cuja traça bem diferente não poderá, todavia, deixar de assentar igualmente na harmonia das exigências dos serviços com a satisfação das pessoas em razoável medida - mas medida do seu tempo.
No alude das exigências desabando sobre o erário, que às maiores simplesmente não pode fechar-se sem comprometer imperativos essenciais da Pátria, será apenas humano sobrepor a todo o transe o provimento dos cofres nacionais às aspirações das autarquias, sempre desfocadas pela distância do Terreiro do Paço.
Isso dará renovada acuidade ao problema da repartição da carga tributária entre as administrações locais e a central.
Já em 1929, ao introduzir a notabilíssima reforma fiscal de então, e a propósito de ser diminuída a percentagem limite dos adicionais para os municípios, se afirmava ter sido necessário poupar o contribuinte para as necessidades do Estado. A singeleza, o primitivismo da vida provinciana do tempo, que media bem cerce as aspirações e as continha num quase desconhecimento do mundo, reduzindo os povos ao fácil contentamento de não terem o que ignoravam; com a confiança na capacidade imensa que viam dedicar-se ao bem público fizeram aceitar sem maiores sobressaltos o corte que bem depressa mudou de sentido, no avolumar da colecta global e nas crescentes participações do Estado em melhoramentos locais, como no fomento geral que se estendia até mais perto das vilas e das aldeias.
Bem outro seria agora, porém, o efeito de regressão paralela, se acaso é de conceber.
Às populações aprenderam, pelas variadas informações que passaram a chegar-lhes, e avidamente sorvem, quanto lhes falta e quanto podem apetecer; e nunca será de mais repetir que tê-las familiarizado com possibilidades de progresso, rompendo as negações da antiga impotência, é outro, crédito da política dos últimos decénios, ainda quando despertou mais fomes do que conseguiu saciar.
Mas essas fomes - de higiene, de conforto, de embelezamento dos ambientes, de comunicações mais fáceis, de tudo quanto a civilização conquistou e divulgou para tornar por acção colectiva menos ásperos os caminhos da existência - lá estão vivas, e não poderá afastar-se-lhes a esperança de acederem ao banquete do progresso sem risco de fazer nascer das profundidades do corpo social arrancos de impaciência capaz do discutir todos os impedimentos e pôr em questão as mais respeitáveis razões deles.
E é o principalíssimo problema da conjuntura que atravessamos, de modo nenhum deixar pôr-se a opção entre os frutos directamente tangíveis da administração pública e aqueles outros que só por figuração da inteligência se avaliam completamente!
A melhoria do bem-estar rural, devidamente incluída na programação financeira para o ano de 1969, depende da acção dos municípios com auxílios do Estado e pressupõe, portanto, intervenções deste e capacidade daqueles.
Tais como o Estado, na sua esfera própria os municípios debatem-se com solicitações crescentes, correlativas da evolução geral, e para as satisfazer têm de concorrer com o Estado à bolsa dos contribuintes.