DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 163 2950
muitas vezes quando só dá por ele já tudo está perdido.
Há que preservar o que herdámos para que o possamos transmitir intacto aos nossos filhos e estes aos filhos dos seus filhos. Mesmo correndo o risco de banalizar o meu apelo, faço-o. veementemente, pela doutrina, a verdadeira doutrina de Deus; pela continuidade, sem desvios, da Pátria, e pela firme consolidação da Família. Assim, continuaremos Portugal!
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Cutileiro Ferreira: - Sr. Presidente: Évora, a capital do distrito que me elegeu para esta Câmara e que eu, pobre de mim, tão mal tenho servido, tanto por culpas próprias como alheias, bem merece, ao menos uma vez, a atenção do Governo da Nação para o que desta tribuna se pede, com justiça, em seu beneficio.
Começarei as minhas simples palavras por referir que Évora já existia como cidade antes de Portugal ser Nação.
Desde a mais longínqua antiguidade, referenciável pela ciência, que Évora foi sempre centro e pólo de atracção e irradiação. Os seus monumentos, desde as idades mais recuadas, são ainda hoje visíveis e imponentes. Há dezenas, centenas até, de dólmanes ou antas. Há o cromlech dos Almendros. Há os crastos de Montemuro e S. Bento e as grutas do Escoural. Há os vestígios, mais recentes, dos Godos, dos Romanos e dos Árabes, sem esquecer outros povos que por Évora passaram, por lá viveram r por lá deixaram os seus vestígios.
Évora, todo o Alentejo aliás, é um vasto repositório de passadas civilizações, de cujo espólio se têm enriquecido muitos museus, tanto nacionais como estrangeiros.
Região predominantemente agrícola, há por toda a parte vestígios que bem atilam a preocupação dos seus habitantes, em todas as eras, de tirar da terra o máximo rendimento. Quando, na época presente, se fala em reconversão agrária é curioso lembrar que já os Romanos e os Árabes nos deixaram vestígios de trabalhos de irrigação. O Alentejo já foi, em relação a épocas pasmadas, a que, pretendemos que ele seja no futuro. No distrito de Évora se desenvolveu a pecuária em termos tais que certas raças, hoje consideradas como o supra-sumo da técnica, são de lá originárias. Mesmo em aspectos hoje considerados ultrapassados e antieconómicos o meu distrito deu leis. Quero referir-me, Sr. Presidente, à criação de equídeos, que no tempo da dominação romana criou os melhores corredores do célebre hipódromo da cidade de Mérida. O distrito de Évora já teve produções que hoje se consideram impossíveis ou, pelo menos, pouco rentáveis. O linho, por exemplo. Ainda em certas casas que conservam bragais de antanho se encontram peças de linho regional que o tempo não conseguiu destruir. Évora foi, desde sempre, centro de uma região que mereceu as atenções das povos e seus governantes. Desde sempre . . . sim! Mas nem sempre. Adiante explicarei esta afirmação. Quando Portugal nasceu, e Évora já existia como cidade importante, foi preocupação do nosso primeiro rei a sua conquista. Conseguida esta, pela ajuda de Giraldo Giraldes - o Sem-Pavor - , jamais Évora deixou de ser, no rodar dos séculos, um valor positivo da Nação Portuguesa.
Celeiro de Portugal. Alfobre de guerreiros, defensores da Pátria e dilatadores da Fé e do Império, o distrito de Évora, tem sido sempre uma fonte inesgotável de valores onde matam a sede, por maior que seja, todos que pretendem o engrandecimento de Portugal.
De lá partiram as hostes do Salado. De lá saiu a Ala dos Namorados, lá viveu Vasco da Gama, lá nasceu S. João de Deus, lá viveram Garcia de Resende, mestre Gil Vicente e tantos outros que todo o tempo de uma sessão desta Assembleia não chegaria para os citar.
Com a criação da sua Universidade, pelo cardeal D. Henrique, a projecção de Évora atingiu o auge. Professores de reputação universal lá ensinaram e lá escreveram obras que, ainda hoje, são citadas e consultadas. No funesto período filipino foi de Évora que partiu o primeiro grito de revolta. Em 1637 a população, reagindo ao invasor, lançou a semente que germinaria em 1640.
Com a guerra da Restauração, Évora sofreu assédios e devastações. Os seus campos foram talados e a sua economia começou a decair. Quando, no Governo de Pombal, foi encerrada a Universidade, por falta de corpo docente - a Companhia de Jesus -, Évora e seus termos sofreram ainda o rigor de outras medidas tomadas: o arranque dos seus vinhedos, para defesa da região duriense. Caímos, assim, e forçadamente, no regime da monocultura, que, mau grado nosso, tem dominado até aos dias presentes. Estava criado o clima que levava o distrito de Évora à situação inglória que não lhe convém. Depois, a desgraça continuou a perseguir-nos. Primeiro as invasões francesas, que nos custaram milhares de vidas e vultosos bens perdidos; mais tarde as lutas liberais, com suas guerrilhas, que dividiram as populações em dois campos francamente hostis. A economia da região foi a principal vítima e, com ela, as populações pouco densas, mal preparadas, desacompanhadas dos Poderes Centrais e sem um estímulo forte, que as guiasse. Deu-se então uma invasão, pacífica é certo, mas invasão, do distrito de Évora por pessoas de outras províncias, e muito especialmente de Lisboa. Com a venda dos bens dos proscritos das lutas liberais e dos bens das comunidades religiosas ascenderam a proprietários da terra, no meu distrito, os primeiros abstencionistas. Se é certo que alguns se ligaram à terra, muitos outros apenas a exploraram sob o regime do arrendamento. Destes malefícios ainda hoje sofremos, e sofremos dolorosamente.
Nos fins do século passado e começos deste século esboçou-se uma política de desenvolvimento rural, que foi, seja dita a verdade quase efémera. Ainda se tentou o regresso à cultura da vinha, mas o aparecimento da filoxera deu-lhe o golpe de misericórdia. Houve autênticos heróis nesse surto de renovação, mas poucos conseguiram sair vitoriosos. O Alentejano, contra o que se diz muita vez, é persistente, teimoso até, e progressivo. Lá se ensaiaram os primeiros adubos químicos e as primeiras máquinas agrícolas, mas, salvo raras e honrosas excepções, o nível intelectual, que baixara desde o encerramento da sua universidade, não estava à altura das técnicas a usar. A vontade só por si não basta. Verificada esta lacuna, os homens do meu distrito lançaram-se, tanto quanto as condições económicas o permitiam, à frequência das escolas superiores. Hoje, embora em número ainda insuficiente, já tomos técnicos qualificados. Surgiram, entretanto, novas facetas nos problemas do meu distrito. Há problemas económicos e sociais que requerem novas técnicas e novos conhecimentos. O amadorismo é fatal e só conduz a falsos resultados. Há, evidentemente, excepções à regra, mas porque são excepções não emitam grandemente no conjunto.
Temos, pois, Sr. Presidente, depois de sucintamente ter referido o que Évora e o seu distrito foram, e são, que solicitar, mas solicitar com o firme desejo de ser atendidos, as providências mais prementes que facilitem e possibilitem o desenvolvimento que todos, sem excepção, desejamos para a nossa região. Há, antes dê tudo, que