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7 DE FEVEREIRO DE 1960 3117

Não convém a Portugal, com a população que tem aqui e com os seus extensos e diferenciados territórios, nem convém ao Brasil, deixar que a língua se diversifique.

As tentativas decorrentes de acordos celebrados entre ou dois países não tem dado na verdade, todo s os resultados esperados. É preciso continuar nós por agora, somos ainda mais interessados que o Brasil, mas nas províncias ultramarinas estão a crescer e virá o dia em que o interesse será idêntico.

E ainda no que se refere ao português falado, não é altamente vantajoso impedir que se agravem as diferenças que os sangues, o clima e as maneiras de viver vêm acentuando.

Os estrangeiros compreendem melhor o português do Brasil que o daqui e há províncias do nosso ultramar cuja pronuncia se aproxima da maneira de falar da grande nação brasileira. Não deverá tentar-se que a língua falada continue também a ser a mesma? Que grande arma Sr. Presidente, para o futuro da Brasil. assim ligado à Europa, e para o futuro de Portugal, assim ligado às Américas, na sua perene trajectória do Minho a Timor!

Vozes: - Muito bem. muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Armando Cândido: - Sr. Presidente: Por mais que me tenha habituado a esta, tribuna jamais me habituei à ideia de a usar no sossego que poderia decorrer do facto de ter experimentado tantas vezes a mesma situação de responsabilidade. Para além da natural medida, houve e há sempre em mim um especial apuro de consciência.

Por mais força, entusiasmo ou devoção que em qualquer tempo ou em qualquer lugar tenha posto na palavra escrita ou na palavra falada nunca deixei de pensar muito que disse e no que escrevi, não com o propósito de me compor para a História, mas com o sentido de ser digno da História, que não é só registo e interpretação dos homens de génio, mas ainda tombo da presença e da atitude dos homens comuns, sem os quais os próprios génios não subiriam, como sobem os degraus da notabilidade.

No entanto, sempre que me disponho a usar da palavra na tribuna da Assembleia Nacional sinto que lhe devo assinalável respeito - um respeito que me inquieta por nunca saber se o cumpro todo quer na obediência ao que ela por sim mesma exige, quer na admirarão a tributar aos que por aqui passam e tem passado, deixando sinais que me despertam o receio de os macular, até com a simples vulgaridade dos termos e das imagens.

Isto tem sucedido e sucede, qualquer que seja o tema proposto.
Hoje, então, que se trata, da língua portuguesa, de falar na nossa língua, e da nossa língua puni a exaltar e defender, sinto a angústia de quem tem os pés no chão e quer apanhar estrelas para as entremear nas palavras e emprestar-lhes o brilho que não tem.

O Sr. Araújo Novo: - Não apoiado!

O Orador: - É certo que nasci e vivi numa terra onde o português corre em
verdade Sai da boca do povo como a água da nascente - sem um cisco.

Também sei que dentro dos acanhados limites da minha velha propensão para as letras as tenho alimentado, quanto posso, com a seiva do vernáculo, não com a avidez de quem explora o filão dos arcaísmos para os usar em tom mais rebuscado do que opulento, mas com o admissível interesse de quem estima ser entendido pelo verbo castiço, não isento do tempero do meu modo de ser e simples na sua simplicidade forte.

Ainda assim, não estou tranquilo, pois o acto de falar na Assembleia Nacional acerca da língua portuguesa, e sobretudo, a favor da sua integridade, junge-me ao intenso dever de falar em português de lei sob pena de apoucar a defesa que se impõe com a defesa que me proponho.

Sr. Presidente: A iniciativa deste aviso prévio, com o qual pretendem os seus autores, ilustres Deputados a esta Assembleia, criar um sistema de protecção eficaz, à língua portuguesa, para que ela não se deteriore e untes se revigore, regressando à sua pureza, de modo a ser usada como merece e o requer a nossa condição de portugueses, por mais difíceis ou mais custosos que se apresentem os fins a atingir, terá de ser amplamente compreendida e atendida.

E mais vale contar com as arestas da complexidade do problema do que confiarmos demasiado nas palavras da sua razão.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Não é pelo valor da língua, que esse por ser tanto, até trasborda de riqueza. Mesmo no seu poder de brevidade para exprimir seja o que for pois "entre as mais", no dizer de frei Bernardo de Brito, "é a que em menos palavras, descobre mores conceitos e que com menos rodeios e mais graves termos dá no ponto da verdade".

É pelo processo de abastardamento estrago em que desde há muito vivemos, importando vocábulos à lei da moda adoptando expressões a força de as ouvir, tudo acrescido e, agravado pelo avassalante progresso das comunicações em geral, o ponto de o Mundo se tornar tão pequeno que já não temos quase vizinhos de ao pé da porta, tudo são portas abertas e tudo são vizinhos das portas todas. O próprio ar tornou-se o maior veículo da informação, da notícia dada em todas as línguas, e o que é pior, da novidade oferecida em qualquer feitio.

Já o nosso grande Camilo - esse extraordinário Camilo de "grada autoridade" em assuntos de são português - advertia que "toda a velha legislação da linguística extremadamente lusa dos Sonsas e Bernardes e Filintos" fora "derrogada a par e passo que as ideias de coisas novas multiplicadas se sentiam cativas e inexpressáveis no agorentado círculo da velha ciência, da velha arte e dos acanhados panoramas da vida antiga".

Sigo-lhe o texto, saboreando-o, para melhor o apreender e fixar.

Tudo já agora nos move a indugenciar a contextura afrancesada da frase indígena, porque insensivelmente e contra vontade nos surpreendemos a pensar em francês, pelo reflexo dos livros elementares da nossa educação literária e da nossa conveniência intelectual e recreativa com franceses. O termo "galicismo", este monstro, está a ser fechado no arquivo das caturreiras arqueológicas de alguns castiços veteranos, adidos ao paládio dos quinhentistas. Não são esses, todavia, os que hão-de ligar ao oiro puro da dicção portuguesa a contribuição de vocábulos que a opulentem e equiparem às linguagens de que de dia em dia auferimos a nomenclatura das artes, das ciências, dos ofícios. Afora isso a literatura propriamente dita, como o drama, a novela contemporânea, para que sejam do seu tempo, carecem de ferir a nota moderna, a palavra peregrina, de sabor estranho, picante, onomatopaica, para que se faça bem exprimir o nosso cosmopolitismo psicológico.