DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 114 3120
língua portuguesa, isto não obstante serem notáveis alguns dos trabalhos sadios do seu Centro de Estudos Filológicos, e ser louváveis e mesmo única a sim acção no plano externo pelo ensino do português em Universidades estrangeiras, nas quais, aliás, nem sequer não conseguiu acertar o passo, creio eu, com os leitores brasileiros, que esses já se considerariam, relação a nós portadores de outros valores de cultura ou pelo menos de outras formas de expressão intelectual e literária.
Não é por teimosia que fico na minha, mas a sugestão do Sr. Deputado Peres Claro conduziria exactamente à ineficácia, á inoperância e ao apagamento do que julgo pretender-se na utilidade e na economia deste, aviso prévio. A língua portuguesa tem dimensão bastante para ser considerada em si mesma, sem o apoio da cultura. que tem outros horizontes mais largos, sim. mas menos determinados.
Se nos fosse permitida uma pequena cilada, nós levaríamos apelo até ao nosso leader que há dias ouvimos nesta tribuna, com altíssima dignidade e no apogeu de todos os seus méritos, invocar a sua, formação clássica, que nós sabemos ser, sem desdouro de ninguém, a mais esclarecida e, expressiva desta Câmara.
Pois que o nosso leader actue junto do Governo no sentido de que não morram nos arquivos as pálidas noções com que em geral terminam os avisos prévios.
Diga ao Governo, Sr. Deputado Albino dos Reis, que nós viemos aqui limpos de coração e isentos ,de quaisquer interesses, pedir apenas que seja criado um organismo no nível da civilização, que defenda a língua portuguesa e defendê-la não é colocá-la debaixo de nenhuma redoma, nem entregá-la a nenhuma categoria policial, que promova, a expansão da língua portuguesa - e expandi-la e dilatá-la na pureza e na beleza, tê-la em contacto com outros modos de falar, deixá-la mesmo ser língua-mãe, mas umas... defendê-la da ignorância, da petulância, e disparate, da facilidade com que se assimila hoje tudo quanto vem da informação externa e da publicidade interior, defendê-la e expandi-la por uma acção constante e contínua para a qual, hoje ninguém, nenhum organismo de direito público ou privado, tem entre nós, poderes legais, condições científicas ou meios materiais de levar adiante esta missão isto é, de zelar devida e, eficazmente por este fundamental aspecto do bem comum.
Não há, repito, nenhum organismo especificamente destinada a esta missão no ensino, em qualquer dos graus, ensina-se, faz-se que se pode e creio que por virtude de muitas circunstâncias, se vai podendo cada vez menos nos centros de estudo e de investigarão filológica, o campo de actividade é naturalmente e do plano desinteressado da ciência pura eles são sim, fundamentais, alcançam, porém, um escasso circuito de estudiosos e a sua penetração maior terá ainda, o que não é nada pouco, no terreno da convivência - científica internacional; as sociedades privadas que se consagram ao estudo da linguagem vivem do amor de uns tantos e só de muito poucos são conhecidas e acarinhadas (ainda há dias aqui se salientou que a Sociedade de Língua Portuguesa nunca conseguiu o reconhecimento de utilidade publica nem os magros benefícios que desse reconhecimento lhe adviriam): as academias, essas vivem alcandoradas na imortalidade, mas, como se vai cada vez intuir acreditando na imortalidade, mesmo na das academias nem sequer de lá saiu ainda o dicionário da língua, que é o fundamento da existência de uma delas, e isto se diz sem menosprezo do muito trabalhos que a essa tarefa já tem sido dedicado.
Falta, portanto, alguma coisa de grande, dinâmico, poderoso e forte que possa suprir todas estas gravíssimas deficiências de que todos somos culpados neste grande banco dos réus em que há dias com justa razão, nos sentou o Sr. Deputado Tinto de Meneses.
Talvez por um mau espírito académico não logrou a defesa da língua inserir-se, em 1951 no texto constitucional, e a esta Câmara cabem algumas responsabilidades ao negar o seu voto à tal inserção . Mas nem por isso o Governo está isento dessas obrigações e bem elas lhe são apontadas nos Decretos n.ºs 17 930 e 18 281, entre outros que ao governo consignam essa incumbência de zelar pela pureza e pela defesa do idioma pátrio.
Mas o Governo tem do ter os seus instrumentos de trabalho, e quando esses se minimizam por falta de poder legal, se atrofiam por falta de coordenação ou se desinteressam por carência de meios materiais, a obrigação do Governo fica em choque a responsabilidade é de todos e de ninguém, mas a autoridade declinou e com ela os valores e os bens que lhe estavam confiados.
Só um organismo de alto nível, de real e concreto poder de insofismável autoridade e de obrigatória aceitação e obediência pode superintender, coordenar e decidir em todas as actividades respeitantes à defesa e à expansão da língua portuguesa, perdoa-se a minha obstinação em considerar defesa à expansão não duas coisas opostas mas, juntas, uma ideia fulcro da nossa civilização. uma força - matriz da nossa cultura.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não faltam ao alcance do Governo romanistas, escritores linguistas, humanistas gramáticos, filósofos e homens de ciências com os quais se constitua e organize esse serviço de salvação pública, que virá a ser a defesa do único bem inalienável deixado pelos nossos maiores e perante o qual nenhuma força foi, é ou será capaz de nos aniquilar.
Em tempos antevi esse organismo à escala supramacional, isto é, imaginei-o comum a Portugal e no Brasil, e, pontencialmente ainda hoje ele poderia ser concebido deste modo, o mais poderoso e resistente elo da cadeia em que se forjou e se funde a comunidade luso-brasileira. Não é isso impossível, vejo porém as dificuldades e para já o problema é nosso, nosso aqui na metrópole, nas ilhas e no ultramar, nas terras onde vive gente do nosso sangue, nos países onde devemos confirmar e esclarecer, pela pureza e pela beleza da língua, o sentido da nossa civilização e a ordem da nossa cultura, ou seja a nossa razão de ser, a nossa razão de estar no Mundo, com a audácia de que não desistimos e com o orgulho de que não abdicamos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: Como aqui em tempos foi lembrado pelo Sr. Deputado Mário de Albuquerque, não é isto mero assunto filológico, mas um primordial problema de direito público.
Tem o Governo à sua frente um homem que além de todas as suas múltiplas virtudes e qualidades é um humanista, um escritor, um mestre com cátedra assente na sua Faculdade e audiência no conjunto organizado da terra portuguesa e, como se tudo isto não bastasse cabe-lhe o direito e o dever de ser agora o regente de todo o interesse nacional, o defensor do bem comum!
Fopi por assim o entender que há dias aqui lancei a sugestão de que o serviço público de defesa e expansão da língua portuguesa fosse colocado sob a égide, inspiração directa e modalidade de organização do Prof. Marcello Caetano. Não queremos acrescentar preocupações às muitas que já terá mas, por honradez, diremos que os seus