3484 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 191
económicos do que os sociais. Não refiro isto com intenção de criticar seja quem Cor. Verifico um facto que, em larga medida, reputo natural. E quando se suscitam problemas de índole social, a tendência é para os encarar nos aspectos genéricos da previdência ou da assistência e não propriamente nos que mais se ligam com o trabalho dos homens, das mulheres e dos menores, na multiplicidade e complexidade das suas implicações, desde o horário e o salário às relações humanas, às férias, à prevenção de acidentes a doenças profissionais, ao emprego, etc.
Ao tomar, por dever de cargo, em 1956, a iniciativa da instituição das federações das Casas do Povo, depositei nelas grandes esperanças, que, infelizmente, não vieram a materializar-se com a amplitude prevista. Afirmo-o com mágoa, mas sem desprimor para a generalidade dos seus dirigentes, que lograram, por vezes, resultados positivos, mas não no campo de acção que mais interessava explorar, e que fora, afinal. o que mais pesara ao fomentar-se a criação desses organismos corporativos.
Com efeito, uma das principais determinantes de tal criação foi a de assegurar, nas zonas rurais que ainda estavam privadas de assistência médico-social por não terem Casas do Povo, essa assistência em condições aceitáveis. Deste modo se esperava ainda estimular a instalação, em ritmo vivo, de Casas do Povo em todas as regiões agrícolas.
Fosse por virtude de circunstâncias menos favoráveis verificadas em anos sucessivos de preocupações políticas e sociais, fosse pelo peso de condicionalismos locais insuperáveis, ou fosse ainda por quaisquer outros motivos, o certo é que as federações acabaram por se dedicar a outras actividades menos relevantes, algumas das quais, porventura, ir adequadas à sua finalidade.
Esta verificação, entre outras razões, levou-me a não hesitar na concordância que dei, com outros Deputados, ao parecer da Câmara Corporativa sobre a proposta de lei da reforma de previdência, na parte em que preconizava a progressiva integração dos trabalhadores rurais nas caixas. Dentro c o mesmo espírito, votarei agora as normas propostas pelo Governo tendentes à integração progressiva desses trabalhadores em tais instituições. Assim, as federações da;. Casas do Povo deixarão de ter competência no que respeita às actividades fundamentais ou complementares cia previdência, o que vai permitir-lhes consagrarem-se aos aspectos que mais as devem ocupar.
Também no domínio da representação profissional - e é o que mais interessa ao caso - as federações pouco puderam fazer, desde que, em 1957, lhes foram conferidas atribuições para estudar os problemas do trabalho agrícola e negociar convenções colectivas com os correspondentes organismos patronais.
Apesar disso, penso haver vantagem em anuir à proposta do Governo, na parte em que visa reforçar os poderes de representação profissional das federações das Casas do Povo. Será mais uma tentativa que, a não resultar, dará tempo a que se definam condições mais favoráveis à criação de sindicatos regionais, reunidos em federações, que, por sua vez, representem o trabalho agrícola, de r iodo autêntico, na Corporação da Lavoura, e nela, em paridade com as entidades patronais, façam ouvir a sua voz e prestem concurso válido à apreciação e resolução dos problemas económicos e sociais do mundo rural.
Também em relação às Casas «In Povo poderá dizer-se que, salvo raras excepções, não exerceram, na medida desejada, a representação dos trabalhadores rurais. Tem sido apontada como causa dessa deficiência a concentração, em tais organismos, de funções de diferente natureza, que não poucos consideram inconciliáveis, mormente no tocante à cooperação social e à representação profissional.
Acresce que esta representação envolve o estudo e sofre a incidência de aspectos que não se circunscrevem à área limitada da Casa do Povo, o que, além do mais, conduz a um enfraquecimento da acção sindical.
Por outro lado - diz-se ainda -, no âmbito local, é difícil para os dirigentes das Casas do Povo, uns proprietários e outros trabalhadores rurais, debaterem com à vontade e independência as questões do trabalho.
Apesar de tudo, a proposta de lei declara as Casas do Povo organismos de representação profissional.
Penso, todavia, que as atribuições na proposta de lei chamadas de representação profissional se não revestem, de facto, de tal natureza, ao contrário de algumas que, como as relativas à celebração de convenções colectivas de trabalho, se conferem às federações.
É certo que a proposta de lei prevê a criação nas Casas do Povo de comissões para a representação profissional, mas isso em nada altera o meu ponto de vista, dada a índole dessas atribuições, que são, além disso, meramente acessórias ou complementares.
A este respeito, a Câmara Corporativa entende que não são necessárias as comissões de representação profissional previstas na proposta de lei. «Tais comissões - diz a Câmara - seriam mesmo inconvenientes, reconduzindo ao plano dos organismos a colisão de funções que se pretende evitar».
Ora, não parece que esta afirmação tenha razão de ser, pois a autonomização ou sectorização, num órgão específico, de atribuições de interesse para a representação profissional pode concorrer para atenuar essa colisão, tanto mais que a elas só pertencerão trabalhadores agrícolas subordinados. Penso que, adentro da estrutura e da lógica interna da proposta de lei, nada se perde e alguma coisa se lucrará em manter as comissões de representação, as quais poderão, se forem constituídas apenas por trabalhadores da terra, dar cooperação útil às federações. Tudo está em que estas a queiram e saibam estimular. Será mais uma tentativa a fazer e que, quaisquer que sejam os resultados, se revestirá de interesse numa fase de nítida evolução daquele outro problema de fundo ligado à ideia de uma representação diferenciada de base sindical - que não sindicalista.
Vêm-me à memória, a propósito, as palavras que, em 1958, no desempenho de outras funções, dirigi aos proprietários rurais. Ao verificar que não se davam conta do alcance inerente à estrutura orgânica das Casas do Povo, emiti o voto de que tivessem bem presente no espírito este dilema:
Ou Casas do Povo ou sindicatos. Ou Casas do Povo activas e prestigiadas, onde proprietários e trabalhadores se encontrem e se compreendam, ou sindicatos onde apenas os trabalhadores, preparados ou não, tentem a defesa dos seus interesses.
Quando se força o caminho para aproximar, no domínio da previdência, os trabalhadores da terra aos do comércio e indústria, há-de também começar a pensar-se em dar-se-lhes a possibilidade de pies próprios se organizarem para a defesa dos seus interesses legítimos, não movidos pelo espírito de luta de classe, mas pelo propósito de cooperarem com as entidades patronais, tendo sempre um vista o bem comum.
Vozes: - Muito bem!