DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 49 1024
tiveram influência dominante na formação do seu pensamento político. Hás as primeiras sobrepuseram-se ao último. Não esqueçamos que foi ele o fundador e o animador do Centro Académico da Democracia Cristã, em Coimbra. No Congresso do Centro Católico, realizado em Lisboa no ano de 1922, o Doutor Salazar apresentou uma tese sobre «A natureza, a finalidade, a função religiosa e a política social do Centro». Um jornalista contemporâneo notava neste «monumental trabalho», segundo a sua própria expressão, «um rigor, uma previsão e uma exactidão inexcedíveis». Para Salazar, inspirado pela teocracia tomista, «as multidões deviam gozar de todos os direitos, mas sob a disciplina católica».
No entanto, o programa da contra-revolução estava patente em muitas das suas opções doutrinárias. Decerto, es leituras de Joseph de Maistre, para o qual a ideia de Deus se encontrava no centro de toda a filosofia da história, de Fustel de Coulanges, o autor de La Cité Antique, e, sobretudo, Charles Maurras devem ter influído poderosamente mo seu espírito. Com tal evidência que um adepto da Acuou Fironçaise pôde afirmar:
Sim, estos ideias são as nossas; mas ei-las aplicadas, realizadas, por um homem que governa, encarnadas numa- experiência actual, inscritas numa história viva.
Estas ideias podem assim sintetizar-se: Na ordem político - afirmou o Prof. Salazar - a primeira, realidade é a existência individual dia Nação Portuguesa; um Estado farte a servir-lhe de esteio, mas limitado pela moral, Estado «profundamente nacionalista, popular mas mão demagógico, representativo mas antidemocrático»; antiparlamentarismo consequente negação dos partidos como representação das correntes de opinião e até mesmo responsabilizados pelo enfraquecimento da unidade nacional; câmaras com a atribuição exclusiva de fiscalizar os actos do Governo, elaborar as leis e trabalhando apenas o tempo indispensável...; um Poder Executivo indepemdete, estável, com prestígio e forca, completamente alheio a sugestões parlamentares; reestruturações dos grupos em que se consubstancia a vida nacional: a família, as corporações morais e económicas, as federações e os confederações, atribuindo-lhes uma função mareante e activa na vida política da Nação.
É compreensível que, numa revolução em mancha, revolução não na rua, mas na maneira de pensar revolucionàriamente - como já havia observado Massis -, estes princípios foram-se acomodando ao fluir dos acontecimentos e às reações que foram suscitando. Como sublinhou um nosso colega mesta Assembleia, o Deputado Franco Nogueira, «era intransigente nos princípios, mesmo que pudesse correr risco de destruição; mas era flexível na táctica e subtil na mudança de rumos».
Sob a égide incontestada do Prof. Salazar, a Nação Portuguesa viveu desde 1928 a 1968 um período de tranquilidade, embora afastada e isolada do movimento de renovação europeia, acentuado no decénio de cinquenta. Criou-se, naturalmente, com a vinculação de uma personalidade como a do então Presidente do Conselho, uma adesão aquelas ideias por ele simbolizadas, um estilo de relações humanas e de subordinação política, uma corte de partidários sinceramente convencidos da perenidade da sua linha doutrinária, um culto que poderemos designar como o de salazarismo e que provavelmente ficará inscrito com este nome nos anais da, nossa história. Em alguns sectores da opinião pública, só o pensamento político de Salazar, aliás perfeitamente definido e condensado pela sua pena de brilhante ensaísta, constituiria a solução exequível dos nossos problemas fundamentais e da nossa sobrevivência nacional.
Temos, porém, de reconhecer, como foi muitas vezes lembrado, que tonto a formação política do Prof. Salazar como as êxitos da realização do seu sistema de governo, isto é o salazarismo, se inseriam no contexto nacional e europeu, em resposta a um momento de perturbação, digamos mesmo de desordem, provocado pelas consequências económicas e sociais das duas grandes conflagrações mundiais. Quanto à situação propriamente portuguesa, o Prof. Salazar teve ocasião de dizer que a ditadura militar sucedia «a uma das maiores desorganizações que em Portugal se devem ter verificado na economia, nas finanças e na administração pública». Esta desorganização, podemos acrescentar, em homenagem a serenos juízos da História, não era tonto motivada por culpa ou corrupção dos homens que nos governavam, mas pêlos vícios institucionais do sistema que eles representavam. A maior parte dos estadistas republicanos notabilizou-se pelo seu ardente patriotismo e por uma impoluta honestidade e desinteresse ao serviço da Nação.
A. medida que o condicionalismo político do regime anterior ao 28 de Maio se foi esbatendo e esquecendo - até porque a perturbação dos primeiros anos da República não tinha qualquer eco nas gerações nascidas depois de 1920 - era bem evidente que o salazarismo ia perdendo uma parte da sua força actuante e afrouxando a chama do ideal e do espírito revolucionário que animara os seus primeiros reformadores. Decerto não passará despercebido aos futuros historiadores que, no princípio do decénio de cinquenta e no termo deste decénio, se abrem as primeiras brechas no capital de confiança que os Portugueses haviam depositado na validade e na eficácia do sistema.
A partir de 1960, e, apesar da corajosa atitude na defesa da integridade territorial da Nação e da reafirmação da nossa vocação ultramarina, já as gloriosas recordações do passado primavam sobre as exigências, cada vez mais prementes, da reforma e de um dinamismo na política e na administração. As lições do passado ensinam-nos que os povos são sempre ingratos poro aqueles que melhor os servem. O general De Gaulle, herói da resistência a ocupação do seu país, o salvador da França como Joana d'Are, foi condenado por um plebiscito de opinião ao exílio da sua propriedade rural. O próprio Doutor Salazar parecia prever esta irreversível tendência quando escrevia:
As escolas políticas e sociais são como as literárias. Esgotada a sua capacidade criadora, a sua flama, perdem a força, extinguem-se, depois de terem deixado a sua marca, o traço profundo da sua influência.
Neste momento da vida política nacional temos de assinalar que um dos méritos da obra de Salazar foi o de permitir que, através das instituições por ele criadas, a sua sucessão se tenha operado numa linha de continuidade. Oferecendo as mais legítimas esperanças de uma abertura para horizontes mais vastos na convivência de Portugal no seio das nações europeias, no respeito pelas liberdades essenciais da pessoa humana e nas aspirações da prosperidade material e moral de todos os nossos concidadãos.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Ribeiro Meloso: - Sr. Presidente: Radicado há mais de vinte anos em Moçambique e eleito Deputado por aquele círculo, cabe-me a honra, por amável convite de V. Ex.ª, de, como português de África, evocar hoje. aqui, Salazar.