DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 40 1022
pelas conveniências de todos; perante os outros países somos simplesmente a unidade, um só e o mesmo em toda a parte.
É reconfortante poder recordar estas palavras, perfeitamente ajustadas ainda hoje, que bem mostram que os rumos que seguimos vêm de mais longe e de mais profundo: não nasceram como habilidosa manobra para enfrentar os novos ventos ou as novas tempestades-mas são aqueles que a Nação a si própria fixou e que ela deseja, portanto, prosseguir.
7. Cheguei ao fim das minhas considerações. Falei de um homem; procurei interpretar com fidelidade o seu pensamento e apreciar desapaixonadamente a sua actuação; sinto, porém, ficar longe do que pretendia se não conseguir resumir em breves palavras uma ideia que traduza o que eu próprio penso sobre ele.
Pois, agora, é talvez simples.
A ideia que me deixou este homem superior, sereno e lúcido, vontade férrea servindo uma inteligência penetrante e robustíssima, conhecendo os homens e as suas fraquezas como um perfeito príncipe de Maquiavel, mas possuidor das qualidades austeras de carácter dos grandes varões de Plutarco, a ideia que ele me deixou foi a de um homem a quem a Providência concedeu os dons e deu também a oportunidade de conduzir os destinos de Portugal em circunstâncias decisivas da sua vida, de imprimir a sua marca na nossa história, de ser, em suma, um verdadeiro chefe. Não aquele que manda simplesmente porque usufrui o Poder, mas aquele que manda porque tem a consciência de uma missão a cumprir.
A figura de Salazar poderá discutir-se; poderá criticar-se a sua obra - como a de todos os que foram grandes; mas, ao lembrá-lo, ter-se-á sempre de dizer que foi um homem que tinha fé inquebrantável nos ideais da sua pátria e que soube servir corajosamente o seu país.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Ávila de Azevedo: - Sr. Presidente: O Professor Doutor António de Oliveira Salazar já pertence à história de Portugal. Inclui-se na galeria de reis, de presidentes, de estadistas que têm ajudado a construir e a manter os fundamentos nacionais da nossa pátria. Como todas as outras figuras contemporâneas é ainda demasiado cedo para que possamos encarar a sua personalidade, o seu pensamento e a sua obra com aquela objectividade e aquele rigor de análise que é timbre dos historiadores escrupulosos. A sua sombra dominadora e vigorosa ainda se projecta demasiadamente sobre nós e sobre a nossa época. Ainda nos falta a dimensão do tempo e a calma que sucede as paixões suscitadas por um político de envergadura para que o nosso juízo não seja prejudicado por um e pelas outras.
Julgo que o meu afastamento da vida pública do nosso país durante largos anos me permite apreciar o vulto de Salazar, nem influenciado pelo sentimento exaltante dos que conviveram com ele e o serviram directamente, nem muito menos por os que injustamente o têm procurado diminuir no conceito geral. E, como decerto outros oradores se referirão à sua obra nacional, escolhi por objecto das minhas palavras um tema, porventura menos tratado, mas que me pareceu aliciante: o pensamento político de Salazar.
Não houve certamente entre os mais eminentes estadistas portugueses nenhum outro que se preparasse tão longa e tão conscienciosamente para a arte do governo.
Quando sobraçou a pasta das Finanças em 1928 o Doutor Salazar já formara uma sólida cultura política, já possuía um corpo de doutrina bem estruturado, já meditara profundamente sobre as causas da nossa decadência, e já estabelecera uma linha de conduta para resolver os problemas que então preocupavam e mesmo angustiavam os Portugueses. No entanto, a sua carreira política, a primeira e inopinada chamada ao Ministério das Finanças em 1926 e o imediato regresso a Coimbra, e até as suas próprias declarações parecem desmentir esta asserção. . .
Também ao seu temperamento repugnava uma tentativa de assalto ao Poder, a preparação de um golpe de Estado à maneira dos conquistadores e dos ditadores.
Era evidente, porém, que ele constituía uma força política potencial. Dessas forças que esperam apenas o momento ou os caprichos do destino para se revelarem. Foi, na verdade, o reconhecimento do seu valor como mestre e como doutrinador, a carência de homens de Estado numa revolução empreendida por militares, n circunstância fortuita de um descalabro financeiro e a sua inegável competência como técnico de economia e de finanças que levaram os promotores do movimento de «28 de Maio» a chamá-lo -a chamá-lo angustiosamente - para resolver uma crise tão grave como as maiores crises da nacionalidade portuguesa: a perda da independência financeira de Portugal, que era o caminho resvalante para a perda da independência política.
Quando o Professor Salazar entrou para o Governo da Nação, aos 39 anos de idade, estava moldado o seu carácter e concluída a sua formação política. Fora um rapaz da província e caracteristicamente provinciano que ascendera a magistratura universitária pela lucidez da sua inteligência e pela decisão da vontade. Como disse o filósofo Alain, os homens não se afirmam pela altura da fronte, mas pela força do queixo. Ainda jovem professor de Direito, escrevia Salazar em 1919:
Pobre, filho de pobres, devo àquela Casa [referia-se ao Seminário de Viseu, onde seguira estudos secundários] grande parte da minha educação, que de outra forma não faria ...
Esta educação provinha do fundo tradicional da nossa inclinação cristã, tinha sido esclarecida pelas lições do seminário recebidas «daqueles bons padres» e sofrera a influência de um meio rural, com o seu apego à terra, a sobriedade dos costumes, a parcimónia dos gastos, o respeito pelas hierarquias e n sujeição ao patriarcalismo familiar. Na sua maneira de ser combinavam-se a modéstia, e mesmo a mediocridade de uma existência temperada pela dura lei do trabalho, com o legítimo orgulho de quem tudo devera a si próprio.
A Universidade, que ele frequentou em Coimbra, ofereceu-lhe então o privilégio de ampliar os horizontes das suas predilecções de espírito e prepará-lo para uma doutrinação política. De facto, toda a actividade deste futuro governante quase se circunscreve aos limites de uma velha província de Portugal e tem como centros a vila de Santa Comba Dão, o burgo de Viseu e a Coimbra universitária. A ascensão social do descendente de modestos lavradores à cátedra da Faculdade de Direito é bem o testemunho do espírito democrático das nossas instituições, que têm permitido, n elevação aos mais altos cargos da Nação dos mais humildes dos seus filhos. De resto, Salazar manteve-se sempre fiel à lição desta experiência, exaltando os benefícios dos princípios. do liberalismo a que devera a sua valorização pessoal.
A formação política de Salazar situa-se numa encruzilhada de correntes culturais contemporâneas, mas toda:;