27 DE NOVEMBRO DE 1970 1021
Por parte das forças armadas tal explicação é também clara simples. Deveu-se à sua ética de sempre; ao facto de, no meio dos-sacrifícios1 impostos às corporações com a tão grande desproporção que no geral existe entre a grandeza das missões e a modéstia dos recursos, e dos sacrifícios; também impostos aos seus homens com as dificuldades da sua vida quotidiana, haverem sabido guardar - como ainda guardam - os mais nobres conceitos de honra e a mais elevada noção do dever, que lhes mostravam que, servindo nesses momentos decisivos as grandes linhas de uma política que sentiam servir a Nação, não serviam um homem - a quem, pessoalmente, não tinham favores a agradecer - serviam simplesmente a sua pátria.
6. Chegado a este ponto; pouco mais se tornará necessário dizer para interpretar, na linha desta exposição, o pensamento de Salazar quanto às coisas ultramarinas.
As linhas gerais da sua filosofia política não provêm, como alguns hoje porventura poderão supor, de época recente, quando se tornou necessário defender pelas armas a integridade da Nação contra o terrorismo ou defendê-la pela palavra na vida internacional contra as arremetidas do pós-guerra daquele conjunto de ambições è de interesses que já conhecemos no passado sob o poético nome de «mapa cor-de-rosa» e agora se disfarça sob a roupagem ciclópica dos chamados «ventos da história».
Não foi difícil certamente para o espírito lógico e objectivo de Salazar, como o não será para quem quer que estude e medite seriamente sobre esta laboriosa construção da História, compreender o que é o Portugal de hoje. Nação forjada por políticos que começariam talvez por pensar essencialmente no comércio, por místicos que ansiavam por dilatar a fé, por homens sedentos de grandeza e de aventura que sonhavam com a glória, mas que foi pacientemente amalgamada por este bom, valente e humilde povo, que sabia - como sabe ainda - doar-se com generosidade; quem se debruçar atentamente sobre ela será forçado a aperceber-se de que existe uma realidade moldada pela vida - e tão longa que já tem história de séculos - que foi dando novas e maiores dimensões à Nação Portuguesa e que, por isso, lhe foi criando paralelamente novos problemas e maiores responsabilidades.
Estes problemas e estas responsabilidades, no .passado como hoje, não podem resumir-se, é certo, à manutenção de um território e à sua defesa em situações críticas: são isso também nas horas difíceis, mas são, em todos as horas, as tarefas de tomar mais progressiva, mais próspera e mais feliz a sua gente.
A juventude actual poderá naturalmente perguntar - como, de resto, já sucedia, e sucede ainda hoje aos homens do meu tempo - por quê se não haveria procurado ou se não haveria conseguido caminhar mais velozmente, quer na metrópole, quer no ultramar, na educação e na cultura, por que terá existido tanta inércia e tanta lentidão, que parece inexplicável, em acertar o passo com os progressos da tecnologia ou em generalizar-se um espírito empreendedor, esclarecido e realista que levasse a progredir, sensata mas rapidamente, nos domínios do económico, do social e do político, actualizando as ideias, os hábitos e as técnicas, sem com caso abdicarmos de ser quem somos, posto que deste modo seriam seguramente menores os nossos actuais problemas e mãos leves as nossas actuais dificuldades.
Creio bem legítimos estes anseios, como creio bem legítimas as perguntas.
Salazar sentiu também o problema e pô-lo a si próprio, porque sentia - como escreveu apôs a dura experiência de quinze anos de Governo - as «dificuldades trazidas à vida pública pela teimosa mediocridade do meio onde ameaçam afundar-se todas as aspirações generosas, movimentos largos, planos do envergadura»; sentia como pesava «sobre todos e sobre tudo» aquilo que classificou de «acanhado ambiente, locai» que levava à não floração que sua terra das qualidades naturais dos portugueses que tão exuberantemente triunfam noutras paragens.
Não o refiro aqui para, condenar ou para absolver menciono-o ùnicamente para salientar até que ponto todos somos solidàriamente responsáveis na obra do progresso da Nação, desde o supremo chefe político ao mais humilde homem de. rua, posto que essa obra sem ambos ou, que o mesmo é dizer, sem a colaboração de todos não se poderá realizar.
Mas, para além destes aspectos tão importantes e que se prestariam a útil meditação, fica ainda a questão basilar da escolha das grandes rotas, do estabelecimento daquela filosofia política que terá de constituir o alicerce seguro, que confere solidez, e coerência a toda a acção, que dá aquela garantia e aquela confiança no rumo que trilhamos na vida e que multiplica a força dos homens como dos povos.
Aqui, Salazar foi, uma vez mais, o pensador clarividente e equilibrado em quem a fé nos ideais não fazia perder o eminente sentido do real e do possível.
Quantas dúvidas que vejo agitar ainda alguns espíritos, quando se fala de ajustar métodos de administração pública ou técnicas de aplicação dos princípios da economia os realidades presentes da Nação, se dissipariam se fossem atentamente relidas as suas palavras.
Cito quase ao acaso, para evidenciar a continuidade e o realismo de um pensamento político e a clara distinção que nele existia entre o que é permanente e o que deve ter-se por acidental.
Em 1960, falando nesta Assembleia, Salazar era bem claro ao afirmar que «a unidade da Nação na pluralidade dos seus territórios» implica «a unidade de direcção política, com a colaboração de todos», mas não tem nada a ver com certos problemas que apenas respeitam à organização administrativa e a maior ou menor descentralização e autonomia, problema acerca do qual via «muitas pessoas manifestarem-se altamente interessadas».
Para ele - dizia ainda - não se tratava de problema de princípio, mas sobretudo de possibilidades.
Estos palavras, todavia, limitavam-se a ser apenas eco de outras também por ele mesmo aqui proferidas no ano já tão distante de 1933 e que merecem recordar-se, pois são talvez mais claras ainda no plano político, embora então pudessem ser outras as técnicas julgadas mais aconselháveis para o desenvolvimento económico do conjunto nacional, ou não fossem iguais às de hoje, em todos os pormenores, as soluções administrativas:
Somos uma unidade jurídica e política, e desejamos caminhar para uma unidade económica tanto quanto possível completa e perfeita, pelo desenvolvimento da produção e intensa permuta das matérias-primas, dos géneros alimentícios e dos produtos manufacturados entre umas e outras partes deste todo.
Acentuava, em seguida, que os regimes económicos de coda uma têm de ser estabelecidos em harmonia com as necessidades do seu desenvolvimento, tendo em atenção a justa reciprocidade entre elos e os países vizinhos e os direitos e legítimos interesses das outras e do conjunto nacional.
E concluía com esta síntese magnífica:
Entre nós, constituímos a variedade da unidade, campo de trabalho comum nas condições definidas