7 DE JANEIRO DE 1971 1265
mal a ninguém, e até do ponto de vista político se revestem de reais vantagens, como a experiência sempre evidenciou.
As mentalidades que se comprazem com os narizes de cera, com os postiços e com os ambientes fechados não aceitarão, por certo com medo das correntes de ar fresco e renovador, estas maneiras de ver, que são as únicas capazes de abrir mais dilatadas e promissoras clareiras à arte, à cultura, à vida.
E será de criar também uma escola de formação de cineastas e técnicos de cinema? Já me inclinei abertamente para uma solução neste sentido, mas hoje não quero pronunciar-me em definitivo sobre matéria tão delicada. E que as escolas de teatro, a exemplo do que se verifica noutros países, podem e devem ensinar também as técnicas da arte de representar mais adaptáveis ao cinema. Aliás, e como se propõe fazer o Governo, bem poderão, até a título de ensaio, organizar-se cursos, estágios, centros experimentais de cinematografia, sem pôr de parte a atribuição de bolsas de estudo destinadas à preparação de técnicos e de artistas de cinema. E estes últimos, não se esqueça, hão-de, em regra, provir do próprio teatro, como tem acontecido quase por toda a parte.
Sei que, por exemplo, na Jugoslávia funciona uma escola que se dedica de modo particular à curta metragem, mas não sei se se trata de um estabelecimento de ensino de tudo o que diz respeito à arte de representar e às diversas técnicas do cinema, ou só a estas. De qualquer modo, o Instituto Português de Cinema fica com poderes e meios para fazer as experiências que entender neste campo, o que trará reais vantagens se houver o cuidado de acertar agulhas com os estabelecimentos de ensino artístico e se não se caminhar, às cegas, na preparação de elementos insusceptíveis de absorção pelas actividades cinematográficas portuguesas.
Esta matéria é melindrosa e controversa, aliás, como quase todas as ligadas ao teatro e ao cinema. Consagrai longos dias à leitura ou estado de muito do que se tom escrito sobre estes problemas e fiquei impressionado com as divergências de opinião resultantes não só da sua complexidade e amplitude, mós também do antagonismo de interesses que, neste terreno, se chocam e digladiam com reflexo nítido em pareceres, estudos, relatórios e exposições, em entrevistas, mesas-redondas e artigos da imprensa, e no jogo, nem sempre isento, das influências pessoais ou sectoriais ou mesmo das posições ou paixões políticas.
Esta irredutibilidade de pontos de visto surge logo que se pretende encantoar soluções poma o fomento e defesa do cinema nacional. Tem-se verificado que diversas providências visando esse inafastável objectivo são apodadas de lesivas de interesses legítimos e consideradas, por vezes, contraprocedentes e perniciosas.
A leitura dos pareceres da Câmara Corporativa evidencia bem as discrepâncias de atitudes dos diversos sectores em presença. Não vou debruçar-me sobre aspectos mais próprios da apreciação na especialidade, mas, de passagem, não me furtarei a aludir à necessidade de tudo se fazer para aproveitar o poderosíssimo instrumento cultural e psicológico do cinema -e também do teatro- na defesa dos nossos valores materiais, jurídicos e morais, sob pena de os vermos, pouco a pouco, de modo directo ou indirecto, comprometidos, abastardados ou substituídos por outros de sinal contrário, não só aos mais profundos interesses nacionais, como à política do espírito.
Esta orientação não pode deixar de prevalecer, de harmonia, aliás, com a linha de pensamento das próprias propostas de lei, embora tenha de se reconhecer não ser fácil encontrar soluções normativas e metodológicas para KC atingir este importante objectivo, sobretudo no concernente ao cinema.
Todos os países cuidam dos seus interesses, de modo particular neste domínio.
Assim, o lei brasileira (artigo 19 da Lei n.º 48, de 18 de Novembro de 1966) prescreve que «todos os cinemas existentes em território nacional ficam obrigados a exibir filmes nacionais de longa metragem, durante determinado número de dias por ano, a ser fixado pelo Conselho Directivo do Instituto Nacional do Cinema». E o artigo 22 da mesma lei consagra doutrina idêntica para filmes nacionais de curta metragem de «classificação especial».
A lei do país vizinho prevê que a quota de écran a que deverá ajustar-se a exibição obrigatória de películas espanholas de longa metragem é estabelecida na proporção de um dia de película nacional por quatro películas estrangeiras dobradas em castelhano.
Por seu turno, e para não folar na França, na Inglaterra e noutros países, a Lei Italiana n.º 1218, de 4 de Novembro de 1985, estabelecia que «os filmes nacionais de longa metragem são admitidos à programação obrigatória (vinte e cinco dias em cada trimestre) nas salas de cinema que apresentem, além de adequados requisitos de idoneidade técnica, também suficientes qualidades artísticas, ou culturais, ou espectaculares, não podendo, todavia, ser admitidos a essa programação obrigatória os filmes que tratem vulgarmente de temas sexuais para especulação comercial».
E evidente que o fomento do cinema português não depende apenas de providências desta natureza, mas tem sido neste aspecto que se vem travando mais acesa discussão. E se é certo não se compreender a protecção a filmes sem nível artístico ou cultural, também não pode duvidar-se da legitimidade e da necessidade de se adoptar aquele método na protecção do cinema português. Tudo está em que se encontrem as formas práticas mais apropriados e que os diferentes interesses em causa se disponham a uma cooperação leal e construtiva. A produção, a distribuição e a exibição são três fases de um todo que não podem, sob pena de se lesarem mutuamente, deixar de se entender, cabendo ao Estado impor, de modo supletivo, a coordenação e a disciplina indispensáveis.
Reconheça-se que, neste campo, as propostas de lei em apreço, sem embargo de constituírem um avanço notável na adopção dos meios e mecanismos mais apropriados a protecção do teatro e do cinema, oferecem, entre outros, o mérito de não fazer tábua rasa do que de bom e aproveitável se encontra já em vigor.
Além desta vantagem, assinalada pela Câmara Corporativa, há que referir, por ura lado, o alargamento dos esquemas de protecção financeira, que passam a abranger não só a modalidade dos subsídios, mas ainda a concessão de empréstimos e de garantias de crédito, e, por outro, o estabelecimento de um novo regime fiscal mais conforme com as normas gerais da tributação e com os princípios da justiça.
No respeitante ao primeiro aspecto, há, porém, que formular o voto de que, tonto quanto possível, o função do crédito caiba aos organismos especializados do banca oficial ou privada, embora em perfeito entendimento com os serviços do Estado de protecção ao teatro e ao cinema, serviços que devem ser libertados de tudo o que não é específico da sua missão.
Torna-se mister, além disso, que o Instituto do Cinema e o Fundo do Teatro não se transformem em instrumentos