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30 DE ABRIL DE 1971 1989

grau para a indústria e, no futuro, para os serviços, as populações, anteriormente presas à terra, têm vindo a acorrer às cidades, atraídas pela maior disponibilidade de emprego e também pelos benefícios dos serviços sociais aí existentes - ensino, cultura, saúde, distracções. No nosso país a taxa de urbanização ainda é reduzida - no censo de 1960 a população distribuía-se entre 75 por cento rural e 25 por cento urbana -, mas ela atinge presentemente 70 por cento na Alemanha Federal, 90 por cento na Inglaterra e nos Estados Unidos. Mesmo na Rússia - pois o fenómeno é independente de ideologias e está sobretudo ligado ao grau de desenvolvimento económico -, ainda há poucos anos de estrutura profundamente rural, tem já metade dia sua população concentrada em aglomerações urbanas. No entanto, a nossa situação evolui ràpidamente, como se pode verificar nos resultados parciais conhecidos do recenseamento de Dezembro último, pelos quais se vê que, praticamente sem - excepção, houve no decénio de 60 um decréscimo sensível de população nas zonas rurais. E se muitos dos que saíram emigraram para o estrangeiro, à procura de melhores condições de vida, muitos outros também vieram, com objectivo idêntico, engrossar as nossas cidades. Foi apresentada, no Colóquio sobre Política de Habitação, realizado em 1969, uma projecção, segundo a qual, considerando a evolução demográfica prevista a uma taxa de urbanização próxima, de 90 por cento, 8 a 10 milhões de portugueses metropolitanos seriam urbanos no fim deste século. Atentando nestes factos, aqui exprimo o voto que se procura evitar, através de informação adequada, que tantos dos nossos emigrantes malbaratem o património, amealhado quase sempre com tanto sacrifício, comprando, na sua aldeia natal, terras que não se poderão no futuro cultivar e construindo casas que serão abandonadas.
O fácies urbano vai, pois, alterar-se profundamente, e a formai que assumir não é indiferente para o homem que aí habita. E que a cidade, dizia um intelectual francês, é a projecção no (terreno de uma sociedade. E ainda a este propósito da relação entre a forma arquitectórica e o comportam emito humano, me permito referir um significativo facto, relacionado com a reconstrução da Gamara dos Comuns britânica, seriamente danificada pelos bombardeamentos durante a última guerra mundial. Discutia o grande estadista Winiston-Churchill se se deveria aproveitar para dar maior dimensão, imponência e comodidade à velha sala, adequando ainda a sua lotação, altamente insuficiente, ao efectivo de Deputados, para decidir, apoiando-se em razões ricas de observação e de profundidade, que nada se deveria alterar. E concluía esse extraordinário vulto político com a sabedoria que dá uma longa sedimentação de tradições e de experiências, conscientemente vividas:

Nós damos forma aos nossos edifícios, mas depois são eles que nos modelam.

Um dos traços mais característicos da urbanização moderna é que ela põe em causa as suas estruturas tradicionais. A cidade, mesmo depois de se ter libertado da compressão da cintura de defesa, cresceu densa e compacta, pela subordinação a transportes lentos e escassos. O aparecimento do automóvel vem alterar profundamente estas coordenadas. A sua velocidade e a sua expansão favorecem a extensão da zona urbana, permitindo residir longe do emprego, do centro comercial e das distracções, mas, à medida que a cidade cresce, o automóvel absorve cada vez mais espaço para circulação e estacionamento. Como estas áreas não estão disponíveis suficientemente, produz-se um efeito de congestionamento crescente, que leva ao fenómeno paradoxal de automóveis, sempre mais velozes, circularem nas cidades a velocidades cada vez mais lentas, que não ultrapassam muitas vezes a de veículos de tracção animal há muito desaparecidos. E dão esqueçamos também os malefícios da elevada poluição atmosférica, provocada por essas desmesuradas densidades de tráfego.
Por outro lado, os centros citadinos, não tendo sido projectados para o automóvel, entram em acentuado declínio, sobretudo quando, como acontece frequentemente em cidades americanas, não têm importância histórica que force a conservá-los.
Por acção do automóvel, pois, a área das cidades - e aqui não me refiro a limites administrativos - cresce muito mais depressa que a sua população. Já não se trata de zonais urbanas contínuas, imas sim de uma interpenetração do urbano e do rústico, pois englobam bosques e campos. É a chamada estrutura em nebulosa, que surge nos Estados Unidos e em certas zonas europeias. Estas novas regiões urbanos são diferentes das cidades tradicionais, e o estilo de vida dos seus habitantes não é o citadino clássico: a cidade era caracterizada por uma forte concentração populacional, criadora de um sentimento de enquadramento e de dependência, e pela proximidade dos serviços sociais colectivos. O conforto e o poder de compra transferem-se presentemente para a periferia, tornando-se o centro uma zona de depressão, incapaz de animar e tornar solidárias as populações urbanas. A cidade transforma-se, assim, num tecido indiferenciado, onde a função de associação se encontra pràticamente limitada ao centro comercial e a função cultural aos meios de informação de massa - televisão, rádio, imprensa.
Esta tem sido a evolução mais generalizada do fenómeno urbano nos países mais desenvolvidos, produto das transformações sociais, económicas e técnicas, mas também, e eu diria sobretudo, por uma ausência de política suficientemente prospectiva, o que faz subordinar a evolução mais a conveniências individuais do que ao bem colectivo. E se a estrutura urbana em nebulosa permite um maior contacto com a Natureza, traz, em contrapartida, encargos desmesurados em infra-estruturas, promove e intensifica a utilização do transporte individual e esbate o sentido comunitário pela dispersão e o isolamento.
Em Portugal, o problema não tem ainda a dimensão de que se reveste lá fora; tiremos ao menos partido do nosso atraso para evitar os erros dos outros. Há, pois, que promover uma rápida planificação concertada, que permita uma razoável concentração urbana em núcleos habitacionais, que, ainda que dispersos, devem ter suficiente densidade, com as indispensáveis zonas verdes, devidamente servidos por uma rede de transportes públicos eficientes e rápidos, que frenem a utilização indiscriminada do automóvel; conservar e revitalizar, se necessário, os centros citadinos e reservá-los sempre que possível e conveniente à circulação de transportes públicos e de peões, de modo a permitir a sua função aglutinadora e criadora do espírito cívico e comunitário: evitar a edificação de zonas exclusivamente dormitório, integrando harmoniosamente sectores industriais, de convívio, de serviços sociais e de residência.
Para essas transformações imensas do habitat urbano surge desde logo a necessidade de se dispor de largas áreas, e aí aparece a dificuldade do preço especulativo dos terrenos nas zonas citadinas e a sua excessiva pulverização. O Governo recentemente tomou medidas indispensá-