30 DE ABRIL DE 1971 1987
Por iniciativa de um grupo responsável, organizaram semanas de estudo, em que especialistas locais e outros do continente e até do estrangeiros trataram com profundidade muitos dos principais aspectos da problemática açoriana de então.
Algumas das premissas de que partiram e das conclusões a que chegaram estão hoje manifestamente desactualizadas. Mas não há dúvida de que eles foram os pioneiros do trabalho de investigação e de estudo sistemático, que o Governo depois tomou à sua responsabilidade.
Não é por mero diletantismo, ou por orgulho mal contido, que faço esta referência. É, sim, por um imperativo de justiça, porque muitas vezes se tem pretendido sacudir a água do capotte, lançando sobre o povo açoriano e as suas elites a responsabilidade pelo atraso que os amarfanha. Muito pelo contrário, a história dos Açores está recheada de acontecimentos que provam bem a vitalidade do seu povo: na política, na economia, na cultura e em tantos outros aspectos da actividade humana.
No decorrer dos séculos, desde que as ilhas foram povoadas, as iniciativas de desenvolvimento e de progresso económico e social foram sempre surgindo, algumas até primeiro nos Açores que em qualquer outra parte do País.
Foram as culturas, para abastecimento próprio e para exportação, do trigo e cana-de-açúcar, do pastel e da laranja. Depois o tabaco, ananás, chá, espadana, vinha, chicória, inhame lacticínios e carne.
O primeiro jornal agrícola português, intitulado O Agricultor Micaelense, foi em Ponta Delgada que apareceu, em 1843.
Na indústria, já em 1866 se lançava a fábrica de tabaco Micaelense, à qual se vieram somar, depois, outras unidades, trabalhando a mesma matéria-prima, em S. Miguel e na Terceira.
Ainda no século passado, outras fábricas se foram instalando: uma de álcool, outra de cerveja, de açúcar de beterraba, várias de conservas de peixe, de óleo de baleia, de tecidos de linho, de bordados, de sabão, de rações, etc.
Por iniciativa própria e com capitais seus, os Açorianos fundaram bancos comerciais; empresas de navegação marítima, com tráfego para o continente português, para es Estados Unidos da América, para a Inglaterra e países do Norte da Europa; e, há cerca de vinte anos, uma empresa de transporte aéreo para as comunicações interinsulares.
Enfim, não vou tomar mais tempo a VV. Ex.ªs alongando um relato que faz parte da história.
Mas insisto em dizer que o chamado «torpor açoriano», à sombra do qual se têm acorbertado algumas incompetências e comodismos, não tem nada que ver com as virtudes e a capacidade de iniciativa e de trabalho de um povo que tem vivido com um dinamismo e arrojo que não tem comparações.
A última prova mais relevante dessa vitalidade, agora no domínio político-administrativo, foi a instauração do regime autonômico, que caracteriza a forma de governo ainda hoje existente nas ilhas adjacentes; fruto da saudável irrequietude e inconformismo de um punhado de micaelenses ilustres, que, feridos pelas desigualdades de tratamento da sua terra, se lançaram numa campanha política que culminou com a publicação, em 1895, do primeiro estatuto de administração distrital autónoma.
O rapidíssimo bosquejo da história social e económica dos Açores, que acabo de fazer, dá já ideia da realidade humana de uma região bastante bem definida no contexto nacional.
Isto tem interesse prático, porque, no dizer de um técnico da competência do nosso colega engenheiro Correia da Cunha, «para corrigir distorções pressentidas e programar acções é indispensável conhecer a realidade física e humana nos seus múltiplos aspectos».
Do ponto de vista geográfico, não há dúvida de que o arquipélago, situado em pleno Atlântico, a 1400 km da costa portuguesa e a 3600 km da América do Norte, com as suas nove ilhas sensìvelmente agrupadas à volta do paralelo que passa por Lisboa e Washington, tem uma individualidade evidente.
Em todo o caso, em muitos aspectos, que não só os da estratégia militar, põe-se hoje a questão de saber até que ponto os Açores devem ou não integrar-se num complexo geográfico mais amplo, que abranja a Madeira, Cabo Verde, talvez São Tomé e Príncipe e até as Canárias. A Madeira e os Açores não são estranhos ao que se passa nas Canárias, por exemplo, em política de navegação marítima e no turismo; não será razoável, por outro lado, qualquer política séria de fomento da pesca, na área do Atlântico Norte, sem apoios fixos infra-estruturais em todos ou em alguns dos arquipélagos mencionados. Até em matéria de administração e de governo há pontos de contacto flagrantes entre os arquipélagos. Já ouvi formular e defender a ideia de um Portugal insular, pela semelhança de tantos problemas que são comuns às ilhas, em contraste, tantas vezes, com soluções globais, boas para o continente, mas desfasadas das realidades insulares.
De entre estas, para uma, de modo particular, gostaria de pedir dois minutos de atenção: o isolamento. Ele «é uma realidade de que não pode abstrair-se, qualquer que seja o aspecto por que se encare a conjuntura sócio-económica açoriana».
O conceito tão difuso de «insularidade», a que abusivamente se recorre, como tábua de salvação, para explicar desequilíbrios e retrocessos das estruturas insulares, creio que pode ser materializado neste facto muito concreto: o isolamento.
A questão é que este pode ser atenuado por meio de medidas objectivas de adequação racional do sistema de comunicações e dos meios de transporte. Talvez, por isso, se fale hoje tanto de insularidade; porque, sendo um termo de conteúdo mal definido, responsabiliza muito menos as pessoas.
Além do papel fundamental que o sistema de comunicações desempenha em qualquer tipo de economia insular, os transportes são um elemento imprescindível de coesão da comunidade nacional.
Isto, que parece uma verdade elementar, tem sido, porém, muito difícil de entender.
Permita-se-me, a propósito, um breve parêntese só para dizer que toda esta esplêndida teoria - que até parece estar certa- sofreu um rude golpe, há bem poucas semanas, com a aprovação oficial do novo regime tarifário que, a partir do dia 1 deste mês, passou a vigorar entre o continente e o arquipélago dos Açores. Os fretes marítimos sofreram um agravamento de 12,5 por cento; isto depois de três fusões de empresas e de várias medidas de simplificação e economia dos serviços ...
O agravamento de preço das passagens aéreas teve uma característica especial: foi discriminatório - porque, praticamente, só incide no voo Lisboa-Ponta Delgada ...
Enfim, tudo isto é muito curioso e é matéria para algumas palavras mais, além daquelas que me seria lícito agora proferir.
Voltarei a este assunto numa próxima oportunidade.
Feito o parêntese, a ideia base que eu queria realçar é a seguinte: toda a política de desenvolvimento regional aplicada a territórios insulares tem de atender, de um modo especialíssimo, ao sistema de comunicações com o